Internet das coisas

Erica Franquilino

Internet das coisas

Potencial no mercado cosmético

 

matéria publicada na revista Cosmetics & Toiletries Brasil, Mar/Abr de 2019, Vol. 31 Nº 2 (pág 13 a 15)

 

Internet das coisas

     Complexa e com múltiplas aplicações, a internet das coisas abrange um turbilhão de inovações, com base em tecnologias diversificadas. Presente em eletrodomésticos, automóveis, smartphones e em outros objetos e serviços inteligentes, ela agrega conveniência e praticidade ao cotidiano. Companhias globais do mercado cosmético investem em recursos que proporcionam novas experiências aos consumidores e impulsionam inovações, com base em dados e insights.

     Herlon Oliveira, diretor de relações institucionais da Associação Brasileira de Internet das Coisas (Abinc) explica que a IoT (acrônimo para Internet of Things) também pode ser chamada de Internet 4.0 ou “a quarta onda da revolução da internet”. Trata-se da última fase de um movimento que começou em meados dos anos 1990.

     Internet das coisas é um termo “guarda-chuva”, que abrange o emprego de diversas tecnologias, com implicações nos negócios, na cultura e na vida em sociedade. São exemplos os diferentes tipos de dispositivos e sensores, redes de telecomunicações, servidores em nuvem, aplicativos, big data (conjunto de dados gerados e armazenados) e inteligência artificial.

     A primeira fase da “revolução” mencionada por Oliveira diz respeito às mudanças nas formas pelas quais as pessoas passaram a acessar conhecimento, informação e entretenimento. A segunda onda alterou a maneira como empresas e indivíduos realizam suas transações diárias com outros sistemas, sejam eles financeiros (e-banking) ou comerciais (e-commerce).

     “Na terceira onda, tivemos a entrada das pessoas nas mídias sociais, nas quais todos deixamos de ser apenas consumidores passivos de conteúdo e passamos a também ser criadores ativos no mundo digital”, comenta. A onda seguinte, a internet das coisas, é um conceito que se refere à interconexão digital de objetos cotidianos com a internet. “É a conexão dos objetos, mais do que das pessoas, à internet. Em outras palavras, a internet das coisas nada mais é que uma rede de objetos físicos capaz de coletar e transmitir dados”, sintetiza.

     Ele destaca que não se trata apenas de conectar as coisas do dia a dia à internet, “mas de encontrar formas de resolver problemas, com abordagem não mais centrada em produtos e serviços isolados, mas sim por meio de ecossistemas de produtos e serviços digitais, que, operando de forma coordenada e orquestrada, fornecerão novas formas de resolver os problemas cotidianos”.

     As soluções de IoT podem ser utilizadas em praticamente todas as áreas, como nas “cidades inteligentes” (por meio do monitoramento e gerenciamento de edifícios, monumentos, energia elétrica e estradas, dentre outras possibilidades), na saúde, no agronegócio e nas indústrias. Estes segmentos compõem as frentes prioritárias definidas pelo Plano de IoT no Brasil, desenvolvido por meio do estudo “Internet das Coisas: um plano de ação para o Brasil”, realizado pelo BNDES.

     O embrião do conceito nasceu em uma das edições da Interop, conferência anual de tecnologia da informação realizada em diversas partes do mundo. Em 1989, o norte-americano John Romkey apresentou no evento uma torradeira que podia ser ligada e desligada através da internet – o pão, contudo, foi inserido manualmente.

     No ano seguinte, a novidade foi reapresentada na feira, com uma alteração: a fatia de pão foi colocada na torradeira por um pequeno guindaste robótico, controlado por meio da internet. O sistema passou a ser, portanto, automatizado de ponta a ponta.

     Em setembro de 1999, o pesquisador britânico Kevin Ashton, co-fundador do Auto-ID Center no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, ministrou uma palestra para a Procter & Gamble, na qual falou sobre as potencialidades de um novo sistema de RFID (do inglês Radio-Frequency Identification) para a identificação e rastreabilidade do produto na cadeia de suprimentos.

     O título da apresentação de Ashton era “Internet of Things”. O objetivo foi mostrar ao público que os objetos do mundo físico poderiam se conectar à internet, criando um mundo mais inteligente.

     Em 2005, fornecedores do Walmart e do Departamento de Defesa dos Estados Unidos passaram a usar as etiquetas RFID nos paletes de seus produtos, para o controle do estoque. Três anos depois, Rob Van Kranemburg, fundador do IoT Council, publicou o livro The Internet of Things. A obra chamava a atenção para um novo paradigma, no qual objetos produzem informação.

