Planolândia: Um romance de muitas dimensões


Autor: Edwin Abbott Abbott

Editora: TORDESILHAS



Uma visão do quão difícil é libertar-se dos preconceitos.

Planolândia, um romance de muitas dimensões.

por Carlos Alberto Pacheco


É um daqueles romances distópicos que nos fascinam do início ao fim. A obra se apoia em uma narrativa fi ccional na qual figuras geométricas animadas apresentam difi culdades em aceitar a possibilidade da existência de outras dimensões espaciais. Essas dimensões não podem ser percebidas por si mesmas pelo simples fato de estarem mentalmente limitadas às suas próprias dimensões físicas.

A obra narra a vida de uma fi gura geométrica chamada Ponto, que, por conseguir perceber os movimentos norte, sul, leste e oeste, e acima e abaixo, se julga um ser único e solitário na Pontolândia. Na obra, o autor fala também sobre o complexo sistema de reconhecimento entre os habitantes da Linholândia, pelo fato de esses personagens, chamados Linha, apenas reconhecerem os movimentos norte e sul. Já o personagem central da narrativa, o Quadrado, por habitar a Planolândia, está convencido de que o mundo é bidimensional e acha bizarra a vida nesses dois mundos inferiores. Ao mesmo tempo, por não entender os movimentos acima e abaixo, o Quadrado resiste em aceitar a ideia de que exista um mundo em três dimensões, a Espaçolândia, habitada por fi guras geométricas chamadas Sólido. Somente quando um sólido, a esfera, tira o Quadrado do plano de duas dimensões é que a visão de mundo dessa fi gura geométrica é alterada. A partir daí, a vida do pobre Quadrado se complica quando ele tenta explicar, aos demais habitantes de seu mundo, seu conhecimento libertador.

O enredo vai revelando, pouco a pouco, o quão fácil é percebermos a pequenez dos preconceitos dos outros e que, mesmo à luz da razão, podemos ter difi uldade de dissolver os nossos próprios preconceitos. Até mesmo para os sólidos tridimensionais a ideia da existência de um mundo comportando mais dimensões que as suas é um absurdo, cunhando assim a frase lapidar, completa e atemporal: “Ai de nós, a cegueira e o preconceito são traços comuns à humanidade em todas as suas dimensões”. Sim, sempre somos prisioneiros dos preconceitos dimensionais de nossa época.

Atualmente, a Física moderna, que se encontra em sua segunda fase de desenvolvimento histórico, preconiza matematicamente, por meio da Teoria das Cordas, que há a possibilidade de existirem 11 dimensões no Universo, sendo três dimensionais, uma atemporal e sete chamadas de recurvadas, caminhando para a explicação de um mundo quântico por meio de partículas unidimensionais.

Caso venha a ser provada, essa teoria vai inaugurar a terceira fase da Mecânica Quântica, desbancando Albert Einstein, como esse desbancou Isaac Newton, que, por sua vez, superou Galileu Galilei, dando-nos uma nova visão de mundo.

Porém, a narrativa de Planolândia vai além de crises existenciais no âmbito dimensional. Ela inclui na primeira parte, como argumento reforçativo do enraizamento dos preconceitos, um aspecto muito interessante da natureza humana, que é o da separação entre classes. Dentro da própria Planolândia as figuras geométricas são agrupadas por castas de privilégios e o enredo discorre sobre como os habitantes lutam pela ascensão social e, inconscientemente, reproduzem os malévolos mecanismos de sustentação dessa mazela humana. Note-se que as figuras geométricas não demonstram ter o desejo de que haja a eliminação das diferenças nocivas entre as classes, apenas buscam maneiras para ter sucesso na almejada escalada social. Essa ascensão é representada pelo acúmulo de ângulos que uma fi gura geométrica pode obter ao longo das gerações, tendo o círculo como seu ideal de vida.

Descreve a participação da mulher como ser inferior e os clérigos como o topo da pirâmide dominante - círculos perfeitos.

A narrativa também trata de outros aspectos, como a eugenia e os mecanismos políticos de supressão de rebeliões, nada mais atual do que temos visto nas duas primeiras décadas do século XXI, ainda marcado por tantas desigualdades sociais