Pink Money

Érica Franquilino

 

matéria publicada na revista Cosmetics & Toiletries Brasil, Jul/Ago de 2019, Vol. 31 Nº 4 (pág 13 a 15)

 
     Eles driblam questões relacionadas a estereótipos e preconceitos, ampliam suas vozes e ganham cada vez mais representatividade na sociedade. A visibilidade da comunidade LGBT abrange lutas, conquistas, desafios, estilo de vida e um poder de consumo que vem chamando a atenção de marcas de diversos setores do mercado – mesmo os mais tradicionais. Pesquisas estimam que o público homossexual gasta 30% a mais do que o heterossexual.


     LGBT é a sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros. O termo surgiu nos anos 1990 e, desde então, vem crescendo em razão da valorização da diversidade e dos debates sobre identidade sexual e de gênero. Há variantes que incluem a letra Q, em referência àqueles que se identificam como queer – um termo abrangente com foco na ruptura de padrões e que dá novo significado a uma gíria inglesa, de tom pejorativo – e a letra I, para incluir pessoas intersexuais.


     “Intersexo” é uma expressão usada para descrever um quadro de variações nas características corporais de um indivíduo, que não se encaixam nas definições médicas estritas do que é masculino ou feminino. Nos últimos anos, o termo LGBT ganhou mais letras e alternativas inclusivas, como a LGBTQIAP+, sigla para Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer, Intersexo, Assexuais/Agênero, Pan/Poli e mais. Na essência, a ideia de todas elas é abraçar as diferenças.


     No Censo de 2010, ao incluir a pergunta “qual o grau de parentesco com o chefe da família?”, o IBGE apurou que existem no Brasil cerca de 67,4 mil casais formados por pessoas do mesmo sexo (0,18% da população). Segundo a pesquisa Estatísticas do Registro Civil, também do IBGE, os casamentos homoafetivos representaram cerca de 0,5% do total anual de uniões do país (aproximadamente 5 mil por ano) no período de 2013 a 2016. A população homossexual no Brasil é estimada em 20 milhões de pessoas.


     Há poucos dados nacionais que ilustram os perfis sociodemográficos e de consumo desse grupo populacional. Consultorias e organizações que trabalham pela inclusão de pessoas LGBT vêm desenvolvendo pesquisas sobre essa parcela da população, para fornecer subsídios a novos estudos e embasar possíveis políticas públicas.


     A startup TODXS, que atua na coleta e no processamento de dados sobre a população LGBTI+, lançou em abril deste ano o questionário on-line “Pesquisa TODXS LGBTI+: Pesquisa Nacional por Amostra da População LGBTI+”. O objetivo é compreender o que a comunidade compartilha em relação a temas como: identidade, renda, perfil sociodemográfico, nível educacional, atuação no mercado de trabalho, compreensão política e discriminação.


     O público-alvo do estudo são pessoas LGBTI+ acima de 18 anos. Um projeto-piloto foi realizado nos meses de novembro e dezembro de 2018, em Manaus, Salvador, Goiânia, São Paulo, Curitiba e no Distrito Federal. Foram obtidas mais de 2,7 mil respostas em 19 dias de coleta. Segundo a TODXS, a primeira fase da pesquisa mostrou que serão necessários mais de 17 mil questionários para ter um recorte nacional estatisticamente relevante.

 

Consumo e estilo de vida


     A sueca Absolut Vodka foi uma das pioneiras na abordagem de temáticas voltadas ao público LGBT. Em 1981, a marca já anunciava em revistas direcionadas ao público gay masculino nos Estados Unidos. Foram várias as ações relacionadas a esse universo nos anos seguintes, como o lançamento de uma garrafa com as cores do arco-íris, assinada por Gilbert Baker, o criador da bandeira do orgulho LGBT.


     Em 2012, a varejista de moda Gap lançou a campanha publicitária “Be one”, na qual retratava um jovem ator norte-americano e seu namorado à época, dentro de uma camiseta. “Cada família é única e muitas vezes vai além dos nossos parentes. Ela também inclui as pessoas que compartilham nossas vidas e paixões mais profundas”, afirmou a marca em campanha realizada no mesmo ano, que destacava diversos arranjos familiares, incluindo casais do mesmo sexo.


