Tricologia

O cabelo usado como diagnóstico

Julho/Agosto 2020

Valcinir Bedin

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Valcinir Bedin

Os cabelos podem ser usados como agentes de diagnóstico e de objetos de estudo para confi rmação da presença de drogas ou outros metabólitos no corpo. O uso de uma droga para modificar o comportamento de uma pessoa para obter ganhos criminais não é um fenômeno recente. No entanto, o recente aumento de denúncias de crimes facilitados por drogas (agressão sexual, roubo) causa alarmismo no público em geral.

Os medicamentos envolvidos podem ser produtos farmacêuticos, como benzodiazepínicos (flunitrazepam, lorazepam, etc.), hipnóticos (zopiclona, z olpidem), sedativos (neurolépticos, alguns anti-H1) ou anestésicos (gama-hidroxibutirato, cetamina), drogas de abuso, tais como canabis, ecstasy ou LSD, ou, mais frequentemente, o etanol.

Para realizar exames toxicológicos bem-sucedidos, o analista deve seguir algumas regras importantes: obter o mais rápido possível as amostras biológicas correspondentes (sangue e urina); coletar cabelos cerca de 1 mês após o evento alegado; usar técnicas analíticas sofi sticadas (cromatografi a gasosa ou líquida acoplada à espectrometria de massa em tandem - MS/ MS, cromatografia gasosa no espaço livre); e tomar cuidado na interpretação dos resultados.

Desde a coleta do material até o seu processamento final, qualquer deslize pode levar a um resultado falso positivo ou falso negativo.

Para se obter um resultado confiável, é necessário que se tome alguns cuidados com cada etapa do processo.

- Amostras de cabelo: medicamentos, metabólitos e/ou produtos de decomposição podem surgir não apenas da administração deliberada do medicamento, mas também por deposição de uma atmosfera contaminada se o(s) medicamento(s) foram fumados ou vaporizados em uma área confinada, transferidos de superfícies contaminadas por alimentos/dedos, etc., e transferida do suor e de outras secreções após uma única exposição grande, que pode incluir anestesia. A excreção no suor de analitos endógenos, como o ácido γ-hidroxibutírico, é um fator de controvérsias em potencial se seu uso for investigado.

Procedimentos cosméticos, como branqueamento ou tratamento térmico dos cabelos, podem remover os analitos antes da coleta das amostras. A cor e a textura do cabelo, a área da cabeça da qual a amostra é retirada, a taxa de crescimento dos cabelos e como a amostra foi armazenada também podem afetar a interpretação dos resultados.

- Análise toxicológica: os resultados do imunoensaio por si só não fornecem evidências confiáveis
sobre as quais se deva basear as decisões judiciais, quando este for o caso. Cromatografi a gasosa ou líquida com detecção espectrométrica de massa (GC- ou LC-MS), se usada com o devido cuidado, pode fornecer identifi cação precisa do analito e com alta sensibilidade, mas muitos problemas permanecem. Em primeiro lugar, não é possível preparar padrões de ensaio ou material de controle de qualidade, exceto mergulhando o cabelo “em branco” em soluções de analitos apropriados, secando e depois submetendo o material seco a uma análise. O fato de que os solventes podem ser usados para adicionar analitos aos cabelos indica que os analitos podem chegar não apenas, mas também nos cabelos, de fontes exógenas. Uma gama de procedimentos de lavagem com solvente tem sido defendida para “descontaminar” o cabelo removendo os analitos adsorvidos, mas eles correm o risco de transportar analitos adsorvidos para a medula do cabelo, confundindo todo o procedimento. Isso é especialmente verdadeiro se a análise segmentar estiver sendo realizada para fornecer um “curso temporal” da exposição ao medicamento.

- Aplicações clínicas propostas para análise de cabelos: houve vários relatos em que drogas aparentemente administradas durante a perpetração de um crime foram detectadas nos cabelos.

No entanto, a avaliação detalhada desses relatórios é difícil sem a compreensão total dos possíveis efeitos de qualquer procedimento de “descontaminação” usado e de outras variáveis, como cor do cabelo ou tratamento cosmético do cabelo. Da mesma forma, em casos de custódia de criança e nos quais o objetivo é demonstrar abstinência ao uso de drogas ou álcool, os problemas de possíveis fontes exógenas de analito e as grandes variações nas concentrações de analitos relatadas em usuários conhecidos continuam confundindo a interpretação dos resultados em casos individuais. A interpretação dos resultados da análise dos cabelos deve levar em conta todas as evidências circunstanciais e outras disponíveis, especialmente no que diz respeito à metodologia empregada e à possibilidade de contaminação da superfície dos cabelos antes da coleta.

Para minimizar estes efeitos, há quem advogue que os fios deveriam ser retirados de áreas menos propícias à contaminação externa como os pelos pubianos.

Mas, independentemente do método, o mais importante é que não deixemos nunca de lado o bom senso.



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