Probióticos

Erica Franquilo

Tecnológicos e promissores

Matérias-primas

Avaliações

Novas formulações

 

Edição Temática Digital - Março de 2021 - Nº 60 - Ano 16

 

 

Tecnológicos e Promissores

 

O equilíbrio da flora bacteriana – conceito comumente associado às áreas de alimentos e bebidas – está cada vez mais presente no universo da beleza. Nos últimos anos, inovações no mercado cosmético internacional chegaram com a proposta de utilizar probióticos e prebióticos para proteger, recuperar e fortalecer as defesas da pele.

 

Desde o lançamento do Projeto Microbioma Humano, em 2007, crescem as pesquisas e o entendimento a respeito da contribuição de bactérias, leveduras, vírus e fungos para a saúde do organismo. Alimentos elaborados com probióticos e prebióticos podem melhorar o trânsito intestinal, a digestão de proteínas e o aumento da absorção de vitaminas e minerais, dentre outros resultados positivos.

 

Em síntese, prebióticos são componentes alimentares não digeríveis, que estimulam a proliferação ou a atividade de populações de bactérias boas. Eles servem como alimento para essas bactérias, estimulando-as a crescerem e a combaterem as indesejáveis. Probióticos são microrganismos vivos que, em quantidades adequadas, conferem efeitos benéficos à saúde, fortalecendo o sistema imunológico e melhorando a absorção de nutrientes.

 

A farmacêutica Patrícia Santos Lopes, professora adjunta na Unifesp Diadema, esclarece que os efeitos probióticos não estão necessariamente ligados à presença de bactérias viáveis, “uma vez que os mecanismos ou benefícios clínicos não estão diretamente relacionados a essa viabilidade”.

 

“Nesse contexto, surgiram os pós-bióticos, que são definidos como fatores solúveis (produtos ou subprodutos metabólicos), secretados pelas bactérias vivas ou liberados ela lise bacteriana, que oferecem efeitos positivos ao usuário”, explica. Patrícia integra um projeto de desenvolvimento de sistemas nanoestruturados compostos por prebióticos e pós-bióticos para aplicação em formulações para o cuidado das mãos. (veja box no final do texto)

 

Na última década, empresas de biotecnologia, como a norte-americana AOBiome, vêm realizando estudos sobre o microbioma humano, com foco em tratamentos terapêuticos para doenças inflamatórias da pele. As pesquisas da AOBiome são relacionadas às bactérias oxidantes de amônia (Ammonia-Oxidizing Bacteria - AOB) e sua importância para a microbiota cutânea e para a saúde geral do organismo. A empresa é detentora da marca de cosméticos Mother Dirt, pioneira no desenvolvimento de produtos formulados com AOB e criados para ser “biome-friendly”.

 

O AO+ Restorative Mist, um dos itens comercializados pela Mother Dirt, é “o primeiro de seu tipo a usar probióticos verdadeiramente vivos e ativos para combater bactérias causadoras de manchas e proporcionar uma pele radiante e com aparência mais saudável. O ingrediente revolucionário AOB interage com elementos encontrados naturalmente no suor para produzir dois subprodutos poderosos – nitrito e óxido nítrico –, que são essenciais para um microbioma cutâneo equilibrado”, informa o site da marca.

 

Em 2016, a Clinique lançou o Redness Solutions Daily Relief Cream, um creme de uso diário, com formulação suave e sem óleo, desenvolvido com tecnologia probiótica para proporcionar conforto instantâneo à pele vermelha e irritada. No mesmo ano, nasceu a francesa Gallinée, com produtos voltados ao microbioma da pele e desenvolvidos a partir de um conjunto patenteado de prebióticos e probióticos. Dois anos depois, a Unilever Ventures (braço de capital de negócios da Unilever) adquiriu participação minoritária na empresa.

 

Outro destaque no período foi o lançamento do Superstart Skin Renewal Booster, da marca Elizabeth Arden. Formulado com um complexo de probióticos, o sérum fortalece a capacidade natural de recuperação da pele. A composição é enriquecida com funcho do mar e extratos de linhaça.

 

 

Lançado no Brasil em 2009, o sérum Génifi que Advanced, da Lancôme, ganhou nova formulação em 2019. A composição traz frações de quatro probióticos e de três prebióticos, selecionados como fontes essenciais de açúcar, aminoácidos e lipídeos, para fortalecimento e recuperação do microbioma cutâneo. Com textura leve e refrescante, o sérum é facilmente absorvido pela pele, entregando resultados imediatos.

 

 

O aplicador, patenteado pela Lancôme, fornece a dose ideal para pele e pescoço. A marca informa que apenas uma gota do produto contém cerca de 30 milhões de frações de prebióticos e probióticos. “Em sete dias de uso, a pele se torna visivelmente mais jovem, radiante e macia”, diz a Lancôme.