     A tradicional joalheria Tiffany – criada em 1837 – apresentou a imagem de um casal de homens em uma de suas propagandas, em 2015. Não havia alianças, mas a mensagem era de apoio ao amor, “em suas diversas formas”, como afirmou uma executiva da marca no lançamento da campanha. Os modelos da propaganda eram um casal de verdade.


     Segundo a Out Leadership, associação internacional de empresas que desenvolve eventos e iniciativas com foco na inclusão da população LGBT, o consumo mundial anual desse público é de aproximadamente US$ 3 trilhões. No Brasil, o potencial financeiro do segmento é estimado pela Out Leadership em US$ 133 bilhões. Na Europa, a estimativa é de US$ 873 bilhões e nos Estados Unidos, de US$ 760 bilhões.


     De acordo com uma pesquisa feita pela empresa de consultoria Out Now durante o evento World Travel Market (WTM) 2018, realizado emLondres, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de gastos dos viajantes da comunidade LGBT no mundo. O dado integra o levantamento global LGBT 2030, painel da Out Now que abrange mais de 130 mil participantes, de 26 países.
 

     A sondagem feita no WTM do ano passado mostrou que os gastos mundiais com turismo da comunidade LGBT são de aproximadamente US$ 218 bilhões. Deste montante, US$ 26,8 bilhões são direcionados ao turismo em destinos brasileiros. O valor inclui despesas com viagens domésticas e internacionais, acomodação, refeições e outros serviços turísticos.


     Outra pesquisa da Out Now, com foco no Brasil, coletou informações de 4 mil pessoas nos meses de junho e julho de 2017. O relatório revelou que mais da metade de todos os entrevistados (53%) estava em um relacionamento e a maioria (73%) gostaria de estabelecer uma união civil em algum momento de suas vidas. Mais da metade das pessoas consultadas (55%) gostaria de ter filhos e apenas 36% haviam assumido sua orientação sexual no ambiente de trabalho. A pesquisa apontou que 51% dos entrevistados passavam ao menos 12 horas on-line diariamente.

 

“O futuro é fluido”


     O professor Fábio Mariano Borges, da ESPM, menciona números de uma pesquisa sobre a população LGBT feita pela inSearch (referentes a 2016), segundo a qual 51% dos entrevistados têm parceiro fixo, o que favorece o consumo entre casais. “O segmento gasta 71% a mais do que o público hétero com produtos cosméticos e 48% a mais com entretenimento”, comenta. Ele também aponta que 87% viajaram a lazer pelo Brasil nos 24 meses anteriores ao estudo e 43% para o exterior nos últimos cinco anos.


     “As marcas não devem promover a comunicação com esse público somente em junho, período de celebração do orgulho LGBT. Ao longo do ano, é preciso ter ações pontuais que promovam a diversidade, na organização e na sociedade civil”, destaca. Borges menciona como principais barreiras na relação entre marcas e consumidores LGBT o preconceito de gestores “e a falta de conhecimento das empresas sobre esse público”. Ele aponta que o principal equívoco é “acreditar que dialogar com o público LGBT é lançar produtos específicos para este público”.


     No mercado cosmético, grandes marcas se destacam no que diz respeito à inclusão de diversos perfis de consumidores em suas campanhas e ações de valorização da diversidade. Para Borges, contudo, o setor explora “de forma mínima” o potencial do público LGBT. “Algumas empresas, como Boticário, Natura e Avon, têm feito uma comunicação que fomenta e promove as causas da diversidade. O setor cosmético como um todo, entretanto, praticamente ignora a existência desses consumidores”, opina.


     A MAC Cosmetics, da Estée Lauder, apresentou o batom Viva Glam ao mercado em 1994, com uma campanha estrelada pela drag queen RuPaul. O objetivo era arrecadar fundos para dar suporte a homens, mulheres e crianças portadoras do vírus HIV. Nos últimos 25 anos, o produto tem sido vendido para arrecadar dinheiro em prol da luta contra o HIV e a AIDS no mundo todo – com 100% dos lucros revertidos à causa. Foram embaixadoras do Viva Glam personalidades como Lady Gaga, Rihanna e Christina Aguilera. Este ano a iniciativa foi ampliada para atender populações carentes e vulneráveis, incluindo a comunidade LGBT.


