Manipulação Cosmética

Efeito manada

Março/Abril 2019

Luis Antonio Paludetti

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Luis Antonio Paludetti

Há uns bons 15 anos, numa das muitas feiras do setor magistral, um colega de USP e na época bem-sucedido empresário no ramo de matérias-primas abordou-me num dos corredores e começamos a conversar.

Entre a lembrança de uma festa e outra, conversando sobre o segmento, ele disparou a seguinte frase: “a dermatologia é a especialidade médica do futuro, e estamos direcionando nossa empresa para se posicionar como líder nesse segmento no mercado magistral”.

O tempo passou e, ao que parece, as previsões do colega não se concretizaram.

Mas o que teria ocorrido? Será que um empresário que já atuava há mais de 20 anos no segmento teria errado assim tão feio? Será que o conceito de futuro dele era diferente do meu? Será que estou vivendo em um universo paralelo?

Na verdade, não é nada disso.

Após vivenciar o mercado magistral por quase 30 anos, a gente começa a perceber algumas coisas, e uma delas é que o mercado vai adotando certos comportamentos conforme a época e a conjuntura. Bem no início, as farmácias eram mais ecléticas e atendiam às poucas prescrições das várias especialidades médicas. Depois, já na década de 1970, passaram a introduzir novas formas farmacêuticas: creme lanette, shampoo texapon e outras relíquias eram as coqueluches da vez. Nos anos 80, a manipulação de cápsulas começou a despontar. Nos anos 90, o preparo de controlados e similares de produtos industrializados ocupou o palco principal.

Com o advento dos genéricos, no finalzinho dos anos 90 e início dos anos 2000, as farmácias se movimentaram para a dermatologia, e depois para a odontologia e, em seguida, para a veterinária.

Esse movimento de atender a demandas do mercado é mais que salutar, mas o que mais me preocupa é que ele não é um movimento aditivo.

Salvo exceções, em vez de agregar as novas tendências ao seu portifólio de serviços, as farmácias se movimentam todas ao mesmo tempo para aquela nova tendência, em um comportamento que eu chamo de “comportamento de manada nômade extrativista”.

No reino animal, as manadas vão migrando de pasto em pasto conforme a necessidade e, então, comem todo o pasto e, como não há mais pasto para comer, movem-se para outras paragens onde o pasto ainda existe.

Quando analisamos o comportamento das farmácias ao longo do tempo, percebemos algo muito semelhante, o que denota uma falta de visão de futuro dos empresários do setor.

Atualmente, o pasto preferido está sendo a prescrição de nutrição, nutrologia e medicina esportiva. Todos os dias, milhares de farmácias no Brasil fazem aos montes suplementos prescritos por nutricionistas e nutrólogos, seja para complementar, para concorrer ou para baratear aquilo que já existe e é oferecido por lojas de suplementos em todo o país (já viu este filme com os genéricos?).

Não sou contra que se adicionem especialidades ao serviço, desde que elas agreguem ao portifólio que já existe. Mas não é isso que ocorre.

Num típico comportamento de manada, quase todas as farmácias voltaram-se à prescrição nutricional (junto com distribuidores de matérias-primas e outras empresas do setor) e praticamente deixaram de lado as outras especialidades.

“É, mas é o que está dando dinheiro agora...”, argumenta um. “Precisamos atender a estas prescrições antes que a moda passe...”, retruca outro.

Minha preocupação é que este movimento descoordenado deixe a descoberto todas as outras especialidades, o que pode ser muito difícil de se recuperar depois.

A farmácia magistral tem tido uma história sublime e vitoriosa em nosso país, mais do que qualquer outro país do mundo. Mas, se não tomarmos cuidado e acabarmos com mais esta pastagem sem pensar em recuperar pastagens antigas, pode ser que, no futuro, não haja pastos para comer.



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