Manipulação Cosmética

No futuro, um dia...

Maio/Junho 2011

Luis Antonio Paludetti

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Luis Antonio Paludetti

Através do anteparo transparente, o farmacêutico contemplava sua farmácia, uma das poucas que ainda praticava a manipulação de medicamentos. Aos 110 anos de idade, ele jamais imaginara que pudesse estar ainda na ativa. Graças aos avanços da medicina, da nutrição, da cosmecêutica e das ciências farmacêuticas, ele superou, em muito, o limite dos 70 anos de vida.

Com a costumeira suavidade, sua assistente entrou em sua sala. O farmacêutico lembrou-se do dia em que ela, ainda bastante jovem, entrara da mesma maneira em sua sala para o exame de seleção de estagiária. Agora, uma mulher de meia idade, com 65 anos, ela ainda tem o mesmo sorriso e a mesma simplicidade de quando era jovem.

- Mestre! – exclamou a farmacêutica – tenho algo especial para você.

Ela ainda insistia em chamá-lo de mestre, embora seus conhecimentos já fossem iguais aos dele.

- Pois não Farminha, como sempre, estou ao seu dispor.

Depois de tantos anos de convivência com o farmacêutico, ela já havia se conformado. Apesar de a farmacêutica ter vários títulos, ele continuava a chamá-la no mesmo tom e pelo mesmo apelido carinhosos.

- Acho que você vai gostar desta aqui – ela disse, ao mesmo tempo que agitava uma prescrição em uma das mãos.

- Interessante. É realmente das antigas... CRM 55.299. O doutor deve ter a minha idade ou mais. Além disso, a prescrição está em papel, escrita à mão e com caneta! – respondeu ele.

Por um instante, ele contemplou a prescrição, mais parecida com uma relíquia arqueológica. Lembrou-se de que, quando era jovem, sempre aviava prescrições como aquela.

- Vamos lá, Farminha. Ao laboratório!

Ambos caminharam alguns passos para a câmara de paramento e descontaminação. Nela permaneceram por alguns minutos, enquanto as radiações e frequências ultrassônicas específicas faziam a descontaminação.

Ao entrar no laboratório, com a mesma vivacidade que tinha quando manipulou sua primeira prescrição, o farmacêutico solicitou ao computador, com um comando de voz, que separasse as matérias-primas necessárias.

Nesta época, a maioria das prescrições era aviada por máquinas. Pequenas impressoras inkjet misturavam corretamente soluções contendo os fármacos, incorporando-as a bases cremosas, líquidas, adesivos, injeções, cápsulas ou pastilhas adocicadas.

Nascido antes destas inovações, ele sempre se perguntava como era possível o médico prescrever eletronicamente, baseado no genoma do paciente, e, utilizando a rede mundial, encaminhar a prescrição à farmácia escolhida pelo paciente.

Depois que essas tecnologias foram implantadas, os prescritores praticamente desistiram de prescrever manipulados, e as farmácias magistrais praticamente desapareceram. Os antigos médicos que sabiam prescrever manipulados se foram e a geração de novos médicos foi influenciada diretamente pelas novas tecnologias e não foi ensinada a estes a arte de prescrever. Tudo era genômico, tecnológico, preciso e efetivo, mas, ainda assim, impessoal.

Aquela prescrição era diferente e requeria uma intervenção pessoal. Apesar de ainda ser muito eficaz, esta prescrição não estava programada na máquina e precisava ser manipulada segundo a arte.

A assistente do farmacêutico já havia separado o almofariz e o pistilo de new glass, um vidro sintético totalmente inerte, inquebrável e muito mais resistente que o aço.

Com as matérias-primas e bases já precisamente pesadas pelo computador, o farmacêutico precisamente adicionou os materiais ao almofariz e os incorporou à base, com a mesma prática de anos atrás. Era como andar de bicicleta: uma vez aprendida e incorporada, a arte de manipular não podia ser esquecida.

Após acondicionar o produto, sua assistente tomou o frasco em suas mãos. Ela expôs o produto ao espectrômetro multifrequencial e verificou a concentração de ativos automaticamente. Como tudo estava correto, rotulou o frasco e sorriu para seu mestre, dirigindo-se à recepção para entregar o medicamento ao cliente.

O farmacêutico, cheio de felicidade, sentou-se na banqueta, fechou os olhos, suspirou e, por um instante, foi levado novamente ao reino dos sonhos.

- Mestre, mestre! Precisamos de você no laboratório.

Ele acordou assustado. Olhou para a jovem assistente, que lhe observava com aquele sorriso de “acordei você de novo”.

- O que foi Farminha?

- Estamos com uma formulação difícil e precisamos de você. Vá se paramentar, pois estou esperando você na cabine de manipulação de hormônios.

- É “pra já” – disse o farmacêutico à assistente.

Enquanto se paramentavam na antecâmara pressurizada, ele comentou com a assistente:

- Lembre-me de iniciarmos o quanto antes um programa de educação médica em prescrição de medicamentos manipulados.

- Por quê? – perguntou a assistente.

O mestre levantou os olhos e, com a certeza confiante de quem antevê o futuro, respondeu:

- Porque um dia isso fará toda a diferença.



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