Manipulação Cosmética

Mais uma jabuticaba

Julho/Agosto 2017

Luis Antonio Paludetti

colunistas@tecnopress-editora.com.br

Luis Antonio Paludetti

O mês de agosto está chegando e, com ele, já podemos encontrar a pequena frutinha negra.

Embora existam mais de 12 espécies de jabuticaba e o vegetal esteja presente no Brasil e em outros países, sabe-se lá por que a jabuticaba está associada com coisas singulares e que só acontecem no Brasil.

Citada pela primeira vez pelo economista Pérsio Arida para explicar o porquê das taxas de juros brasileiras, a teoria da jabuticaba consiste na existência de fatos e costumes que só existem no Brasil - uma “jabuticaba brasileira”.

Se não bastassem as mazelas da nossa política, da nossa justiça e da nossa sociedade como um todo, recentemente o Congresso Nacional conseguiu fazer amadurecer mais uma jabuticaba: a autorização da produção, da comercialização e do consumo de medicamentos anorexígenos.

A recente publicação da Lei 13454, de 23 de junho de 2017, veio definir uma queda de braço que há anos se arrastava, a permissão do uso de anorexígenos.

Não pretendo aqui entrar na polêmica sobre a efetividade ou não dos ditos compostos anorexígenos, mesmo porque esta é uma revista sobre cosméticos. Mas o precedente criado pelo Congresso Nacional, ao instituir por meio de lei uma autorização para o uso de substâncias, pode gerar preocupações para todos os setores que são regulados pela Anvisa, incluindo o de cosméticos.

Para que possamos entender claramente o perigo que foi criado, precisamos entender primeiramente alguns trâmites legais.

Sempre que a sociedade necessita institucionalizar, ratificar ou retificar um conjunto de valores éticos e morais, ela faz uso das leis. Entre outros aspectos, as leis existem para criar, regulamentar ou modificar comportamentos e atitudes, tornando possível a vida em sociedades democráticas.

As leis são, então, um reflexo dos desejos da sociedade. Cabe às casas legislativas o processo de elaboração, redação final e aprovação das leis, num processo denominado trâmite.

Leis são mecanismos difíceis de serem mudados e, por esse motivo, não podem e não devem ser utilizados para regular ou regulamentar a dinâmica de métodos e processos, mas para lançar bases sólidas sobre determinados valores. Entretanto, uma legislação bem elaborada deve prever que outras entidades normativas possam regular os aspectos particulares e dinâmicos do setor ao qual se aplica a lei.

Por este motivo, existem as agências reguladoras, como Anvisa, Anac, Anatel etc. As agências reguladora s existem em todos os países desenvolvidos e foram criadas como uma forma de tornar dinâmico o relacionamento dos vários atores do segmento regulado, em particular a sociedade, os produtores e as políticas públicas definidas por leis.

Vejamos alguns casos interessantes. A mais importante
regra do setor farmacêutico no Brasil é a Lei 5991/73. Esta lei lança as bases para quase tudo que se refere a medicamentos e cosméticos. Sabiamente, ela não determina, por exemplo, quais substâncias são permitidas e nem como devem ser os formulários de controle especial. Todos estes detalhes são delegados à Anvisa, tornando o processo mais ágil e mais independente.

A publicação da Lei 13454/17 modifica radicalmente essa relação. Eu lido com legislação há mais de 20 anos e, como professor e consultor, posso afirmar que certamente a Lei 13454/17 é uma das menores leis que conheço. Com apenas dois artigos e em menos de 5 linhas, ela lanceta a autoridade da Anvisa e pode criar alguns problemas para o futuro. Reza a lei:

Art. 1º Ficam autorizados a produção, a comercialização e o consumo, sob prescrição médica no modelo B2, dos anorexígenos sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol.

O primeiro problema é que a lei é omissa quanto à importação e ao registro. Assim, a Anvisa ainda detém o direito de apenas permitir a importação e o registro dos insumos se apresentadas evidências científicas suficientes.

O segundo problema é que a prescrição, a partir de agora e até que se mude a lei, só pode ser feita no modelo B2. Aí está um crasso erro de legislação: a receita médica não é no modelo B2, mas sim a notificação é que o é. A receita médica é uma receita comum, acompanhada de uma notificação. Dizer que a receita a ser usada é em modelo B2 torna impossível a prescrição, pois não existe tal modelo.

E o terceiro e mais importante: se, algum dia, descobrir-se malefícios que inviabilizem o tratamento com estas substâncias, elas só poderão deixar de ser comercializadas por força de lei.

Não tenho a intenção de avaliar os motivos ou os desejos que levaram os deputados a redigir tal lei, mas, independentemente de quais tenham sido, eles nos trouxeram insegurança em relação ao futuro do setor regulado. Hoje são os anorexígenos, amanhã podem ser outras substâncias.

Num país onde a compra de leis, normas e medidas provisórias parece ser prática corriqueira, todos os que atuam nos setores farmacêutico, cosmético e de alimentos também têm muitos motivos para ficar preocupados com mais essa jabuticaba.



Outros Colunistas:

Deixe seu comentário

código captcha

Seja o Primeiro a comentar

Novos Produtos