Mercado

O grande dilema da nanotecnologia

Novembro/Dezembro 2010

Carlos Alberto Pacheco

colunistas@tecnopress-editora.com.br

Carlos Alberto Pacheco

Em outubro passado, durante encontro promovido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e pelo Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), foi discutida a necessidade de estabelecer uma política industrial para a produção de matérias-primas nanoparticuladas. Essa iniciativa vai ao encontro das políticas que vêm sendo desenvolvidas em prol do Complexo Industrial da Saúde.

As palavras nanômetro, nanotecnologia, nanoemulsão, nanopartícula, entre outras, vêm ganhando espaço cada vez maior nas mídias televisiva e impressa. Do que elas estão falando? O radical de todas essas palavras, “nano”, de origem grega, significa pequeno, anão, pigmeu, ou seja, remete à ideia de algo muito pequeno. Para ser mais preciso, a escala nanométrica corresponde à bilionésima parte do metro (10-9 m), ou “0,000000001 m”. Para ter dimensão dessa grandeza, imagine o diâmetro de um fio de cabelo dividido em 100 mil vezes. Podemos imaginar ainda que 1 nanômetro seja 30 mil vezes menor do que o diâmetro de uma teia de aranha ou 700 vezes menor que o diâmetro de um glóbulo vermelho! Muito pequeno, não é?

Ao entrarmos nesse mundo tão pequeno, é necessário mudarmos a escala de como vemos o mundo. Notemos que não é o caso de mudarmos a forma como nossos olhos veem as coisas, mas sim a maneira como nosso cérebro entende, trabalha. É preciso que entendamos que, nesse pequeno mundo, as coisas funcionam de maneiras diferentes e ainda imprevisíveis, quando comparadas ao universo em escala maior, cotidiano. Quando materiais amplamente conhecidos atualmente são reduzidos à escala nanométrica, suas propriedades físicas, químicas, mecânicas, ópticas, magnéticas e biológicas, bem como suas estruturas moleculares internas e externas, diferem radicalmente das propriedades que esses materiais tinham antes de serem reduzidos.

Por exemplo: As partículas do elemento químico ouro assumem cores diferentes do típico amarelo, que vão desde o verde até o vermelho, em função do tamanho da partícula. Conscientes disso ou não, os arquitetos de capelas medievais, por exemplo, na Catedral de Chartres, construída em 1.300 d.C, na França, conseguiram produzir efeitos belíssimos em vitrais, variando simplesmente o tamanho das partículas de ouro que os revestem.

Portanto, a nanotecnologia trabalha com partículas na escala entre 1 nm e 100 nm (nanômetros). Veja alguns exemplos de materiais encontrados na natureza com essa escala: o menor átomo existente (hidrogênio) mede 0,1 nm; a molécula humana de DNA, 2 nm; um vírus, em média de 75 nm a 100 nm; e uma bactéria, entre 1.000 e 10.000 nm. Perceba estou falando de materiais menores do que o comprimento do nosso DNA e que têm tamanho igual ao de um vírus. Exemplo de molécula já conhecida é o fulereno, tido como a terceira forma mais estável do carbono depois do diamante e da grafite, que abriu as portas para a produção dos nanotubos (materiais esféricos ou cilíndricos feitos basicamente de carbono), que renderam aos químicos Harold Kroto, Robert Curl e Richard Smalley o prêmio Nobel, em 1996. O fulereno mede apenas 1 nm. Outro exemplo é o dendrímero (molécula construída por meio do crescimento radial a partir de um núcleo polifuncional, em geral ramificada e funcionalizada com outros radicais), que mede apenas 10 nm.

Mas... Porque estão fazendo tanto barulho em torno desse assunto?

Historiadores, economistas e comentaristas tem apontado a nanotecnologia como a quarta Revolução Industrial (primeiro veio a máquina a vapor, depois o uso da eletricidade, em seguida o avanço da eletrônica e agora a nanotecnologia). Perceba como as revoluções industriais foram marcadas pelo uso industrial e prático de partículas cada vez menores. Essa nova fase da Revolução Industrial tem data de nascimento que ainda não é consenso entre especialistas, mas vem sendo apontada como o ano 1980, quando se dominou a manipulação isolada de nanopartículas. A expectativa dos estudiosos em tendências é que essa nova fase entre em declínio a partir de 2080, quando poderá acontecer uma nova revolução industrial ainda incerta e não sabida. Essa expectativa se baseia no fato de que, a cada era industrial, o espaço entre a descoberta científica e a aplicação tecnológica prática de seus conceitos vem estreitando-se, o que possibilita o amadurecimento da aplicação, que pode ser realizada de modo mais rápido.

Muitas aplicações já chegaram ao nosso dia a dia, como as cerâmicas supercondutoras, que promovem menos atrito, os tecidos resistentes à sujidade (efeito lótus), as embalagens com propriedades de barreira específicas e muitas outras aplicações em outros campos. Porém, as áreas relacionadas às ciências da vida (farmácia, cosmética, alimentícia, de saneamento, agricultura) são as mais promissoras no sentido de abarcar essa nova tecnologia.

