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Como ainda não falar de guerra

Maio/Junho 2022

Carlos Alberto Pacheco

colunistas@tecnopress-editora.com.br

Carlos Alberto Pacheco

Relações Internacionais (RI): é sobre isso que a mídia fala desde o final de fevereiro, mes- mo sem percebermos que a todo momento é disso que estamos tratando. Termos fora do nosso vocabulário diário, como “pensamento realista”, atitude “liberal”, crimes de guerra, ajuda humanitária etc. foram rapidamente
“sentando” em nossas mesas sem pedir licença. Confesso que esse é um mundo obscuro ao meu cotidiano e acredito que ao da maioria das pessoas também. Não nos damos conta de que as RI estão nas sombras de muitas das nossas ações pessoais e profissio- nais. Porém, com os olhos mais atentos, podemos vê-las quando tiramos o visto de entrada para um país, compramos um produto importado ou, ainda, quando por motivos de sanções comerciais podemos ser impedidos de comprar um determinado item como fertilizantes ou gás.

Informações sobre instituições com a magnitude da ONU e seus departamentos, como o Conselho de Segurança (CSU) e a Assembleia Geral, passaram a fazer parte da pauta do dia. No entanto, qual o objetivo de cada um desses organismos interna- cionais? Até onde cada um deles pode ir em crises como a atual? Muitos com viés fortemente pragmático se perguntam por que esses atores não são efetivos no intuito de impedir o conflito armado. O que dizer da OTAN, outra organização internacional de peso? De fato, a quem serve? Quando e como os seus Estados membros são acionados? Por que, em algumas crises, os seus membros optam por intervenções militares, enquanto em outras apenas atuam com ações de ajuda humanitária? Escutou-se muito falar em Corte Internacional de Justiça (departamento da ONU com foco em análise de querelas entre Estados) e Tribunal Penal Internacional (instituição independente da ONU focada em jul- gar indivíduos criminosos de guerra). Como funcionam? Muitas perguntas, poucas respostas, mas é sobre isso que se concentra o multidisciplinar estudo das RI.

As relações internacionais entre Estados têm como objetivo estudar e propor um entendimento dos porquês e de que maneira os Estados se relacionam entre si, ou seja, de como funcionam o que chamam de sistema de Estados. Os teóricos da RI, ao estudarem esse sistema de Estados, tentam através de suas quatro teorias seminais explicar, apesar de não justificar, o emprego da força bruta de um Estado e seus aliados contra um ou outro Estado. A disciplina ajuda a entender como um Estado se justifica interna e externamente quando decide cometer ataques contra civis e gerar crises humanitárias de proporções inimagináveis em um outro Estado. As teorias também tentam lançar luz sobre as razões pelas quais alguns Estados preferem e conseguem usar do seu soft power (fontes de poder não militar que, no conjunto, podem garantir uma hegemonia sem o uso da força bruta) como forma de resolução de conflitos, enquanto outros nem consideram essa possibilidade.

Um ponto comum entre as quatro teorias atualmente consi- deradas pelos teóricos é o pressuposto de se a natureza humana é boa (defendida pelos liberais otimistas que pregam um mundo evoluindo em direção a uma paz permanente) ou má (base do realismo que defende a ideia de que o sistema de Estados é anárquico e sempre acabará em ações violentas, justificadas ou não, quando a ordem e a existência de um deles for ameaçada). Como nem tudo pode ser entendido completamente nos extremos, surgiram teorias intermediárias que pregam a manutenção da paz pela cooperação econômica entre os Estados. Aqui temos a teoria da sociedade internacional, que traz para as organizações transnacionais o protagonismo da manutenção da estabilidade na relação entre Estados, e a teoria da economia política interna- cional, que confia a manutenção da paz às mãos das instituições políticas/econômicas, ou seja, ao conjunto Estado/ser humano. Na outra ponta, digo, da discórdia entre elas é que se encontra uma das principais polêmicas entre as várias teorias das RI: a posição do ser humano em relação ao Estado. Os interesses do Estado estão acima dos direitos do ser humano em momentos de ameaça à ordem e existência daquele? A preservação da vida deve estar acima da preservação do Estado uma vez que o indivíduo surgiu no cenário humano antes da formação deste? Ou, ainda, até onde crises humanitárias, entenda-se, perdas de vidas humanas e im- pactos ambientais profundos, se justificam para a preservação do Estado? Não são perguntas fáceis de serem respondidas.

Infelizmente, a crise da Ucrânia não é a primeira nem será a última na história humana. Apenas nas duas décadas deste século XXI já vivemos e continuamos vivendo muitas crises (os ataques de 11 de setembro, a independência do Sudão do Sul, a invasão do Afeganistão, a guerra civil na Síria, o conflito interno do Iêmen, as atividades terroristas em volta do globo, a sinistra sombra do Estado Islâmico etc.). Sendo assim, conhecer um pouco do assunto passa a ser necessário para entender o mundo em que vivemos e projetar uma visão do amanhã sem sentimentos excessivamente pessimistas ou otimismos exagerados. Lembrando que o mundo em que vivemos nem sempre foi como é hoje e também não será como hoje se encontra, cabe a pergunta: para onde vamos e por qual caminho?



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