Mercado

Ascensão social e novos hábitos de consumo

Março/Abril 2011

Carlos Alberto Pacheco

colunistas@tecnopress-editora.com.br

Carlos Alberto Pacheco

Muito se fala sobre o aumento do poder aquisitivo do brasileiro. Muito bem, isso é fato! Apesar de não ser nada tão alarmante como se propagandeia na mídia incentivadora do consumo, o fato é que essa é uma tendência atual e que deve estender-se pelos próximos cinco anos. Juntam-se a esse cenário os novos desejos de consumo. Realizar antigos planos de consumo já não é mais “um sonho”: só é preciso tirá-los da gaveta. Como? Financiamento! Essa palavra merece cuidado, ao ser pronunciada, pois é uma palavra mágica que, ao ser usada pelos “aprendizes de feiticeiro”, pode levar a consequências ruins. Qual é a mecânica e o perfil dos novos tomadores de empréstimos?

A ascensão social muda os hábitos de consumo de todas as classes sociais. Independentemente dos grupos sociais, os consumidores podem ser agrupados em três grandes blocos no que se refere ao tipo de desejo de consumo.

Há “os que querem ter mais” – nesse caso, a ideia é melhorar o que já foi adquirido. Por exemplo: se, atualmente, esse consumidor possui uma geladeira de porta única, ele quer trocá-la por outra que tenha o congelador separado do restante da geladeira. Caso já o tenha, ele almeja uma geladeira dúplex. Essas pessoas também almejam incorporar o que ainda não têm ao seu patrimônio. Por exemplo: querem ter mais uma televisão para as crianças, ter o primeiro carro, ou, no caso dos que já estão na classe A, ter a primeira lancha ou um jet ski.

Consumidores do grupo “os que querem saber mais” querem ser incluídos no mundo culto. Investem em educação, no acesso à internet de alta velocidade, em TV a cabo, em curso de idiomas etc. Para os da classe A, os alvos são viagens ao exterior durante períodos prolongados, atrelados, por exemplo, a cursos e ao ecoturismo internacional. Aqui o interesse é mais individual, pois pode atender tanto aos dependentes como ao responsável pela renda.

Já o grupo “os que querem experimentar mais” almeja, por exemplo, a primeira viagem de avião, as primeiras férias hospedando-se em hotéis e frequentar novos restaurantes. E, para os que ainda estão na base da pirâmide social, é almejada a inclusão de novos itens, que vão além da cesta básica.

Qual é a nova cara das classes sociais? A tendência da classe A é ter uma renda igual ou superior a R$ 10.000,00, priorizar os serviços de primeira linha, ser imediatista na aquisição de aparelhos eletrônicos de novas tecnologias e de marcas de luxo, estudar no exterior e usar o financiamento para o consumo de bens de alto valor.

A classe B, com renda menor, almeja estudar no exterior, pois esse já é um sonho que cabe no orçamento. O crédito permite a compra de alguns itens da classe A, porém não todos, e, como os desejos são infinitos, a ordem é priorizar. Se for realizada a compra de um produto de uso pessoal de luxo, o aparelho tecnológico de última geração ficará para depois. Se a opção for por um imóvel em área nobre, esse consumidor aceitará o desafio do financiamento e protelará a viagem ao exterior. Essa é a turma que faz a conta antes de gastar.

Já a classe C, a de maior crescimento em número e em poder aquisitivo para o período, tende a fazer crédito para tudo. O pensamento é “se a prestação couber dentro da renda mensal, tudo bem”. Por isso existem, hoje, tantos financiamentos de carro em 80 parcelas, passagens aéreas em 48 vezes e imóveis em 30 anos. Em 2000, o prazo médio de dias de prazo para uma pessoa física era de 300 dias. Em 2010, era de 530. Nenhuma das grandes categorias de tomadores de crédito (veículo, imóveis, pessoal) cresceu menos de dois dígitos entre 2009/2010. Pela primeira vez na economia nacional, o crédito aos consumidores supera o que é dedicado às empresas. Esses consumidores não aderem muito à alta tecnologia, senão em casos de necessidade de status. Eles ainda lutam pela primeira máquina de lavar roupas e optam por móveis planejados.

A classe D tem demandas muito básicas a serem atendidas. Começa a equipar a casa com os eletrodomésticos, porém com itens de baixo valor, e experimentam os primeiros financiamentos com carros ou imóveis de baixo valor.

Por último, a classe E se encontra no estágio zero de consumo, pois tem uma renda muito baixa. Paga aluguel e depende de subsídios do governo ou de programas sociais.

Em 2014 deveremos ser a quinta potência mundial em termos de consumo, atrás dos EUA, do Japão, da China e da Alemanha, de acordo com um recente estudo da consultoria LCA. Caso isso se concretize, cerca de 72% (144 milhões de pessoas) estarão enquadrados entre as classes A/C. Com tanta gente na esfera de compras, o mercado nunca mais será o mesmo.

Apenas a título de exemplo, veja o balanço do programa do Governo, chamado “Luz para Todos”. O grupo de pessoas que saiu do estágio “zero” de consumo é composto por 2,3 milhões de pessoas, que, nos últimos sete anos, passaram a comprar 1,9 milhão de televisores, 1,7 milhão de geladeiras, outras centenas de milhares de eletrodomésticos e uma grande variedade de alimentos nunca antes consumidos por elas. A estatística mostra que a passagem de uma família de três pessoas de uma classe para outra, superior, passa a ter um gasto 60% maior. Imagine esse aumento percentual de consumo no volume da classe C passando para a classe B. Fantástico, não é?! A expectativa dessa roda da fortuna é que, com um consumo maior, haja mais crédito, mais emprego, maior ocupação da capacidade industrial e maiores investimentos.

Com esse pensamento em mente, empresas antes focadas apenas no mais “barato” passam a colocar em linha algo que agrade a essa turma que vem escalando a pirâmide social. Um exemplo disso: houve empresas que cresceram vendendo “tanquinho”. Agora, elas precisam entender que muitos dos seus antigos clientes vão querer uma máquina de lavar roupas a custo modesto, pois o tanquinho não satisfaz mais os seus desejos.

Tudo isso é muito interessante, mas deve ser visto com muita cautela. Todo esse crescimento da renda se deu em virtude de termos sido menos atingidos do que outros países, por várias ondas de crise pelas quais o mundo passou, mas ainda somos fortemente alavancados em geração de capital de commodities, como ferro e soja. Tudo isso é muito frágil, pois qualquer solução na China “vermelha”, ou a entrada de outros players no cenário, pode derrubar todo esse castelo de sonho de consumo. Ainda somos importadores de tecnologia e nosso turismo nem riscou um potencial de consumo interessante. Falamos em nanotecnologia, mas não temos política industrial para suportá-la, a exemplo do que aconteceu com a entrada dos medicamentos genéricos, que não encontram um suprimento local de insumos farmacêuticos, ficando impedida a realização do objetivo final: a entrega de medicamentos mais baratos.

Talvez esta seja a hora de o Governo repensar todos esses números e decidir se montará ou não neste cavalo que está passando.



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