Mercado

O mais desigual entre os desiguais

Março/Abril 2021

Carlos Alberto Pacheco

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Carlos Alberto Pacheco

Pois é assim que o país é conhecido entre os economistas e sociólogos que estudam o fenômeno da desigualdade social. “Em 2019, o Brasil era o segundo país mais desigual em distribuição de renda do mundo, onde 1% da população (cerca de 2,1 milhões de brasileiros) concentrava 28,3% da renda, perdendo apenas para o Catar quando considerados apenas os países com IDH alto e muito alto” (PNUD - Human Development Report 2020, Tabela 3 - Inequality-adjusted Human Development Index).

A desigualdade social pode ser observada através de várias dimensões sociais, como a desigualdade de gênero, raça, educação, faixa etária, região, grau de estudo, mobilidade social, étnico/ religiosa e outros. Porém, sem dúvida, a dimensão “renda” é o eixo mais importante na vida social de um indivíduo. É por meio dela que ele ganha autonomia econômica e realização individual. Dessa forma, sendo a renda a parte central da organização social, tudo o que vier a afetá-la consequentemente afetará as demais dimensões. O desequilíbrio na renda de um indivíduo reproduz, cria e reforça injustiças e desigualdades em outras áreas da sociedade.

A ciência econômica define a desigualdade social como a “diferença econômica que existe entre determinados grupos de pessoas dentro de uma mesma sociedade” e, por isso, tem como objetivo estudar a justiça distributiva (repartição dos resultados do esforço social de produção) entre uma das quatro questões chaves de sua disciplina.

O Brasil tem se saído muito mal nessa questão. Façamos uma pequena radiografi a do desempenho da atual repartição dos resultados através de alguns cortes estatísticos disponibilizados pelo IBGE.

Entre 2018/2019, a pobreza medida pela linha de US$ 5.50 por dia (paridade do poder de compra) caiu de 25,3% para 24,7% das pessoas, porém essa redução é insignificante na vida prática dessa população. Considerando o dólar médio em 2019 de R$ 3,89, o dado anterior traduz que quase um quarto da população do país, algo em torno de 52 milhões de pessoas, teve a renda mensal de R$ 642,00 por família (nota: apenas como referência, no mesmo ano o preço de um botijão de gás de cozinha, em São Paulo, era algo entre R$ 80,00 e R$ 85,00). Dentro dessa parte da população, 38,1% eram mulheres pretas/pardas e 35,5% homens pretos/pardos (em outras palavras, 73,6% eram considerados pretos/pardos). O estudo mostra que 9,8% dessa parcela têm como arranjo familiar mulheres pretas/ pardas sem cônjuge e com fi lho(s) até 14 anos, o que dificulta a entrada e a permanência no mercado de trabalho. Outro dado assustador apontado pelo relatório é o fato de que 25,7% dos que estão abaixo da linha de pobreza se encontram no mercado de trabalho, o que indica ocupações de baixíssima remuneração – impedimento para ascensão social.

Quando olhamos para a dimensão “renda”, evidencia-se que os declarados brancos ganham em média 69,3% mais do que os pretos/ pardos, considerando o valor pago por hora. Essa diferença aumenta com a faixa de idade, sendo 111,9% para os que estão acima de 60 anos. Enquanto a população preta/parda se concentra nos setores agropecuários, na construção e nos serviços domésticos – atividades de rendimento inferior à média –, os brancos se encontram nos serviços de informação, mercado fi nanceiro e administração pública, que apresentam rendimentos médios acima da média, mostrando uma diferença de raça nas oportunidades do mercado de trabalho.

Independentemente da linha de pobreza, considerando o total da população, os homens brancos, em termos de rendimento médio real do trabalho principal habitualmente recebido por mês pelas pessoas de 14 anos ou mais, ocupadas na semana de referência, ganham em média 29,6% mais que as mulheres. Estratifi cando por raça, os brancos ganham em média 73,4% mais que os pretos/ pardos. Mesmo as mulheres, quando divididas por raça, apresentam diferenças salariais signifi cativas a favor da raça branca: as brancas ganham 69,8% mais que as pretas/pardas.

Analisando a dimensão “educação”, entre os jovens de 15 a 29 anos de idade, 22,1% não estudavam e não estavam ocupados em 2019. Os estados do Nordeste são os mais preocupantes, pois mais de um quarto dos jovens de 15 a 29 anos não estudavam nem estavam ocupados.

Olhando por qualquer corte que se faça, a desigualdade sempre está presente e no sentido desfavorável para os menos abastados, pretos, mulheres, pessoas com baixa escolaridade, mais idosas e moradoras das regiões Norte e Nordeste.

Até aqui nada de novo. Esse é um retrato que se desenha ao longo de nossa história, pois dois elementos fundamentais para a diminuição da desigualdade social (note: não a eliminação) não foram alterados na atual sociedade: a erradicação da alta corrupção, que consome os recursos destinados aos desafortunados, e a tão sonhada reforma fiscal, que deve contemplar uma desoneração tanto das classes D e E, como da formação de preços de produtos e serviços para o setor produtivo. Porém, como ainda não se vê nada efetivo nesse sentido, o início dessa terceira década deverá repetir a fotografi a das duas primeiras: um contingente de pessoas proporcional à população inteira de países lutando para sair da linha de pobreza.



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