Darcy Ribeiro O Povo Brasileiro

Darcy Ribeiro O Povo Brasileiro

Edição

Edição Atual - DIY

DIY


Autora: Darcy Ribeiro
Editora: Global



Por que somos tão desiguais?

Um livro para quem quer saber por que somos o que somos atualmente, mas também os porquês de não sermos o que gostaríamos de ser, em termos de identidade nacional

por Carlos Alberto Pacheco


Estou seguro de que muitos, em algum momento da vida, já devem ter se formulado tal questão, porém estou mais seguro ainda de que não obtiveram uma resposta assertiva. Para chegarmos mais perto de uma resposta, sem sermos conclusivos, temos que visitar o passado, a formação, as origens do atual povo. Darcy Ribeiro, antropólogo, fez isso em “O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil”, editora Global.

O autor retrocedeu na história e fi cou de frente ao crisol que forjou o povo presente, partindo das particularidades individuais das civilizações de origem e fundindo-as na nova civilização que deu origem ao que somos hoje: brasileiros. Diferente de muitos outros estudiosos de sua época, ele parte sua análise se afastando de uma visão eurocêntrica e apresenta ao leitor uma visão do fenômeno civilizatório de dentro para fora.

De maneira mais precisa, poderíamos falar de muito mais civilizações formadora do povo brasileiro do que apenas três, visto que se tinha de modo mais unitário apenas o português como civilização etnicamente pura. O índio se apresentava espalhado pelo território em várias etnias bem diferentes em caráter e modos, ou seja, sem uma unidade cultural em todo o território. O negro, posteriormente trazido, representava uma enormidade de civilizações maior ainda em quantidade do que a dos índios, posto que vinham de origens do interior da África tão diversas quanto possível. Como civilizações distintas e com visão de mundo tão diferentes puderam se fundir em uma só?

Da mistura do europeu com o índio surgiu em terra local o que se chama de brasileiros de origem, também conhecidos com brasilíndios ou mamelucos que viviam uma dura crise de identidade: não se consideravam donos da terra, pois viam seus ancestrais locais como incivilizados, porém não eram aceitos em sua nova visão de mundo como europeus. Com o surgimento dos mulatos (filhos de brancos com negros) e afrodescendentes (filhos de negros com negros) foi dando origem a formação de outra crise de identidade. Esses não se identifi cavam com a terra que não eram de seus ancestrais e nunca poderiam aspirar uma ascendência europeia. Na prática se consideravam ninguém, apátridas, menos “gente” do que os demais e por isso portadores de uma angústia existencial maior, além do fato de que os nascidos locais se sentissem superiores aos negros estrangeiros. Pouco a pouco, no bojo dessa civilização, veio surgindo os reinóis (fi lhos de casais portugueses nascidos em terra local) que também não eram aceitos pela metrópole como europeus e para compensarem essa rejeição social se sentiam superiores a todos os outros locais. Toda essa mistura de gente em formação tinha algo em comum: um desejo de identidade europeia negado por uma metrópole xenófoba. A percepção da não aceitação de todos esses grupos foi dando identidade aos brasileiros, que apesar de serem vítimas de uma frustação coletiva, não conseguiam ser únicos em uma identidade local, dando surgimento as mais diversas classes sociais: africanos, mulatos, índios, mamelucos, reinóis e, no topo da escala social, portugueses natos de origem.

Com a colonização do interior essa nova massa de gente frustrada com sua identidade, isolada pelas dimensões continentais do território, foi se espalhando e formando suas próprias identidades locais com muitas dores de parto (crioulos, caboclos, sertanejos, caipiras, gaúchos, matutos e gringos), todos carregando no inconsciente coletivo a dor do abandono daqueles que eram o alvo de suas admirações mais caras. Esse drama de identidade não resolvido ao longo do tempo deu origem ao que Nelson Rodrigues, dramaturgo, cunhou de “complexo de vira-lata”. Para ele, “por ‘complexo de vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.”

Essa referência bibliográfi ca é muito válida para quem quer de fato entender porque somos o que somos atualmente, mas também dos porquês não somos o que gostaríamos de ser em termos de identidade nacional.

Na mesma linha desse livro há Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre (Global), Os donos do poder de Raimundo Faoro (Biblioteca Azul), e para os que gostariam de ver uma visão de fora para dentro, recomendo Hello, Brasil! de Contardo Calligaris (Fósforo Editora).