Fragrâncias

Memórias de um avaliador de fragrâncias

Março/Abril 2020

Olivier Fabre

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Olivier Fabre

Na edição anterior da Cosmetics & Toiletries Brasil, contei a curta história do metiê de avaliador em fragrâncias. Hoje, vou relatar algumas lembranças após exercer esse metiê durante quase 40 anos.

Primeiro, farei algumas considerações de ordem geral. Uma pergunta recorrente é a seguinte: “Será que existem fragrâncias globais que sejam as mesmas para produtos vendidos em diferentes mercados do mundo, que é o sonho de muitas empresas multinacionais?”. A resposta é um rotundo “não”! Há diferentes razões para isso. Citarei duas delas. Culturais: uma fragrância apreciada em um país ou região não necessariamente será apreciada em outro país ou outra região. Geográficas: nos diferentes lugares do mundo, as bases dos shampoos, condicionadores, sabonetes, cremes etc. podem variar olfativamente e a fragrância vai precisar ser adaptada para chegar ao mesmo cheiro e à mesma performance do produto original. Estas são as duas razões principais.

O exemplo mais conhecido é a fragrância do sabonete Dove. Nos Estados Unidos, esse sabonete é perfumado com uma fragrância rosa powdery, enquanto na Europa é perfumado com uma fragrância floral verde amadeirada. Quando a Unilever quis lançar o sabonete Dove na Europa, ele foi testado com a fragrância norte-americana. Teve rejeição clara. Então a Unilever abriu um briefi ng para a criação de uma fragrância europeia para o sabonete Dove. No Brasil, o sabonete Dove está sendo perfumado com uma variante da fragrância europeia adaptada para a base brasileira. Portanto, são 3 regiões, 3 fragrâncias.

Outra pergunta comum é: “Será que se pode desenvolver uma fragrância com ingredientes 100% naturais?” Nesse caso, a resposta é “sim”. Porém, devem ser levados em conta outros aspectos importantes relacionados ao desenvolvimento dessa fragrância: a fragrância vai ser muito cara e poderá variar olfativamente. O custo de um lote de produção para outro também poderá variar. E a paleta olfativa disponível para o perfumista é restrita.

Finalmente, a fragrância pode carecer de sofi sticação e delicadeza, pois os ingredientes naturais geralmente estão em estado bruto e têm odor muito potente. Das várias dezenas de briefi ngs que recebi para desenvolver uma fragrância com ingredientes 100% naturais, apenas um produto chegou a ser lançado no mercado, pelo que me lembro! Porém, com o rápido desenvolvimento atual da perfumaria de nicho, vemos cada vez mais produtos reivindicando fragrâncias com ingredientes 100% naturais. Essa é uma interessante evolução da perfumaria.

Durante minha vida profi ssional, recebi muitos briefings. Um deles me deixou perplexo: eram três páginas escritas por um famoso costureiro italiano, nas quais ele descrevia a mulher ideal (“Como se isso existisse”, comenta minha esposa). Baseando-se nesse briefi ng, o perfumista tinha que criar a fragrância do próximo lançamento feminino desse costureiro.

Outro briefing me revoltou. Ele foi mandado por um dono de uma mina de ouro da África do Sul. Seu pedido era que o perfumista desenvolvesse uma fragrância que cobrisse o cheiro de cadáver em decomposição. Não preciso aclarar que não aceitei trabalhar para esse cliente.

Outro briefing me fez rir: seu objetivo era que o perfumista desenvolvesse uma fragrância para sabonete, mas esta não podia ter cheiro nem deixar cheiro na pele. O mundo de cabeça para baixo! A fragrância era para o sabonete de uma franquia de motéis de um país da América Central.

O briefing é o instrumento mais importante da relação da fábrica de produtos com a casa de perfumaria, no que se refere ao desenvolvimento de uma fragrância. Portanto, o briefing tem que ser o mais objetivo e preciso possível e ter as informações mais pertinentes possíveis. Na próxima edição vou abordar esse importante tema.



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