Fragrâncias

Fragrâncias no mundo de amanhã

Julho/Agosto 2021

Olivier Fabre

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Olivier Fabre

Em primeiro lugar, vou relatar um evento que me aconteceu bem no começo da epidemia de covid, por volta do dia 15 de março de 2020.

Aquele era o momento no qual a polêmica do uso da máscara estava no auge. Aliás, essa polêmica ainda continua no auge, mas isso é outra história.

Eu já tinha começado meu autoconfinamento, mas precisei sair de casa para fazer um deslocamento indispensável e me esqueci de colocar a máscara. Pouco depois de sair de casa, cruzei com uma senhora que estava bem perfumada. Foi nesse momento que me lembrei da máscara, mas, sobretudo, pensei: “Se as moléculas da fragrância conseguem chegar até o meu nariz, o mesmo aconteceria com o infame vírus, que, além de ser letal, pode provocar anosmia por um tempo? E será que essa senhora, além de usar um bom perfume, está contaminada?”

Voltei para casa, coloquei a máscara e, para mim, a polêmica sobre a máscara estava definitivamente encerrada.

Na história da perfumaria é reconhecido que epidemias influíram nas tendências das preferências olfativas. Na coluna anterior, referi-me à água de colônia da rainha da Hungria. No século XIV, o perfume já era usado para enfrentar uma epidemia. “A peste bubônica foi combatida por um certo número de perfumes, entre os quais a água da rainha da Hungria, que surge em 1370, à base de alecrim, manjericão, notas agrestes que têm virtudes purificadoras”, explica Élisabeth de Feydeau no livro Les parfums (Ed. Robert Lafont, 2011). “O perfumista foi antes de tudo o exterminador de miasmas durante séculos. Portanto, acho que o perfume ainda tem um papel a desempenhar hoje em relação à epidemia”, lembra a historiadora.

Isso também aconteceu nos anos 1990 na epidemia de Aids. Naquela década, ocorreu uma mudança nas notas dos perfumes em relação às dos anos 1980, época na qual a humanidade ficou ciente da existência do vírus da Aids. Os perfumistas repensaram a criação de perfumes. “Os anos 1980 foram anos de extrema opulência do ponto de vista do perfume, com muita potência e personalidade, e sobretudo sensualidade, como Poison de Christian Dior, Giorgio de Beverly Hills, fragrância tão potente e invasiva que chegou a ser “proibida” em certos restaurantes. Já nos anos 1990, pelo contrário, as fragrâncias eram mais “recatadas,” com notas frescas, aéreas, limpas, frias, quase higiênicas, sem opulência nem sensualidade. Foi o auge das notas marinhas, como New West, de Aramis “a epidemia de Aids ancora as necessidades dos consumidores em algo muito mais voltado para o frescor e o desejo de pureza,” cita Eugénie Briot, historiadora da perfumaria e responsável pelos programas da escola de perfumaria da Givaudan. Em 1994, Calvin Klein lançou o perfume CK One, para atender as aspirações de novos clientes. Essa é uma colônia simples, fresca, hesperídica, floral, musky e de alguma forma uma modernização da água de colônia do século XVII – o século do higienismo.

Levando em conta a relação entre as tendências olfativas e as grandes epidemias, o que vai acontecer no “mundo de amanhã” das fragrâncias? No que se refere às tendências olfativas, na minha opinião, as tendências das notas gourmand, gourmand-frutal, frutal- gourmand, das notas “oud” e das notas âmbar do segmento masculino vão pouco a pouco dar lugar às notas florais. Mas este será um floral novo, e, paradoxalmente, vai haver um retorno às notas florais mais perto da natureza, o que será obtido pelo “sincretismo” entre técnicas ancestrais, como a “enfleurage,” e as sofisticadas tecnologias de criação de novas moléculas.

Do ponto de vista do mercado, a crise causada pela covid foi um acelerador fantástico do segmento da perfumaria “niche.” O mundo pós-covid vai ter que contar com esse novo segmento de mercado, o qual vai levar a outro efeito: ao fim dos gêneros de perfumes. Pouco a pouco, vão desaparecer a perfumaria feminina e a masculina e haverá o nascimento da perfumaria, simplesmente da PERFUMARIA!



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