Manipulação Cosmética

Poderes e responsabilidades

Julho/Agosto 2015

Luis Antonio Paludetti

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Luis Antonio Paludetti

Quando eu era criança e fazia algo errado ou alguma malcriação, minha mãe já sabia qual era o castigo que mais doía: uma semana sem assistir aos desenhos animados do Homem-Aranha. O inusitado personagem “nerd” de Stan Lee transforma-se em um herói após ter sido picado por uma aranha radioativa. Quando ele constata seu enorme poder, seu tio Ben profere uma frase que ficaria famosa no universo dos quadrinhos: “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.

E, agora, um grande poder foi concedido à classe farmacêutica, pelo menos no estado de São Paulo. Recentemente, o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo obteve na justiça sentença favorável no que traz uma decisão que permite aos farmacêuticos manipular cosméticos sem necessidade de receituário médico. Essa sentença judicial põe fim à questionável exigência criada pela RDC 67/2007, a qual impunha às farmácias com manipulação a exigência da receita médica para a manipulação de medicamentos, cosméticos e outros manipulados.

O argumento do CRF-SP foi cristalino: há ilegalidade quando a RDC 67/2007 sobrepõe a Lei 5991/73 (com implicações também com a Lei 6360/76), que define que a exigência da prescrição médica se faz necessária apenas para medicamentos, conforme torna explícita a sentença proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3a Região: “Como se depreende de referida norma, exige-se receita apenas de medicamentos, mas não de correlatos ou mesmo especificamente de cosméticos”. A sentença reconhece que a RDC 67/2007, neste aspecto, cria uma nova regra jurídica, o que não pode ocorrer por meio de Resolução da Agência.

Como se, magicamente, fôssemos picados por uma aranha radioativa, os farmacêuticos podem manipular cosméticos sem receita, o que é um grande poder.

Centenas de pacientes poderão ter, a partir de agora, o apoio de um profissional qualificado para auxiliar na decisão da escolha do melhor cosmético para as suas necessidades específicas.

Mas, devemos também estar cientes das responsabilidades. A primeira delas é não extrapolar o conceito de cosmético, conforme definido na Lei 6360/76 (decorrente da definição de correlato da Lei 5991/73): produtos para uso externo, destinados à proteção ou ao embelezamento das diferentes partes do corpo.

No cotidiano da farmácia, nem sempre é fácil saber onde termina o cosmético e onde se inicia o medicamento. Por exemplo, um paciente com caspa solicita a orientação do farmacêutico para melhor cuidar de sua condição. Como o farmacêutico poderia diferenciar a caspa (que necessita de uma intervenção cosmética) da dermatite seborreica, que necessita de uma intervenção medicamentosa?

Neste caso, o farmacêutico deve munir-se de protocolos para melhor orientar o paciente na definição de sua condição patológica na escolha de um cosmético, o que nos leva à segunda responsabilidade: o conhecimento profundo da legislação sobre o que é permitido em cosméticos e o que não é.

Voltando ao paciente com caspa, esta pode ser tratada, por exemplo, com um shampoo com sulfeto de selênio. Neste caso, esta substância pode ser utilizada em concentrações que variam entre 0,5 a 2,5%. Para cosméticos, o limite máximo é de 1%, como dissulfeto de selênio. Ou seja, qualquer concentração acima deste limite desclassifica a indicação como sendo a de um cosmético de grau 2 (sem necessidade de prescrição) e a requalifica para uma indicação de um medicamento de venda livre, para a qual há necessidade de, no mínimo, uma ainda controversa prescrição farmacêutica ou, eventualmente, uma prescrição médica.

Sentiram o peso da responsabilidade? Mas, como nas histórias em quadrinhos, há sempre mais um terceiro vilão escondido: a questão da manipulação de cosméticos para “colocar na prateleira”.

É preciso entender que a isenção da necessidade de prescrição de manipulação de cosméticos não implica diretamente autorização para manipular estes cosméticos em série e disponibilizá-los em prateleiras para venda, o que, salvo melhor juízo, caracterizaria uma produção, levando as farmácias à necessidade de registro ou notificação, para a qual não estão legalmente habilitadas.

No meu entender, as farmácias devem atender às solicitações de cosméticos manipulados sempre com base em uma relação farmacêutico x paciente bem estabelecida e documentada.

Os mais jovens talvez não tenham vivido esta experiência, e os veteranos talvez não lembrem, mas, acreditem: quando eu comecei a trabalhar com manipulação, nós manipulávamos cosméticos sem qualquer tipo de restrição ou problemas sanitários. Atendíamos com critério todos os que nos procuravam e, quando necessário, sabíamos onde estava nosso limite, encaminhando o paciente ao médico.

Agora, nós, farmacêuticos paulistas, recebemos de volta um grande poder. Vamos usá-lo com responsabilidade para que, em breve, os farmacêuticos de todo o Brasil possam também exercer a profissão com plenitude.



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