     Com o desenvolvimento de novas tecnologias, a IoT tornou-se uma poderosa ferramenta de transformação em diversos setores industriais (proporcionando ganhos de eficiência e produtividade) e ocupou um espaço definitivo no cotidiano das pessoas. “Seu carro pode ter acesso à agenda de reuniões e solicitar o melhor caminho para evitar o trânsito naquele horário. Sua máquina de lavar pode ter acesso à previsão do tempo e lhe avisar qual será o melhor dia para estender roupas. Até sua geladeira pode monitorar os alimentos em falta, fazer uma lista de compras e lhe enviar pelo smartphone. São inúmeras as possibilidades”, aponta Oliveira.

     “Em uma escala mais ampla, a internet das coisas pode ser usada em redes de transporte. Já estão sendo desenvolvidas as cidades inteligentes, que usam IoT para ajudar a melhorar a eficiência de coisas como o trânsito, os atendimentos em hospitais e o uso de energia”, completa. Na área da saúde, sensores fazem o monitoramento e o controle da frequência cardíaca durante os exercícios, bem como o acompanhamento das condições de pacientes em hospitais.

     Segundo a Gartner, empresa de consultoria tecnológica, até 2020 haverá mais 25 bilhões de “coisas” conectadas à internet. De acordo com a consultoria McKinsey Global, o impacto econômico da internet das coisas equivalerá a 11% da economia mundial em 2025.

     Na última década, governos e sociedade vêm debatendo temas como privacidade e segurança de dados, em razão dos recentes escândalos envolvendo o uso indevido de informações privadas. Em maio do ano passado, entrou em vigor o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR).

 

Potencial no mercado cosmético

     Para Oliveira, empresas de todos os segmentos passarão a ter algum componente de IoT em suas operações. “Mesmo os fabricantes de produtos tradicionais terão de se transformar em orquestradores de produtos e serviços digitais, muitas vezes de terceiros, para proporcionar experiências únicas aos clientes e resolverem problemas de formas totalmente novas. As empresas que souberem ser essas orquestradoras sairão na frente”, opina.

     Grandes companhias passaram a utilizar recursos de internet das coisas para aprofundar o conhecimento sobre preferências dos consumidores e proporcionar experiências inovadoras.

     “Há alguns anos, temos visto como a realidade aumentada se tornou popular em aplicações para o design de maquiagem, usando dispositivos como o celular, o que é ótimo, porque o consumidor pode experimentar o produto antes de comprar. Isso abriu portas para uma grande tendência, pois logo a veremos no espelho do nosso banheiro”, comenta John Jiménez, cientista de pesquisa do departamento de inovação e desenvolvimento da Belcorp, na Colômbia, e autor da coluna “Tendência” na Cosmetics & Toiletries Brasil.

     Em 2015, a L’Oréal desenvolveu o Makeup Genius, aplicativo para testes de maquiagem. Dois anos depois, a empresa apresentava ao mercado a Kérastase Hair Coach, escova inteligente que oferece uma análise da textura e do nível de umidade do cabelo, para recomendar o produto ideal. “A L’Oréal é um exemplo de empresa de produtos tradicionais que está se reinventando e transformando a experiência de seus clientes e a sua relação com a marca”, aponta Oliveira.

     Em março de 2018, a companhia francesa anunciou a compra da canadense ModiFace, reconhecida internacionalmente pelo trabalho em realidade aumentada e inteligência artificial aplicada ao mercado de beleza.

     A L’Oréal também criou um fundo de risco corporativo, o Business Opportunities for L’Oréal Development, que se concentrará na aquisição de participações minoritárias em startups inovadoras e com alto potencial de crescimento. O primeiro investimento do fundo será na Sillages Paris, startup francesa que utiliza inteligência artificial e aprendizado de máquina para oferecer aos consumidores on-line fragrâncias personalizadas.

     Esse conjunto de iniciativas alimenta a criação de novidades, como um sensor que mede os níveis de pH da pele. Em janeiro deste ano, a companhia apresentou o protótipo do My Skin Track pH, para sua marca La Roche-Posay, durante o Consumer Electronics Show 2019, evento que acontece anualmente em Las Vegas, nos Estados Unidos. O sensor oferece aos usuários uma medição personalizada dos níveis de pH. Esses níveis podem, em alguns casos, ser responsáveis por condições como eczema, secura ou dermatite atópica. A ideia é que, monitorando esses dados, os usuários possam adequar os cuidados com a pele.

     Anunciado como o primeiro do gênero, o sensor funciona usando a tecnologia micro fluídica para captar traços de suor dos poros em um pedaço de pele na parte interna do braço. Dois pontos no centro do sensor mudam de cor para alertar o usuário que a medição foi finalizada. As leituras levam entre 5 e 15 minutos. O usuário precisa tirar uma foto do sensor usando o aplicativo My Skin Track pH, que acompanha a medição e recomenda os produtos adequados da La Roche-Posay. O produto será introduzido junto a dermatologistas selecionados da La Roche-Posay nos Estados Unidos ao longo deste ano. O objetivo é lançar um produto para o consumidor no futuro.