O assunto começa a ganhar importância para a indústria cosmética em nível mundial. Isso pode ser visto no aumento do número de solicitações de patentes publicadas, que entre 2003 e 2009 mais que dobrou, passando de 181 patentes, em 2003, para 367, em 2009. A gigante L´Oréal, como sempre inovadora, saiu na frente nesse assunto, com sua maquiagem fotônica, que emprega as propriedades ópticas dos materiais (interferência da luz), em vez de pigmentos. Com isso, evita o uso de materiais metálicos que muitas vezes são nocivos à saúde. Das 367 patentes depositadas em 2009, dez provêm da Fujifilm, nove da BASF e sete da Amorepacific (conforme o Relatório Thomson Reuters). Em relação ao depósito de marcas comerciais, o mesmo relatório indica aumento de 575% no período 2005/2009 frente ao primeiro estudo feito entre 2000/2004. Atualmente, há 217 marcas registradas.

Formulações de protetores solares com TiO2 nanoparticulado prometem tornar esses produtos mais eficientes. Sistemas de entrega mais inteligentes garantem a entrega dos ativos nos locais onde eles são mais necessários, nas camadas mais internas da pele, fato esse que irá acirrar ainda mais a discussão do que vem a ser um produto cosmético frente a um fármaco.

A Universidade Federal de São Carlos (São Carlos SP) tem um grande número de patentes de aplicações tecnológicas nesse campo. Por exemplo: detectores da doença de Chagas, que detectam em quantidades pequenas o Trypanosoma cruzi. A patente trata de uma célula fotovoltaica que tem um dos eletrodos impregnado com um material nanoparticulado que é extremamente sensível à presença dos glicoconjugados do referido parasita na corrente sanguínea. Sem a presença do revestimento nanoparticulado, limites baixos não poderiam ser identificados.

O uso da nanotecnologia abre espaços para o desenvolvimento de materiais com grandes vantagens econômicas. Esse é um caminho sem volta. Mas, nem tudo são flores.

No passado, a humanidade já se viu diante de soluções brilhantes e apontadas como as soluções definitivas para determinados problemas, mas que, com o passar do tempo, mostraram-se problemáticas. Posso citar aqui o exemplo do chumbo tetraetila (que melhora a octanagem em combustíveis), que passou a ser usado a partir da Primeira Guerra Mundial e recobriu o mundo com uma fina camada de chumbo. Posso falar do cloro-flúor-carbono (agente propelente e refrigerante), colocado em uso na década de 20 e que foi o responsável pela redução da espessura da camada protetora contra os raios UV na atmosfera. E, nesse mesmo sentido, existiram e existem os plásticos, o Isopor, o Teflon, o amianto e muitos outros materiais que foram ou terão de ser retirados de circulação, em virtude dos efeitos nocivos que causam ao Planeta.

A banca formada no evento mencionado foi questionada por um dos presentes, foi perguntado se a pujança que está sendo empregada para colocar em prática uma matriz produtiva e autossuficiente em terras nacionais de materiais nanoparticulados, com o fim de evitar a dependência de matérias-primas importadas - como vem ocorrendo com as matérias-primas para a fabricação de medicamentos genéricos -, é a mesma pujança que está sendo investida na investigação do impacto ambiental que essa nova tecnologia irá promover. Os cinco segundos de espera para a banca formular um parecer foram indicativos de que o assunto ainda é uma surpresa para o mundo. As respostas dadas à pergunta indicam que o tema ainda esperará para ser discutido num futuro sem prazo marcado. A impressão dada é que, mais uma vez, o mundo está cometendo o mesmo erro em que incorreu no passado, ao introduzir outras tecnologias: esperar para consertar as consequências.

O Ministério da Saúde, por meio da Anvisa, posicionou-se como não sendo sua responsabilidade formular uma política industrial para a área da saúde, pois entende que sua natureza regulatória afasta ou inibe a inovação tecnológica, e prefere trazer essa discussão para a sociedade e, em conjunto, ambos poderão formular uma solução, uma vez que entende que um marco regulatório é de responsabilidade de todos.

A posição acima tem de positivo o fato de a Anvisa não se posicionar sobre algo que não domina e por meio de atos normativos contraproducentes, não irá atrapalhar esse processo.

Porém, de negativo há o fato de que delegar à sociedade a decisão sobre assuntos complexos como esse é um ato ineficiente e perigoso. Infelizmente, não temos uma sociedade madura a ponto de envolver-se em assuntos dessa natureza. Uma sociedade que elege para deputado federal um representante como “Tiririca” e que, apesar de haver obrigatoriedade de voto, apresenta abstenção de 21,5% no segundo turno de uma eleição presidencial, não pode delegar a si a responsabilidade de decidir sobre assunto “tão pequeno” (que o leitor entenda o trocadilho).

Sim, o marco regulatório é responsabilidade de todos, porém o peso maior não pode fugir das mãos daqueles que detêm o conhecimento.



Outros Colunistas:

Deixe seu comentário

código captcha

Seja o Primeiro a comentar

Novos Produtos