 

 

 

 

 

Em agosto do ano passado, a Natura lançou o Primer Facial Neutralizador de Tons, item pré-maquiagem formulado com uma combinação de partículas difusoras de luz que atuam como um filtro de cor, uniformizando irregularidades de tons e neutralizando manchas, marcas de acne e vermelhidões. “O ingrediente prebiótico aumenta a retenção de água na pele (em até 58%), intensificando a hidratação”, informa a Natura. O produto não promove cobertura, mas neutraliza e uniformiza todos os tons de pele, com acabamento natural.

 

 

 

 

A linha de cuidado facial da Vult, marca do Grupo Boticário, chegou ao mercado em 2020 para “descomplicar rotinas de skin care”. Com itens para limpar, tratar e hidratar, a linha oferece séruns com ácido hialurônico puro e vitamina C na concentração de 10%, que ajudam na produção de colágeno e no combate aos radicais livres, mantendo a elasticidade e a hidratação da pele.

 

A etapa de tratamento inclui o Sérum Anti-Idade Preenchedor Ácido Hialurônico Puro, que oferece resultados visíveis a partir do 28º dia de uso e traz probióticos na formulação.

 

A Máscara Detox de Carvão, com tecnologia prebiótica, associa extratos vegetais e carvão ativado, com o objetivo de acalmar, suavizar, hidratar e reduzir a vermelhidão da pele.

 

Outra marca do Grupo Boticário, a Quem Disse, Berenice?, tem no portfólio a Bruma Facial Protetora, lançada em fevereiro deste ano. O produto, que pode ser utilizado na pele com ou sem maquiagem, une tecnologia prebiótica e ácido hialurônico para hidratar e promover a sensação de efeito lifting.

 

A marca destaca que o lançamento é ideal para quem busca maior proteção da pele: “a bruma tem ação contra microrganismos, protege contra danos e poluição e combate os efeitos da luz azul, que podem acelerar o envelhecimento. Ela aumenta em três vezes a duração da maquiagem, deixando um acabamento perfeito”.

 

 

Matérias-primas

 

“Quando falamos em produtos para a saúde e o equilíbrio do microbioma, o primeiro passo é definir corretamente as classes de ativos relacionados. Prebióticos são ingredientes cosméticos utilizados pela microbiota seletivamente, permitindo ao produto cosmético conferir um benefício específico. Na maioria das vezes, são açúcares, sendo que os principais são frutooligossacarídeos (FOS) e glucooligossacarídeos (GOS)”, diz Daniella Lopes Francischetti, gerente de marketing da Solabia.

 

O Bioecolia, ativo prebiótico da Solabia, age por meio de um mecanismo biosseletivo: “a ligação que une as moléculas de glicose é metabolizada apenas pelos microrganismos saprófitos que se desenvolvem em detrimento dos patogênicos e/ou indesejáveis”. Ela ressalta que, além da ação prebiótica, o diferencial do ativo “é sua capacidade de estimular a produção de β-defensinas, tanto na pele quanto na área íntima, melhorando o sistema de defesa natural dessas microbiotas”.

 

Em 2020, a Solabia realizou estudos complementares de metagenoma, utilizando a técnica do RNA 16s para comprovar a ação prebiótica do Bioecolia. “Devido ao reconhecimento mundial da importância da saúde do microbioma, são vários os produtos formulados com esse ativo, como os voltados ao cuidado do rosto, corpo e cabelo, além de linhas para bebês e pets”, menciona. O Bioecolia está nas composições do corretivo The POREfessional, da marca francesa Benefit, e da paleta de sombras da também francesa Zao Makeup.

 

Daniella aponta que a maioria dos cosméticos probióticos disponíveis no mercado utilizam, na verdade, os pós-bióticos. “São ingredientes não viáveis, constituídos de probióticos inativados ou derivados de probióticos, lisados ou seus metabólitos. Pós-bióticos são igualmente ativos e eficazes, porém muito mais fáceis de ser empregados, por não exigirem condições específicas de embalagem e armazenamento”, salienta. O ativo Ecoskin traz em sua composição Lactobacillus casei e Lactobacillus acidophilus em suas formas inativas.

 

Ela afirma que a ação do produto vai além do equilíbrio da microbiota cutânea. “Testes in vivo mostram que, após 28 dias de utilização de um creme com Ecoskin, a pele fica mais radiante e nutrida, com redução das sensações de desconforto e prurido relacionadas à pele seca. A profundidade dos sulcos do microrrelevo é diminuída (efeito suavizante) devido ao aumento da isotropia (efeito reestruturante) da pele”, afirma. O Ecoskin faz parte das composições do Serum Advanced Genifique, da Lancôme, e da linha de bases L’Essentiel, da Guerlain.

