Mercado

O mundo em marcha à ré!

Março/Abril 2022

Carlos Alberto Pacheco

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Carlos Alberto Pacheco

Olha a geopolítica atrapalhando a banquinha de bolo de fubá da dona Maria Joana aqui da esquina. Na edição passada, por ocasião do fechamento do editorial, não havia uma sombra tão forte da guerra do outro lado do mundo sobre os nossos negócios. A luta de um Estado soberano pelo direito de escolha sobre suas políticas comerciais e econômicas tem afetado negativamente o atual sistema de Estados, e as consequências não poderiam deixar de ser percebidas por todos os cantos.

Há bastante tempo, vivemos em um mundo globalizado, o que não significa mais igualitário, extremamente interligado, principalmente no que diz respeito aos aspectos econômicos. Atualmente, é impossível não se deixar influenciar econo- micamente por qualquer evento com a magnitude da crise na Ucrânia. Mesmo que a guerra fosse interrompida agora, as sanções econômicas impostas aos russos e aliados deixarão marcas negativas na economia. As ondas de impacto sobre os demais Estados, fronteiriços ou não, serão tanto maiores quanto maior for o período da crise.

Com o forte envolvimento dos norte-americanos e dos países da comunidade europeia no conflito, as linhas de financiamento de investimento, a evasão de recursos de projetos acordados e a revisão de prioridades irão alterar velozmente as relações comerciais dessas grandes economias com o resto do mundo, mudando o cenário, o que pode fazer com que acordos anteriores de consumo de produtos e serviços possam naufragar.

Olhando para dentro, nos últimos cinco anos (2017/2021), a balança comercial entre Brasil e Rússia foi negativa na ordem de US$ 9,1 bilhões, ou seja, importamos mais do que exporta- mos. As exportações brasileiras para a Rússia representaram no período 0,8% do total; e as importações, 2% - o que indica uma dependência econômica pequena entre os dois Estados, mesmo levando em conta um possível calote. Do ponto de vista estraté- gico, já não se pode dizer o mesmo. O exemplo mais icônico é o impacto negativo no setor agropecuário fortemente dependente da Rússia e de Belarus (aliada e igualmente embargada) dos produtos classificados no capítulo 31 do sistema aduaneiro, de acordo com a tabela de NCM (Adubos e Fertilizantes). Atualmente, o Brasil importa 80% do total da demanda interna por adubos e fertilizantes, e 28,5% do volume da demanda é suprido por esses dois países. Olhando as exportações para a Rússia, os principais produtos são soja, carnes bovina, suína e avícolas, que representaram nesse período 47,7%. Em virtude de uma demanda positiva desses itens no mercado interna- cional, será fácil encontrar novos consumidores sem risco de perda nesse setor. Em particular, a exportação de cosméticos para a Rússia (NCM 3401,) no mesmo período, da ordem de US$ 388 mil, é inexpressiva no total de bens e serviços de exportação do Brasil (0,07%).

Todas essas incertezas externas, incluindo uma pandemia com risco de novas ondas de impacto, somadas às incertezas específicas de cada local farão com que a escalada de juros no país continue aumentando no sentido de conter a inflação. Nota: tanto a inflação como a taxa de juros interna já eram altas antes da instalação da crise, diferentemente de outros países que es- tão com a inflação e a taxa de juros baixas, portanto com maior margem de manobra para o uso desse artifício. Hoje a taxa de juros reais interna do Brasil (aquela já descontada a inflação) é a segunda maior do mundo considerando 40 países (Infinity Asset), perdendo apenas para a Rússia, que enfrenta no momento uma economia extremamente sancionada pelo mundo. Em ou- tras palavras, o impacto local de uma crise gerada a mais de 10 mil quilômetros não será pequeno. Não é necessário ter muita expertise para enxergar como essa configuração de inflação e juros altos irá impactar a redução das ofertas de emprego.

Os argumentos acima são colocados com o intuito de ressaltar que conceitos tidos como básicos, como a aparente estabilidade da ordem mundial, de fato são dos mais vazios, simples fumaça de uma realidade há muito evaporada. Um mundo com mais atores pleiteando o status de potência hege- mônica militar e econômica (sistema multipolar), parece trazer mais calor para as tensões internacionais do que luz para as relações de cooperação. Essa visão, em linha com uma teoria das relações internacionais chamada “realista”, parece estar mais evidente no cenário mundial a partir da dissolução da ex- -URSS e da ascensão chinesa do que o pensamento “liberal”, que preconiza a cooperação econômica entre Estados com o objetivo de conter os conflitos bélicos.

Eventos como o atual, à guisa de muitos outros, têm feito teóricos em relações internacionais se questionarem “se vale a pena sustentar e defender o (atual) sistema de Estados ou se deveríamos substituí-lo por outro sistema.” (Robert Jackson e Georg Sørensen, pg. 57).

Enquanto isso, não nos resta outra opção a não ser pagar mais caro pelo bolo de fubá da dona Maria Joana aqui da esquina.



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