     O Vichy SkinConsultAI é a mais recente inovação digital da companhia em diagnóstico da pele. O produto foi apresentado no Canadá em janeiro e será lançado mundialmente este ano. A tecnologia foi criada a partir de um algoritmo de inteligência artificial desenvolvido pela ModiFace e alimentado pela expertise da L’Oréal e fotos da sua base de dados. A ferramenta foi desenvolvida com base em padrões detectados em 6 mil imagens de homens e mulheres da França, do Japão, da China e dos Estados Unidos realizadas pela L’Oréal e no conhecimento advindo dos estudos realizados para as edições do Skin Aging Atlas.

     Posteriormente, criou-se um modelo, a partir de mais de 4.500 selfies, para três grupos étnicos de mulheres, em quatro condições de iluminação diferentes. A companhia informa que o trabalho, que contou com a colaboração de dermatologistas, alcançou um elevado nível de precisão na avaliação da pele, levando em conta diferentes expressões faciais e as condições das fotos, similares às tiradas pelos consumidores.

     Para ter acesso ao diagnóstico de pele, os usuários carregam ou fazem uma selfie no site da marca. A tecnologia detecta sete sinais de envelhecimento: rugas sob os olhos, falta de firmeza, linhas finas, falta de luminosidade, manchas escuras, rugas profundas e poros. Esses sinais são analisados e o usuário é informado sobre pontos fortes e as prioridades no cuidado da pele, além de receber uma orientação sobre a rotina de produtos adequada para atender às suas necessidades específicas.

     A Henkel, empresa mãe da fabricante de produtos capilares Schwarzkopf, lançou em novembro do ano passado um novo aplicativo, desenvolvido para ajudar os consumidores no ponto de venda. O Choicify, criado pela divisão Beauty Care da Henkel, é descrito pela companhia como um “grande passo no futuro digital”.

     O aplicativo oferece um programa de consulta de cores para orientar os consumidores na compra de kits de tintura para cabelo. “O programa pode ser usado diretamente na prateleira de produtos para coloração de cabelo, em qualquer smartphone, usando um QR code ou um leitor de chip NFC (Near Field Communication)”, destacou a Henkel Beauty Care, em comunicado.

     O Choicify está em fase de testes em revendedores exclusivos na Alemanha e futuramente também será utilizado como ferramenta de suporte para compras on-line. A empresa informa que o aplicativo não ajudará os consumidores a encontrar apenas os produtos da Henkel, uma vez que ele inclui sugestões de marcas de outros fabricantes.

     Em agosto do ano passado, a Natura firmou uma parceria com o Pinterest, rede social de compartilhamento de fotos. Por meio da funcionalidade Shop The Look, o usuário pode comprar os itens publicados no perfil Maquiagem Natura da rede social, que traz tutoriais, eventos, looks e campanhas, dentre outras imagens inspiradoras.

     A Natura foi a primeira empresa brasileira a utilizar a funcionalidade Shop The Look do Pinterest. No perfil Maquiagem Natura, pontinhos brancos marcam os itens de maquiagem usados na produção de algumas imagens. Ao clicar nesses pontos, o usuário é direcionado para a loja virtual da Natura.

     Outra funcionalidade resultante da parceria com a rede social é o Pincode. Os Pincodes são códigos personalizados, encontrados na revista das consultoras e nas lojas da marca. Quando escaneado, o código leva o usuário para um conteúdo exclusivo no perfil Maquiagem Natura, com informações sobre tendências e lançamentos.

     Em janeiro, a Wella Professionals lançou seu primeiro espelho de beleza inteligente. A marca, de propriedade da Coty, também apresentou o produto no Consumer Electronics Show. O espelho, que usa realidade aumentada e inteligência artificial, tem entre seus principais recursos uma tecnologia de reconhecimento facial para testar looks e tecnologia touchless, que responde a golpes e gestos manuais. O produto pode ser usado por meio de qualquer dispositivo conectado, incluindo tablets e celulares dos clientes para aconselhamento pós-atendimento.

     “De forma geral, podemos dizer que, em cosméticos, estamos vendo uma grande variedade de dispositivos conectados, que oferecem ao usuário maiores níveis de controle e experiência. Dessa maneira, as marcas terão mais informações sobre o que os clientes estão comprando e usarão essas informações para criar novas formulações”, destaca Jiménez.

     Ele menciona algumas tendências relacionadas à internet das coisas, como o desenvolvimento de dispositivos e ferramentas direcionados ao estresse emocional e à poluição; o uso da voz humana como fator chave na comunicação com os dispositivos; a ampliação do alcance e da disponibilidade de soluções tecnológicas com as novas redes 5G; e a “maximização” das experiências de consumo. “Veremos como, cada vez mais, as experiências sensoriais dos cosméticos serão maximizadas. Pense em novos perfumes que podem ser sentidos com olfato, tato e audição”, sugere.

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