Tricologia

Alisar ou não, eis a questão!

Setembro/Outubro 2016

Valcinir Bedin

colunistas@tecnopress-editora.com.br

Valcinir Bedin

Estudos já mostraram que 70% das brasileiras têm cabelos não lisos, ou seja, encaracolados, cacheados ou “afroétnicos”, devido à estrutura plural da população brasileira. Um estudo revela que metade delas usa alguma forma de alisante! Existe um ditado que diz que os serem humanos, as mulheres em especial, “odeiam” os cabelos que têm quaisquer que sejam estes.

Sabemos que o que dá a forma aos cabelos é a distribuição da queratina no córtex da haste capilar e que esta é mantida pelas pontes químicas salinas de hidrogênio e pelas de enxofre. As de enxofre são mais resistentes e, portanto, mais difíceis de serem quebradas e realinhadas na posição necessária ao alisamento.

Evitando a polêmica de que a beleza reside na diversidade, podemos fazer uma abordagem didática para tentar entender o que aconteceu nos últimos 100 anos nesse campo.

Até o final do século XIX, não havia nada que pudesse ser feito com o formato dos cabelos. Nas décadas de 1920 e 1930, começou-se a usar o calor como agente alisante. Usava-se um aparelho de ferro que tinha forma de haste, que era esquentado em brasa e então aplicado nos fios para tirar suas ondas. É claro que esse processo era rudimentar e que o calor poderia causar danos irreversíveis aos fios. O nome dado a esse aparelho: cabelisador.

Na década seguinte surgiu o pente quente, que era semelhante ao aparelho anterior na ideia, mas que na forma era um pouco diferente. Como o próprio nome diz, o formato do aparelho era de pente e o calor vinha das brasas ou, mais recentemente, da energia elétrica. O pente quente continuou usado até a década de 1980 e causava os mesmos efeitos colaterais que seu antecessor.

Com o fim da Segunda Grande Guerra e a chegada da década de 1950, fórmulas químicas, com a finalidade de alisar os cabelos, começaram a aparecer. A primeira foi o hidróxido de sódio. Um dado importante é que esse produto químico havia sido criado na década de 1910, mas somente foi utilizado 40 anos depois. Nem é preciso dizer que os estragos que ele causava também eram inúmeros.

Na década de 1960, a moda era usar penteados volumosos e altos, e mesmo as mulheres de origem africana abandonaram um pouco a vontade de alisar os cabelos. Nos anos 1970, com a contracultura dominando a cena, o mais comum era deixar o cabelo natural aparecer. Cabelos cacheados e do tipo black power estavam na moda, mas os produtos com hidróxido de sódio continuaram no mercado.

Na década de 1980, foi desenvolvido um produto que quebrava as pontes dissulfídicas, o tioglicolato de amônio, que começou a ser usado em permanentes. Rapidamente, percebeu-se que destruir as pontes de dissulfeto para realinhá-las a seguir poderia levar a um processo de alisamento quando se esticava a haste. Nessa década apareceu também um procedimento chamadotouca de gesso, feito com uma mistura de gesso e tioglicolato de amônio.

Foi na última década do século passado que os cabelos lisos viraram moda. O uso de chapinha ou prancha associado a técnicas químicas levou um cabeleireiro japonês a aprimorar um processo que recebeu o nome de “alisamento japonês” ou escova definitiva. A associação dessas técnicas realmente alisava os cabelos, mas deixava um aspecto artificial e seus efeitos colaterais eram grandes.

Na primeira década do século 21, com a moda forçando mais e mais o alisamento dos fios, surgiu no Rio de Janeiro a famosa e famigerada escova de formol, produto que pode substituir, por questões de custo, os outros produtos químicos. O formol também pode ser utilizado como conservante em produtos alimentares e em produtos de uso doméstico, mas numa concentração bem pequena. O problema é que o formol, quando é aquecido,pode liberar um gás capaz de fazer mal ao trato aéreo superior. Portanto, seu usoé proibido nas concentrações capazes de alisar.

Hoje há uma série de produtos que podem ser usados legalmente, como o tioglicolato de amônio, o carbonato de guanidina e os hidróxidos de guanidina, de sódio, potássio, lítio e cálcio. Outros produtos podem estar no mercado, mas não têm autorização para isso.

O que infelizmente vemos é que, no afã de angariar clientes, os departamentos de marketing abusam de termos que, ao invés de trazer esclarecimento sobre os produtos, criam mais confusão ao usarem nomes como escova de chocolate, escova de leite etc. Isso leva à idéia de que esses produtos seriam mais “naturais” que os outros.

O que sabemos é que, sem abrir a cutícula, destruir as pontes químicas e tornar a refazê-las,o alisamento não ocorrerá. Qualquer outro dado que tente passar a informação de que o processo de alisamento se dá sem esses passos, possivelmente é falso.

Cabe à indústria sempre buscar novidades que sejam seguras, que, no mínimo, não causem nenhum dano a quem utilizá-las, e sempre, mas sempre mesmo, não omitir informações a respeito do produto ou, pior ainda, dizer inverdades sobre ele.

Especificamente sobre o assunto alisamento, nosso entendimento é que deveríamos apadrinhar a teoria de que estimular a diversidade, especialmente num país como o Brasil, é um dever de quem tem o poder de formar opinião.



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