Mercado

Não será um ano fácil

Janeiro/Fevereiro 2022

Carlos Alberto Pacheco

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Carlos Alberto Pacheco

Com o início do ano, chega a inevitável hora de alinharmos as expectativas em relação ao cenário que se descortina. Expectativa, conforme o dicionário Aurélio, é também sinônimo de promessa, e esse sinônimo em ano eleitoral chega a causar calafrios naqueles que sabem até onde a natureza humana pode ir no sentido de iludir, sempre em proveito próprio, aqueles menos calejados pelos vários planos econômicos já propostos no país. Por essa conjectura política, mais relevante no ano de 2022, é que a informação limpa, desvinculada de fontes tendenciosas, faz-se mais importante do que nunca na tomada de decisões, sejam elas pessoais ou profissionais.

Ao meu ver, o Banco Central, órgão independente do go- verno, produz uma excelente fonte de informação através do boletim “Focus – Relatório de Mercado”, divulgado semanal- mente às 8:30 h de todas as segundas-feiras, contendo o resumo das estatísticas calculadas considerando-se as expectativas de mercado coletadas nos 30 dias corridos até a data de referência do relatório – expectativa aqui assume o significado de proba- bilidade.

A vantagem do relatório é a indicação pontual da tendência das expectativas basilares, ou seja, independem da simples e às vezes ufanista virada anual do calendário e, portanto, corrige- -se semana a semana de acordo com a temperatura do cenário (incluindo os humores internacionais). Participam da formação do relatório cerca de 140 instituições financeiras, empresas não financeiras, consultorias, associações de classe, universidades etc., e, para tal, há a necessidade de comprovação de equipes especializadas em projeções macroeconômicas no quadro de colaboradores.

Um dos indicadores importantes avaliado por ele é a temida Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) expressa em percen- tual do PIB gerado (% PIB). Quanto maior o seu percentual em relação ao PIB, maior é o comprometimento do país com despesas já assumidas. Ter um percentual alto não significa necessariamente algo ruim - o mais importante é saber a quali- dade do endividamento. Supondo que o endividamento esteja alicerçado em algo extremamente rentável no médio prazo, não é algo apavorante (exemplo: imagine um endividamento em um Vale do Silício local, um parque industrial de biotecnologia de ponta ou uma infraestrutura para geração de energia limpa etc). Por outro lado, podemos dizer que temos um problema instalado se o endividamento estiver calcado em investimentos podres ou majoritariamente em ações assistencialistas. O referido boletim informa que a expectativa da DLSP brasileira para 2022 é de 62,50%/PIB, e 71,45% em 2025. Essa expectativa vem com viés de aumento há quatro semanas seguidas.

Somando ao fato acima, o aumento de infecções pela varian- te ômicron e o crescimento negativo do PIB em -0,96%, podere- mos dizer que 2022 não será um ano fácil. Junte nesse caldeirão de indicadores o endurecimento da política monetária americana de aumento de juros, que alavanca a fuga de capital estrangeiro de países satélites. Essa ação, já em andamento, impactará ainda mais os países emergentes, o que inclui os nossos cambaleantes parceiros do Brics que já deram sinais, como o Brasil, do aumen- to dos juros internos como medida de combate à inflação – nota: aumento de juros prejudica a recuperação industrial e aumenta o desemprego. Desse grupo só a China se salva.

A ausência de um plano nacional de recuperação macroe- conômico nos deixa extremamente vulneráveis frente a outras variáveis negativas ainda não percebidas, como conflitos béli- cos no cenário internacional, adequações às novas tecnologias como o 5G, ou problemas hídricos em um país movido à base de energia hidroelétrica.

Enquanto isso, a desigualdade social vai avançando a pas- sos maiores do que os pequenos sucessos ganhos em décadas passadas. De acordo com a Oxfam, durante a pandemia (março de 2020 a novembro de 2021), a renda de 99% da população mundial caiu, enquanto os 10 homens mais ricos tiveram um aumento em 2,1 vezes (mais do que dobrou), tendo riqueza estimada atualmente em US$ 1,5 trilhão (algo em torno de R$ 8,3 trilhões). O WEF aponta como forte fator de risco, com alta probabilidade de desestruturação da sociedade mundial, a inflexão da tendência de concentração de renda. Esse risco pode levar a humanidade a vários conflitos civis e internacionais, algo como uma Revolução Francesa simultânea em escala global. Está muito evidente: há algo de errado nisso tudo.

Obviamente, vamos alimentar a expectativa – aqui com o sentido de desejo – de que as coisas caminhem num sentido oposto ao anteriormente descrito, mas, caso aquele projeto de lançamento de um novo protetor solar ou analgésico não atinja o sucesso esperado, tenha em conta a conjuntura nefasta que ainda nos faz sombra.



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Parabéns pela tua visão e pelo texto simples e objetivo de escrever. No contexto geral, tá difícil demais manobrar a política monetária nacional com esse monte de variável (pandemia, guerra etc) e pensar numa recuperação econômica ainda esse ano. Acredito que nesse ano teremos somente forças pra combater a inflação; e só!

por Carlos Aguiar 02/03/2022 - 22:16

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