 

No início deste ano, a DSM apresentou estudos para atestar a eficácia antioleosidade e antiacne do novo Alpaflor ALP-Sebum CB, ativo dermatológico orgânico com ação prebiótica que reduz a oleosidade e equilibra o microbioma da pele oleosa, por meio da inibição da enzima 5-α-reductase.

 

“Evidências robustas coletadas no teste de mapeamento facial 3D identificam a redução da produção de sebo em 17% em todas as áreas faciais após quatro semanas, além da redução de lesões não inflamatórias (-45%) e de porfi rinas (-65%)”, diz Juliana Flor, gerente técnica da DSM. A mesma tecnologia foi aplicada para identifi car a efi cácia prebiótica do ativo na regulação do microbioma da pele, que adquire aspecto mais saudável e tem suas defesas fortalecidas.

 

Os resultados obtidos demonstram que o Alpaflor ALP-Sebum CB diminui a probabilidade da pele acneica apresentar poros dilatados, inflamações e irritações, graças à redução de bactérias “problemáticas”, como a Staphylococcus capitis e a Corynebacterium kroppenstedtii. “Ele ainda promove o aumento da presença de bactérias benéficas às defesas da pele, como a Staphylococcus epidermidis e a Micrococcus yunnanensis”, acrescenta.

 

No mercado internacional, o ativo integra as formulações dos produtos Purifying Clay Mask (Paula’s Choice), Pure Scrub e Hydra-Matte Lotion (Clarins) e Anti Blemish Biocellulose Facial Mask (111Skin).

 

 

Ana Carolina Albertini, gerente técnica da Sarfam, destaca as soluções da empresa para esse mercado:

 

 

 

• Hydro’Feel – ativo hidrossolúvel, 100% natural, extraído das flores de marshmallow, com certificações COSMO e Ecocert. “Ele é considerado um prebiótico devido à alta concentração de açúcar em sua composição”, diz Ana Carolina. Testes comprovam a eficácia do ativo no que diz respeito ao alto efeito hidratante, à melhora qualitativa e quantitativa da microbiota e à diminuição da descamação da pele.

 

• Yogurtene Balance – ativo prebiótico, com certificações COSMO e Ecocert, que atua no equilíbrio da microbiota para conferir uma pele mais saudável, com fortalecimento da barreira natural. Ele fornece substrato para as bactérias boas, estimulando seu crescimento e diminuindo os microrganismos patogênicos.

 

• Revivyl – ativo prebiótico hidrossolúvel, 100% vegetal e com certifi cação COSMO. “É reconhecido como um ativo holístico, pois atua em todas as camadas da pele, ativando seu ciclo de regeneração”, explica. Revivyl tem seis mecanismos de ação, com eficácia no estímulo e diferenciação das células-tronco da pele e na proteção da microbiota.

 

• Hyalumae PF – ativo considerado pós-biótico por ser desenvolvido a partir do ácido hialurônico. Proporciona todos os benefícios do ácido hialurônico de alto peso molecular, além do claim “preservative free”.

 

• Deoplex Clear – ativo natural pós-biótico altamente eficaz para neutralização de maus odores. Deoplex Clear tem como mecanismo de ação a neutralização das moléculas por ações enzimáticas, podendo ser utilizado em vários produtos cosméticos, incluindo o segmento pet care.

 

 

Avaliações

 

A Kosmoscience realiza testes para a identificação de microrganismos no microbioma cutâneo e para a mensuração do impacto de formulações cosméticas prebióticas e probióticas na homeostase da pele. Nos estudos clínicos, os participantes são selecionados de acordo com características fisiológicas específicas ou a presença de alguma desordem cutânea. Esses estudos permitem avaliar a microbiota cutânea em condições normais de uso do produto, considerando os hábitos de vida de cada participante.

 

“A microbiota total da pele é coletada por meio de swab do sítio de estudo, antes e após o uso do produto. A avaliação da população microbiana pode ser feita utilizando métodos mais convencionais, como o crescimento de colônias em placas, ou mais complexos e robustos, como o RT-PCR e o sequenciamento de RNA (ribossômico 16s) ou DNA (18s)”, explica Samara Eberlin, gerente técnica América Latina do Grupo Kosmoscience.

 

No que diz respeito aos cosméticos probióticos, um dos desafios é “eleger métodos válidos para nortear os caminhos na elaboração da formulação”, diz Adriano Pinheiro, diretor-executivo do Grupo Kosmoscience. “Normalmente, os métodos mais sensíveis são aqueles mais tecnológicos, como o RT-PCR e o sequenciamento genético associado à bioinformática”, menciona.

