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O dragão adormecido: um pesadelo há 30 anos

Novembro/Dezembro 2024

Carlos Alberto Pacheco

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Carlos Alberto Pacheco

Era dia de pagamento, e a ansiedade tomava conta das filas que se formavam em frente aos bancos. As pessoas corriam para sacar seus salários o quanto antes, cientes de que o dinheiro nas mãos valia mais do que o que estaria na conta no dia seguinte. A inflação, já fora de controle, atingia números estratosféricos. Para muitos brasileiros, esse cenário soa quase surreal. Afinal, se você tem menos de 30 anos, o termo “inflação galopante” talvez não signifique muito. No entanto, se um arrepio percorre sua espinha ao se lembrar da época, é porque provavelmente passou dos 44 anos – idade suficiente para ter sentido na pele os efeitos devastadores da hiperinflação que assolou o Brasil nos primeiros anos da década de 1990.

A inflação é um fenômeno econômico que, em níveis moderados, é considerado normal e até necessário para o crescimento saudável de uma economia. No entanto, quando descontrolada, ela se torna uma força destruidora.

Na virada para os anos 1990, o Brasil vivia um cenário de caos econômico. As décadas anteriores foram marcadas por políticas fiscais e monetárias mal calibradas e choques externos – como a alta dos preços do petróleo na década de 1970. No fim dos anos 1980, o país já enfrentava anos consecutivos de inflação alta, agravada pela incerteza política do período de redemocratização.

O Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que mede a variação dos preços de uma cesta básica de produtos, chegou a ultrapassar a marca de 2.500% ao ano em 1993. A título de comparação, hoje o Brasil lida com uma inflação em torno de 4%, e mesmo esse valor já é motivo de preocupação para o mercado e para as autoridades monetárias.

O impacto no dia a dia das pessoas era brutal. Com a perda acelerada do poder de compra, os brasileiros desenvolviam um comportamento que, para as gerações mais novas, pode parecer incomum: ao receberem seus salários, as pessoas corriam para o supermercado ou para o banco, tentando gastar ou trocar o di- nheiro antes que ele perdesse ainda mais valor. Praticamente não havia como economizar, e as distorções que surgiram no mercado financeiro criaram uma verdadeira economia de curto prazo, em que o futuro era constantemente colocado em segundo plano.

Os sucessivos governos da época tentaram, sem sucesso, lidar com o problema. Diversos planos econômicos foram implementados, como o Plano Cruzado (1986), o Plano Bresser (1987) e o Plano Verão (1989), que tentavam controlar a inflação congelando preços e salários, além de mudar a moeda corrente do país.

O auge da crise ocorreu durante o governo de Fernando Collor de Mello, quando, em 1990, foi implementado o Plano Collor, que, além de trocar a moeda pela quarta vez em menos de uma década, confiscou boa parte das economias da população como forma de tentar conter a hiperinflação. A confiança da população e do mercado financeiro foi profundamente abalada. A desigualdade aumentava, e a pobreza se aprofundava.

Foi só em 1994 que o Brasil conseguiu finalmente domar a inflação, com a implementação do Plano Real. O plano foi idealizado por uma equipe econômica liderada por Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, e envolveu uma série de reformas estruturais que buscavam atacar as raízes da inflação.

Ao contrário dos planos anteriores, o Plano Real não apenas trocou a moeda (do cruzeiro real para o real), mas também implementou uma série de medidas para estabilizar a economia. A nova moeda foi introduzida de forma gradual, e as políticas foram acompanhadas de um controle rigoroso da emissão de dinheiro, algo que tinha sido um dos principais problemas nas décadas anteriores.

Com o sucesso do Plano Real, o Brasil finalmente começou a experimentar uma era de relativa estabilidade econômica. A inflação, que antes chegava a dígitos astronômicos, foi reduzida a patamares controláveis. E o mais importante: as pessoas voltaram a confiar na moeda e a fazer planos de longo prazo.

Para as gerações mais jovens, que cresceram sob o regime de estabilidade proporcionado pelo Plano Real, a hiperinflação pode parecer algo distante, quase irreal. A ideia de ver os preços mudando de um dia para o outro, ou de não conseguir planejar o orçamento familiar, soa como algo que pertence a uma outra época. No entanto, o legado desse período está gravado na memória de muitos brasileiros que viveram o caos da época.

O “dragão da inflação” adormeceu, mas sua lembrança serve como um lembrete constante da importância de políticas econômicas responsáveis e da necessidade de vigilância constante sobre os fatores que podem desestabilizar a economia. A inflação, embora hoje sob controle, ainda é um tema central nas discussões econômicas, e qualquer sinal de que ela possa voltar a subir gera nervosismo no mercado e entre os consumidores.

A história da inflação no Brasil é uma história de erros, aprendizados e, finalmente, de redenção. E, embora o dragão esteja adormecido, a lição que fica é clara: nunca devemos subestimar seu poder de destruição.



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