Tricologia

A academia deveria ir até a indústria ou vice-versa?

Julho/Agosto 2016

Valcinir Bedin

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Valcinir Bedin

Antes de discorrer sobre esse tema tão estimulante, quero registrar que, nos meus pouco mais de 60 anos de vida, sempre transitei muito bem nestes dois ambientes, muitas vezes tão distantes – o que considero um privilégio. Depois da minha graduação em medicina, na Universidade de São Paulo, pude fazer meu mestrado e, depois, meu doutorado em medicina, na Universidade de Campinas. Não obstante, continuei meus estudos num curso de pós-doutorado, nos Estados Unidos.

Durante todos esses anos, mantive um estreito relacionamento com a indústria, sempre na forma de assessoria técnica pontual. Pude, também neste tempo todo, perceber o grande afastamento que existia entre esses dois mundos, cada um deles com seus argumentos “irrefutáveis”.

Uma das abordagens que podemos ter para tentar entender esse fenomeno está nas definições dos termos que permeiam ambos os mundos.

A palavra “investigação” tem um significado bem diferente para cada um deles, e há divergências até mesmo dentro deles. Buscando definições, encontrei um trabalho postado por Luis Sarmento no blog Academia e Indústria. Para a academia, é trabalho de investigação ampliar as fronteiras do conhecimento, produzindo novas teorias, pondo-as em prática, percebendo suas falhas e corrigindo-as quando necessário. O objetivo é a pesquisa em si, não havendo, como falam os cientistas norte-americanos, “ciência inútil”, pois todos os trabalhos científicos, em algum momento, servirão para o aumento do conhecimento humano. Pode-se aguardar o tempo que for necessário para que esta informação torne-se útil e relevante.

Para tanto, o que se mede é a produção científica que determinada instituição produz, onde ela consegue publicar seus feitos e quantos são os professores doutores envolvidos na pesquisa.

Até bem recentemente, pelo menos aqui no Brasil, não era objetivo da academia produzir patentes que revertessem lucros para a instituição, e isso era visto até como antiético!

A investigação para a indústria é a parte que envolve a resolução de problemas que aparecem e atrapalham a evolução dos negócios, não importando quem trouxe a solução.

O que é relevante é que a investigação na indústria permite incorporar conhecimento novo na organização, o que pode acontecer por um simples estudo de material já existente, pela sua evolução por meio da adaptação aos desafios concretos que se vivem na indústria em causa.

O objetivo da investigação na indústria não passa necessariamente pela expansão do conhecimento da humanidade: apenas pretende expandir o conhecimento da organização de forma a acelerar a sua progressão e ganhar vantagens competitivas. Ou seja, ao contrário do que acontece na academia, a investigação na indústria não tem um caráter universal.

Por um lado, é muito frequente que, perante a limitação de recursos para o efeito na maior parte da indústria, grande parte daquilo que se chama de “investigação” se concentre apenas na importação e aplicação quase direta e o mais rápida possível de conhecimento. Na verdade, este tipo de atividade está mais próximo da engenharia do que da ciência. Por outro lado, é precisamente em indústrias mais poderosas, que se fazem também algumas das investigações científicas de fundo mais avançadas.

A medição do sucesso da investigação na indústria está essencialmente indexada ao seu potencial econômico – em curto ou longo prazo. Como se procura uma vantagem competitiva, muito raramente se publicam os últimos resultados. Aliás, mesmo que haja um avanço do conhecimento universal da humanidade, esse conhecimento fica restrito ao interior da empresa que o alcançou, para sua conversão econômica.

Em resumo, a investigação na indústria tem um carácter essencialmente local, em que se procura uma vantagem competitiva, sem que isso torne obrigatória a expansão do conhecimento universal da humanidade.

Em algumas instituições acadêmicas brasileiras, encontramos, há tempos, embriões de empresas onde os alunos mimetizam o que vão encontrar em seu futuro profissional. Já nas instituições públicas, isso só começou a acontecer mais recentemente, com a criação de empresas de informática, como as chamadas startups, cuja função é reunir interessados em projetos econômicos e, por meio dessa parceria, tentar arrecadar o montante de dinheiro necessário para a execução desse projeto.

Nas grandes universidade públicas, este modelo ainda é muito incipiente, havendo pouco estímulo para a criação de patentes e sua utilização comercial.

Falta ainda uma massa crítica suficientemente grande para impactar os dirigentes e gestores das universidades, de modo que eles entendam e aceitem a ideia de que a associação entre a indústria e a academia pode ser muito produtiva para ambos os lados, escolhendo modelos que já existem - especialmente nas universidades norte-americanas - ou, eventualmente, criando modelos próprios que se adaptem melhor à realidade nacional.



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