Toxicologia

Pertinência toxicológica

Julho/Agosto 2011

Dermeval de Carvalho

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Dermeval de Carvalho

Em ciência, pouco se sabe do muito que se conhece. Porém, quando nada se sabe, muita coisa precisa ser conhecida. A partir desse pensamento, escolho como ícone para a discussão as tinturas capilares, que já eram usadas pelos egípcios e cuja história caminha ao lado da história dos cosméticos. Embora os percentuais de uso sejam díspares entre si, acredita-se que 50% das mulheres continuem fiéis aos costumes desta velha tradição: pintar os cabelos. A henna ainda é usada com bastante frequência e, certamente, sob frequentes sinais de alerta em relação à segurança. Não está comprovado que a henna faz mal à saúde mas, como tintura capilar, ela não está sozinha nessa parada.

Em 1869, o cientista Herman Beigel manifestou, pela primeira vez, sua preocupação com o uso das tinturas capilares, afirmando: “Uma boa tintura para os cabelos pode provocar danos à saúde humana” (Beigel, H. The human Hair, Piper-London, 1869).

Cem anos mais tarde, algumas substâncias químicas foram descritas e rotuladas como tinturas capilares oxidativas: os derivados orto e para diaminos, os hidroxilados benzênicos, os análogos e derivados do “coal-tar”. Essas substâncias somente se tornavam eficazes, como tinturas oxidativas, quando associadas a outros reagentes. (Sagarin E, Cosmetic Science and Technology, Interscience Publisher, New York).

Esse inusitado acontecimento agitou a comunidade científica na busca de ensaios que pudessem garantir a segurança dos usuários. O campo de trabalho estava aberto a todos.

Provavelmente, um dos primeiros, o teste para a avaliação da mutagênese, foi desenvolvido no ano de 1975 por Ames e colaboradores, utilizando Salmonella typhimurium. Aplicado a 18 aminas usadas como tinturas capilares, o teste teve resultado surpreendente: 10 delas mostraram ter mutagenicidade. (Hair dyes are mutagenic: Proc Natl, Acad Sci USA 72:2423-2427, 1975).

Trabalho desenvolvido em 1981 avaliou a relação entre incidência de câncer/tinturas capilares entre grupos ocupacionais. Os autores concluíram que apenas um caso mereceu atenção, embora os danos pudessem estar associados a outros fatores. (Regulatory Toxicology and Pharmacology 1:338-1981).

O Cosmetic Ingredient Review (CIR) avaliou, no período de 2003 a 2006, a exposição de usuários a tinturas capilares. Foi observada pequena evidência de eventos adversos, referidos nos estudos epidemiológicos avaliados. Entretanto, segundo o CIR, deve ser levado em conta que tinturas capilares apresentam estruturas moleculares diversas e, consequentemente, a relação estrutura/atividade tem forte peso para a tomada de decisão (www.cir safety.org).

Deixando de lado o foco (o usuário) e avaliando os efeitos adversos em situação de exposição ocupacional, os autores concluíram que cabeleireiros e barbeiros que trabalharam por 10 ou mais anos nessas atividades, estatisticamente, tinham maior risco de contrair câncer na bexiga, quando comparados a indivíduos não expostos. (Gago-Domingues e cols, Int.J.Cancer 91:575-579, 2001).

Recente trabalho de revisão avaliou os seguintes dados: aspectos regulatórios, classificação química, toxicidade aguda, intoxicações acidentais, alerginicidade, genotoxicidade, carcinogenicidade, exposição em humanos, estudos in vitro, in vivo, parâmetros farmacocinéticos e toxicologia da reprodução. Com base na análise das publicações consultadas, os autores afirmaram que o peso das evidências sugere que a saúde dos usuários ou profissionais expostos a tinturas capilares não está sujeita a danos. (Nohyneck e cols, Food and Chemical Toxicology 42:517-543, 2004).

Na mesma linha de investigação, pesquisadores vêm discutindo a relação entre o câncer de bexiga e a exposição às tinturas capilares. Entretanto, as conclusões não têm se mostrado consistentes. O delineamento de novas pesquisas não pode cair no esquecimento, assim como os órgãos regulatórios devem ser parceiros para a tomada de decisões do setor produtivo. (Clinical Review in Toxicology, 37:521-536, 2007 e European Journal of Cancer 42:1448-1454,2006).

No que se refere à diversidade científica e considerando o cabelo como amostra alternativa para fins analíticos, surge a pergunta: A tintura pode ser um elemento complicador? Para ressaltar a importância do conhecimento científico, vale ressaltar que, no período de 1945 a 2011, a PubMed, utilizando a palavra-chave ”hair-dyes and toxicity”, divulgou 300 publicações pertinentes: 227 textos completos e 43 trabalhos de revisão.

Concordâncias e controvérsias científicas fazem parte desse pano de fundo. O credenciamento do toxicologista, a exemplo do que vem acontecendo lá fora, pode ser benéfico ao Brasil (Toxicology Letters, 168:192-1990), dada a carência de recursos humanos para esta área do saber: segurança de ingredientes cosméticos.



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