Sustentabilidade

Biodiversidade e o setor cosmético

Maio/Junho 2019

Francine Leal Franco

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Francine Leal Franco

Há quem diga que, ao longo dos últimos anos, o mercado deu um passo atrás no que diz respeito ao uso de ativos naturais brasileiros para o desenvolvimento de produtos cosméticos em geral. Tudo em função das dúvidas e do receio que se criou sobre a Lei da Biodiversidade e a Regularização de atividades em desacordo com a antiga Medida Provisória 2.186/2001.

Chamo atenção ao fato de que, se o mercado de fato deixar de utilizar esses ativos, não estará deixando de usar ativos naturais e, neste caso, recairia sobre as regras internacionais de acesso ao patrimônio genético e repartição de benefícios.

Vamos falar um pouco de história e da relação dos produtos cosméticos com ativos naturais.

Podemos dizer que o nascimento de produtos cosméticos nos leva aos tempos de Cleópatra. Ela foi a primeira mulher na história a deixar gravada sua preocupação com cuidados pessoais e beleza. Desde essa época, fala-se do uso de mel, leite e resíduos vegetais para fazer pastas juntamente com gorduras animais ou de cera de abelhas para fazer cremes para a pele. Pinturas corporais deram origem às maquiagens, que inicialmente eram utilizadas como proteção solar e para rituais espirituais, não só por mulheres, mas por crianças e homens também. Também nessa época já se fazia uso de óleos perfumados e de essências como cânfora e mirra. Os egípcios também nos presentearam com outra grande herança, a perfumaria: resinas perfumadas eram queimadas em cerimônias religiosas. Naquela época, acreditava-se que um caminho conectava o céu à terra, e a fumaça acompanharia esse caminho, fazendo a conexão dos dois mundos. Assim, do latim veio o nome daquilo que não conseguimos viver sem: perfume, "per fumum", isto é, por meio da fumaça.

Dando um grande salto milenar, nos colocamos à época do descobrimento do Brasil, da qual vem mais uma curiosidade: o significado do nome do nosso país, resultado do primeiro grande marco econômico, em função da exploração madeireira do ibirapitanga (madeira vermelha) - ou, em português, pau-brasil. Mas vale dizer que parte desse interesse era justamente em relação ao pigmento avermelhado retirado da resina da madeira, que só foi possível ser explorado pelos portugueses por meio do conhecimento indígena, que utilizava esse pigmento para pinturas corporais. Aqui temos três conceitos básicos para fazer a relação histórica do uso de ativos naturais em cosméticos:

1. O uso dos ativos naturais para cuidados pessoais é milenar, e sem esses atributos não haveria a ciência da beleza e o desenvolvimento de produtos cosméticos.

2. São conhecimentos milenares, muitas vezes de cunho espiritual, passados de geração a geração, que enriquecem as possibilidades de desenvolvimento de produtos cosméticos, farmacêuticos e de perfumaria.

3. A relação do Brasil com os ativos naturais é ainda mais forte, pois a riqueza do país se traduz no nome.

Com esses elementos e com a história do pau-brasil, temos também alguns conceitos básicos no que se refere à regulamentação do uso de ativos naturais no mundo: os conceitos de recursos genéticos - ou patrimônio genético - e os conhecimentos tradicionais associados. Ambos conceitos protegidos pela Convenção da Diversidade Biológica, o Protocolo de Nagoya, dois acordos internacionais e a Lei 13.123 de maio de 2015 no Brasil.

Em função de grandes explorações dos recursos naturais e do fato de que os limites territoriais não eram respeitados, em 1992, no Rio de Janeiro, 192 países assinaram a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que tem três objetivos: conservação da biodiversidade, uso sustentável de componentes da biodiversidade e repartição de benefícios pela utilização de recursos genéticos e conhecimento tradicional associado - este último também chamado ABS (Access and benefit-sharing, na sigla em inglês). A CDB garantiu também a soberania nacional de todos os 196 países. Em outras palavras: cada um pode criar suas próprias regras para uso dos recursos genéticos.

Como resultado da Convenção da Biodiversidade, 116 países assumiram compromissos ainda mais restritos, por meio do Protocolo de Nagoya, que impõe as regras e os mecanismos de comando e controle sobre ABS.

Cumprindo com a premissa da soberania nacional dada pela CDB, cerca de 85 países já possuem alguma normatização local semelhante à do Brasil, o que significa que esses países já estabeleceram regras e procedimentos para o uso do seu patrimônio genético. Para ilustrar um pouco de tudo isso, vejamos alguns dos ingredientes naturais mais utilizados pela indústria cosmética: cacau, castor oil (mamona), tonka (cumaru), óleo de palma e coco. Se sua empresa utiliza algum desses ingredientes, saiba que todos eles estão regulados por alguma lei em algum lugar do mundo. O cacau é proveniente de países como Peru, Brasil e Costa Rica. A tonka, ingrediente amplamente utilizado em fragrâncias, é da América do Sul, incluindo Peru e Brasil. O óleo de mamona é proveniente da África do Sul, e o coco vem da Índia. Já a palma (Palm oil) é de Moçambique.

Isso significa que, para utilizar todos esses ingredientes, algumas normas deveriam ser observadas e, no próximo artigo, falaremos sobre o passo a passo e quanto isso implicaria em repartições de benefícios em cada um desses países. Mas já adianto: sabe qual o resultado dessa comparação?

Usar o cacau ou a tonka do Brasil é menos burocrático e menos custoso do que os demais ingredientes. Portanto, aquele receio que mencionei no início desta coluna se mostra sem fundamento. Usar ativos naturais do Brasil continua sendo uma grande vantagem competitiva!



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O próximo artigo que é citado no texto já foi publicado ? Se sim, teria como encaminhar o link, caso não, tem previsão ? Parabéns, excelentes informações ! Obrigada

por Nathalia Pedroso 26/06/2019 - 12:36

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