 

Ele ressalta que essas técnicas “requerem um ‘n’ experimental largo para gerar dados assertivos e estatísticos. É uma área pobre em literatura bibliográfica, o que demonstra a necessidade de investimentos sólidos e sustentáveis”.

 

Para o químico, probióticos constituem um segmento extremamente importante quando destinados ao público acometido por desordens cutâneas, como a dermatite atópica, e às pessoas que fazem uso excessivo de produtos com agentes antissépticos e que apresentam faixas de pH extremas. “Probióticos têm futuro promissor. Certamente, quando forem mais bem ‘decifrados’, entregarão ao consumidor produtos que tratam e cuidam da pele com maior propriedade”, afirma.

 

 

Michelle Sabrina, coordenadora de estudos in vitro do Grupo Medcin, explica que um dos métodos mais tradicionais para a avaliação de formulações cosméticas com ações prebióticas, probióticas e pós-bióticas é a quantificação de um importante peptídeo antimicrobiano, chamado beta-defensina 2.

 

 

Ele está naturalmente presente na pele e confere proteção contra a disbiose, situação em que há um desequilíbrio entre os microrganismos benéficos e os agressores. “Com a avaliação desse marcador biológico em um modelo de pele humana ex vivo, podemos inferir indiretamente se a formulação é capaz de favorecer o equilíbrio da microbiota”, diz a bióloga.

 

Nos testes clínicos, ela menciona a contribuição de ferramentas mais sofisticadas, como o PCR em tempo real (qPCR) e a metagenômica, o estudo do material genético extraído de comunidades microbianas. “Nos ensaios de qPCR, elencamos microrganismos alvos que estão associados ao apelo do produto e verificamos a sua frequência na pele. A interpretação desse resultado vai depender do papel que esses microrganismos desempenham”, comenta. Em alguns casos, o ideal é que a frequência permaneça estável. Em outros, a exemplo dos produtos destinados à pele acneica, existem grupos de microrganismos cuja frequência tem de ser reduzida.

 

A metagenômica oferece uma visão global do impacto da formulação em toda a população de fungos e bactérias presentes na pele. “Hoje esta é a análise mais sofisticada que temos para entender o microbioma cutâneo, mas ela não é necessariamente a mais indicada. Para definir as estratégias de análise, precisamos ter bem claros os objetivos de entrega do produto e conciliá-los com as ferramentas tecnológicas que temos à disposição”, ressalta.

 

A dermatologista Flavia Addor, diretora técnica do Grupo Medcin, menciona o avanço tecnológico para o desenvolvimento de pós-bióticos, mas lembra que é fundamental analisar a viabilidade desses ingredientes na formulação: “eles devem reproduzir o efeito do probiótico, restabelecendo o microbioma natural da área que se propõem a tratar”.

 

“Sabemos, por exemplo, que o microbioma do couro cabeludo saudável é bem diferente do microbioma da pele do pé saudável. Ambos podem albergar fungos de espécies diversas, com comportamentos distintos. Antes de escolher quais ingredientes do grupo dos bióticos serão usados na formulação, é importante determinar o local de uso, a indicação e os parâmetros a serem avaliados, para desenvolver um produto que justifi que a incorporação desses ativos”, argumenta.

 

 

Novas Formulações

 

Em janeiro, o Centro de Inovação em Materiais da Universidade Federal de São Paulo (CIM-Unifesp), unidade que integra a rede Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), assinou um acordo de parceria envolvendo as empresas Shanghai Pechoin Biotech e Solabia Biotecnológica para o desenvolvimento de formulações com ativos veiculados em nanopartículas, para aplicação em produtos para as mãos.

 

A iniciativa está alinhada ao crescimento da demanda por produtos que ofereçam praticidade e segurança, bem como à necessidade de validar novos antissépticos para as mãos. Serão desenvolvidos e testados sistemas nanoestruturados compostos por prebióticos e pós-bióticos e por agentes com potencial ação virucida, com a finalidade de restabelecer o balanço no ecossistema da pele e prevenir a covid-19.

 

“A inovação é quase que mandatória para sobreviver no mundo moderno. O distanciamento entre a universidade e as indústrias, que ainda acontece no Brasil, prejudica a possibilidade de desenvolvimento de ambas. O projeto Embrapii veio para incentivar essa aproximação, promovendo o compartilhamento de tecnologia e transformando conhecimento em produtos, processos e serviços”, comenta Vânia Leite, docente da Unifesp e coordenadora do projeto.

 

Com previsão de conclusão em dez meses, o estudo será desenvolvido no Laboratório de Farmacotécnica e Cosmetologia, ligado ao CIM-Unifesp, e terá as participações dos professores Newton André Filho e Patrícia Santos Lopes, além de alunos e pesquisadores da Unifesp.

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