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A radiografia da cor

Março/Abril 2018

Carlos Alberto Pacheco

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Carlos Alberto Pacheco

Não faltam evidências de que o brasileiro se relaciona mal com nossas verdades incômodas, e o racismo é uma delas. Em uma nação de pouco mais de 500 anos de idade, quase 400 foram marcados pela escravidão. Há indícios de que aqui chegaram a partir de 1531, com a vinda de Martim Afonso de Souza, somando-se a 3,6 milhões quando foram libertos em 1888 com a Lei Áurea. Fomos a última nação americana a acabar com a escravidão. No entanto, o objetivo da lei deveria ter sido pôr fi m à herança escravocrata e não apenas à liberdade desestruturada que fez os mesmos se amotinarem em quilombos permanecendo à margem da sociedade até hoje.

Para qualquer indicador que olhemos, veremos que os negros ficaram onde estavam em 1888, ou seja, na base da pirâmide. É assustador o abismo entre brancos e negros, seja em qualidade de vida ou perspectiva futura. De acordo com o IBGE, em 2015, a renda média do trabalhador branco era 1,8% maior que a do negro. O estrato dos 10% mais ricos é composto por 70% de brancos, enquanto os 10% mais pobres é formado por 74% de negros.

Não se pode dizer que a massa de pobres do Brasil atinge brancos e negros igualmente. Dois indicadores revelam isto: a taxa de mortalidade infantil de filhos de mães negras é 30% maior do que a de mães brancas. Entre os estratos mais desfavorecidos, enquanto 8% dos privados de acesso a saneamento básico são brancos, 22% dos negros sofrem da mesma privação. Do ponto de vista educacional, a taxa de anos de estudo da população branca é 20% superior quando comparada com a dos negros (7,5 anos para os brancos x 6,2 para os negros), e o analfabetismo dos negros é 34% maior. O sistema de cotas universitárias melhorou a situação, porém mesmo assim o número de negros matriculados é apenas 27% do total. A representação da população carcerária indica que 2/3 são formados por negros, e apenas 4,7% dos altos executivos são constituídos por negros. Nem na esfera pública esta realidade é diferente. Cerca de 20% do Congresso Nacional é composto por negros e somente 15% do Judiciário Federal e Estadual contam com negros em suas cadeiras.

De acordo com um estudo feito pelo Instituto Ethos, após uma síntese de vários indicadores matematicamente martelados, a caminhar na velocidade em que vamos, serão necessários 150 anos para atingirmos uma igualdade racial. Por que tamanha dificuldade na obtenção do equilíbrio? Estudiosos do assunto apontam a negação do racismo como um elemento que freia a velocidade da mudança. Diferentemente da nação norte-americana, que se intitula admitidamente racista e, por consequência, luta abertamente contra tal, a nação brasileira nega o fato, o que não só o minimiza como impede que o mesmo ganhe corpo.

Diferentemente dos Estados Unidos, onde a miscigenação foi menor e os conflitos são mais acirrados, nosso racismo é mais brando e de natureza mais discursiva do que prática. Por mais curioso que pareça, a miscigenação, que deveria ser uma das armas mais fortes contra o racismo, é pouco eficaz naquilo que o nosso próprio Código Penal imputa como crime. De acordo com Fernando Henrique Cardoso – ex-presidente – “o melhor seria combater a indiferença ao invés do preconceito”, pois não se elimina aquilo que não se aceita. Somos um país racista onde ninguém se assume como tal.

Como as empresas do segmento cosmético podem contribuir para aumentar a velocidade da mudança? Talvez começando a olhar primeiro para dentro de casa. Avaliar indicadores de empregabilidade, equidade salarial, os incentivos à educação continuada e outras políticas que não dependem em nada do poder público.

Desta forma, estariam mudando o microuniverso para influenciarem o macro. Do ponto de vista externo, poderiam ajudar muito por incentivar a mudança cultural pelas campanhas publicitárias, por meio de seus institutos, além de associar uma marca forte a uma causa estruturada, pois mais que uma campanha de marketing, o objetivo seria uma causa humanitária.

Sem dúvida, entre as grandes causas a serem defendidas no futuro próximo está a da igualdade racial, que anda de mãos dadas com a igualdade de gênero. Assim como a bandeira da sustentabilidade ambiental alavancou a imagem de muitas empresas e marcas nas décadas passadas, com certeza estas duas novas cumprirão o mesmo papel, arregimentando novos consumidores que se identifi carem com elas.

O estímulo ao diálogo de que expor essa questão não é um problema, mas a possibilidade de uma solução - fator chave nesta mudança sociocultural.



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