     Em 2015, a Make Up Forever elegeu a modelo transgênero Andreja Pejic para estampar uma de suas campanhas de beleza. No mesmo ano, a pernambucana transgênero Maria Clara Araújo foi a garota-propaganda da marca brasileira Lola Cosmetics. Nesta última década, um dos destaques na pauta sobre respeito às diferenças é a Avon, que tem investido em campanhas digitais como a #SintaNaPele, lançada nas redes sociais em junho de 2016.


     O vídeo – que divulgou o BB Cream Matte da linha ColorTrend – reuniu nomes da música brasileira para celebrar a diversidade e reforçar o posicionamento da marca sobre o tema. No ano seguinte, a campanha “E aí, tá pronta?”, elaborada para apresentar novos itens da ColorTrend, reforçou a causa da pluralidade com Pablo Vittar e Iza numa releitura da canção “Não deixe o samba morrer”. “Quando a gente se une, o mundo se transforma”, destacou a Avon.


     Em outubro de 2017, as cantoras MC Carol e Candy Mel e a atriz Bruna Linzmeyer estrelaram uma campanha que promovia a máscara para cílios Avon Supreme. A escolha das três protagonistas foi direcionada pelo comportamento e posicionamento que elas adotaram em suas vidas. Candy Mel é uma cantora transexual, que se tornou porta-voz de temas relacionados às questões de gênero.


     Com campanhas em tom emocional e que, em alguns casos, suscitam polêmicas, O Boticário vem reforçando o caráter transformador da beleza. A marca foi alvo de um processo aberto no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) por suposto “desrespeito à família brasileira”, em razão de sua campanha para o Dia dos Namorados em 2015. O filme “Um dia dos namorados para todas as formas de amor” mostrava o encontro romântico de casais de diferentes orientações sexuais, trocando presentes.


     Em maio deste ano, a Natura promoveu no meio digital a “Coleção do Amor”, da linha de maquiagem Faces. O filme traz os casais homossexuais Hadassa e Dayane, Nathalia e Beatriz e Gabi e Dominich se beijando. A campanha dividiu opiniões, com celebrações e sugestões de boicote à marca.


     “A Natura acredita no valor da diversidade. Isso está expresso em nossas crenças há mais de vinte anos, em nossas campanhas publicitárias, nos projetos patrocinados e em nosso corpo de colaboradores. Com o lema ‘No amor cabem todas as cores’, a nova coleção de maquiagem Faces reforça o apoio da marca à causa LGBT+, incentivando o orgulho de ser quem é e amar quem quiser”, divulgou a Natura, em comunicado. Dois anos atrás, a drag queen Penelopy Jean foi garota-propaganda de uma campanha da marca. “A primeira vez que eu vi a mulher da minha vida foi no espelho”, afirmou Penelopy, no filme que divulgou o conceito “toda beleza pode ser”.


     A atenção ao público LGBT é parte de um movimento global de contestação de padrões de beleza, que também abrange linhas de produtos e marcas “sem gênero”. Essa é a proposta da norte--americana Fluide, marca de maquiagem cujo slogan é “o futuro é fluido”. Descrita como “maquiagem colorida, cruelty-free para todas as expressões e identidades de gênero e tons de pele”, a marca doa parte de seus lucros para organizações que lutam pelos direitos LGBT. Entre os produtos de destaque, estão esmaltes e pigmentos repletos de glitter.


     Muitos dos modelos da Fluide são encontrados em espaços da comunidade LGBT e on-line. A marca informa que trabalha, sempre que possível, com fotógrafos, estilistas, maquiadores e outros colaboradores do universo LGBT.


     Em junho deste ano, a Unilever destacou um casal transgênero em sua campanha Real Hair Stories, que integra a plataforma All Things Hair (com conteúdo e dicas para o cuidado dos cabelos), no Reino Unido. No vídeo da campanha, Jake e Hannah Graf comentaram suas experiências de beleza durante a transição. A ação aconteceu logo após a estreia da campanha da Gillette com o modelo transgênero Samson Bonkeabantu Brown.


     De acordo com a Unilever, a iniciativa pretende aumentar a conscientização sobre a comunidade LGBTQ+. “Acreditamos que é uma ótima oportunidade para dar às pessoas que normalmente não são ouvidas na mídia uma voz e um espaço para falar sobre sua verdade e suas jornadas”, afi rmou Jeanette Nkwate, diretora de conteúdo da companhia.

 

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