Mercado

Tempos bicudos, ações assíntotas

Janeiro/Fevereiro 2009

Carlos Alberto Pacheco

colunistas@tecnopress-editora.com.br

Carlos Alberto Pacheco

Em janeiro recebemos com tristeza e espanto o anúncio de que o Estado havia cortado em 20% o orçamento previsto para a área de Ciência e Tecnologia. Péssimo presságio. A ação nos faz caminhar a passos largos em direção ao passado. Um passado marcado por problemas ambientais, de baixa taxa de produtividade, alto índice de desperdício de recursos tão escassos como tempo, matéria-prima, capital intelectual etc., além de nos caracterizar perante a comunidade internacional como sendo um país do terceiro mundo.

A ação tomada nos coloca na contramão da história contemporânea, como mostram as diretrizes de outros países que anunciaram a manutenção dos atuais níveis de investimentos na área para este ano, embora estejam na mesma página da crise financeira que o Brasil, como a China, Índia, Coréia do Sul, que, com exceção da primeira, são tão emergentes economicamente quanto o Brasil. Os Estados Unidos, consagrado por ser um gerador de tecnologia - matéria-prima fundamental para a busca de soluções em tempos bicudos - também não arrefeceu os investimentos.

Que lição se tira disto? Fica notório que países com tradição de elaboração de planos diretores de longo prazo não se intimidam com acidentes de percurso no cenário mundial. Entretanto dirigentes com miopia estratégica tomam ações assíntotas – que não coincidem - frente aos mesmos abalos.

A razão do corte encontra amparo frente à crise, o que implica uma necessidade real ou imaginária de caixa e conseqüentemente de priorização dos investimentos. Avalie as ações descritas a seguir e verifique se há alguma inconsistência com o enunciado anterior: aumento salarial da classe política; redução de salários da classe trabalhadora, seguido da redução da carga horária de trabalho; e nada de redução de alíquotas de ICMS ou de investimentos em infra-estrutura portuária e aeroviária. São fatos para se meditar.

Planos diretores são frutos de amplo estudo e discussão entre as partes envolvidas (governo, empresário e mercado). São temperados com forte dose de firmeza de caráter e constância de propósitos. Qualquer coisa diferente disto tende a escorrer para ações de curto prazo sem compromisso com sustentabilidade futura.

Ações isoladas, e até então ainda incipientes, como o incentivo ao empreendedorismo, acabam ficando órfãs quando separadas de uma política de investimentos em Ciência e Tecnologia, justamente em um momento da vida de um novo negócio onde há necessidade de inversão de capital a fundo perdido. Há algumas pérolas no meio do caminho como, por exemplo, o incentivo às áreas de biocombustível, porém o número de frentes carentes de investimentos dentro do atual cenário é gigantesco. A cada ano só faz aumentar o acúmulo de investimentos futuros, pois necessidades presentes não satisfeitas serão necessidades futuras urgentes, ou pior, oportunidades de negócios perdidas para sempre.

Vamos aos exemplos Constatou-se que o continente gelado teve um aquecimento de 0,6ºC nos últimos 50 anos. Perguntas: Estamos avaliando o impacto deste fato em nossos negócios presentes e futuros, como, por exemplo, nas lavouras do sul do país, nas atividades pesqueiras regionais, no impacto socioeconômico? Se sim, alternativas geradas pela pesquisa e desenvolvimento estão sendo geridas no sentido de contornar ou minimizar os efeitos negativos? Tal atitude apenas é possível com um pensamento de estadista de longo prazo, apolítico, gerido por profissionais, que ainda é um sonho a ser construído dentro da nossa madureza política.

Sempre corremos o risco de nos encantar com notícias isoladas que parecem desmentir o que dissemos acima, como, por exemplo, em novembro passado, quando se veiculou amplamente os últimos resultados do PNUD – índice da ONU que avalia o grau de desenvolvimento das nações membros. Neste último relatório, que espelha a situação de 2005, o Brasil figura entre os países com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de países de primeiro mundo, ou seja, igual ou superior a 0,800 numa escala que varia de 0 a 1,000. A nota do Brasil foi exato 0,800, ocupando a 70ª posição. Porém, vale lembrar que países do Leste Europeu, fortemente marcado por um histórico de guerras, com economia fechada, muito menos participativos do que o Brasil, como quatro das repúblicas da ex-Iugoslávia (Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina e Macedônia), bem como outros países dos Bálcãs, como Romênia, Bulgária e Albânia, pasmem, apresentam índices superiores ao nosso.

Nada contra os números mas, talvez, seja uma boa hora para sairmos de traz das mesas e andarmos mais nas ruas do Oiapoque ao Chuí para ter uma percepção da realidade que transcende os números tabelados em folhas desconectadas de um contexto.



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