Autor: James L. Gelvin
Editora: Edipro
Israel x Palestina: 100 anos de guerra
por Carlos Alberto Pacheco
Iniciamos o ano de 2023 com uma nova guerra (Ucrânia x Rússia, motivadas por razões econômicas) e acabamos adicionando aos noticiários mais uma guerra (Israel x Palestina, essa de origem étnica).
Há séculos a região do Oriente Médio sangra e, a partir da fase final da queda do Império Turco-Otomano até o início da Primeira Guerra Mundial, começou a ganhar novos contornos uma particularidade dos inúmeros conflitos que a região enfrenta. A referida particularidade entrou para a história com o nome de “questão palestina” ou “questão da Palestina”.
A preferência pelo uso de um ou do outro termo segue conforme o viés político, ou histórico, a ser dado ao problema, que já conta com mais de 100 anos de existência em sua fase “moderna”. Os que preferem o primeiro termo colocam a perspectiva do assunto na etnia palestina como o principal ator em relação à situação e usam esse termo para se referir às aspirações nacionalistas do povo palestino. Já os que preferem o uso do segundo termo o fazem porque centralizam a questão no território palestino, nos problemas relacionados à posse da terra, nas fronteiras entre Palestina e Israel e no status da cidade de Jerusalém. Como se vê, até o nome do imbróglio não é de fácil resolução, assim como tudo o mais que se relaciona aos atores políticos envolvidos nessa questão.
É essa temática que o professor de História Moderna do Oriente Médio, da Universidade da Califórnia, James L. Gelvin, descreve de forma extremamente didática em seu livro Israel x Palestina — 100 anos de guerra. A obra abrange o período inicial dessa fase moderna, com os primórdios do movimento sionista do final do século 19, até os ecos da Primavera Árabe da segunda década do século 21. Rico em mapas históricos que permitem acompanhar a evolução do conflito, munido de excelente glossário de termos desconhecidos do público leigo ocidental e disponibilizando vasta bibliografia de personagens e acontecimentos do período, o livro nos oferece uma agradável leitura. Sem dúvida, é uma excelente obra de entrada para quem quer tentar entender a intricada problemática do Oriente Médio.
Infelizmente, a moderna crise instalada no Oriente Médio pode chocar a humanidade, mas não nos surpreende. Os nascidos na década de 1960 estão acostumados com as atrocidades cometidas em três das cinco guerras que a região vivenciou na segunda metade do século passado: 1956 — a Guerra do Canal de Suez, travada entre Israel e vários países árabes, e motivada pela tentativa de nacionalização do Canal de Suez pelo então presidente egípcio Nasser; 1967 — a Guerra dos Seis Dias, entre Israel e países vizinhos árabes, motivada pelo bloqueio naval do Estreito de Tiran pelos egípcios; e 1973 — a Guerra do Yom Kipur, entre Israel e países vizinhos, para tratar a questão da devolução à Israel das terras que haviam sido ocupadas na guerra anterior (a Península do Sinai, as Colinas de Golã, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, além da parte leste da cidade de Jerusalém). Para os mais longevos, ainda há 1948 — a Guerra de Independência de Israel, entre judeus e árabes, e para os mais novos a atual — a Guerra na Faixa de Gaza, entre israelenses e palestinos.
Como se pode ver, houve muitos conflitos e ficaram de fora dessa lista: 1982 — a Guerra entre Israel e Líbano; as duas intifadas (intifada é um termo árabe que significa “sacudir”), que ocorreram de 1987 a 1993 e de 2000 a 2005; e os inúmeros ataques terroristas perpetrados contra civis tanto dentro da Palestina como externamente ao solo palestino.
A beligerante região hospeda inúmeros grupos políticos palestinos armados, como o Hamas, o Hezbollah e o Fatah, todos financiados por países árabes contrários à existência do Estado de Israel, além dos persas do Irã e do Afeganistão, e dos turcos.
Todos esses grupos armados objetivam a criação do Estado Palestino, sendo que alguns negam a existência do Estado de Israel e outros a aceitam, alguns privilegiando as vias diplomáticas, outros o fazem por meio da prática terrorista.
Quem busca uma solução fácil para o problema desconhece suas raízes, que envolvem a tese israelense sobre a posse da terra a partir da presença de Abraão na região, apesar de sua ocupação pelos judeus não ter sido contínua até a queda do império Turco-Otomano. Do lado palestino, a narrativa defende a presença contínua dos palestinos na região, que antecede a presença abraâmica, tendo havido a presença dos cananeus (no centro) e dos filisteus (na Faixa de Gaza), que foram expulsos pelos hebreus durante a formação do antigo reino de Israel pelos reis hebreus (principalmente Davi), até o início das imigrações judias.
Para muitos, a solução do problema passa pela formação de dois Estados (Israel e Palestina) nos moldes, entenda-se, com as fronteiras e a distribuição territorial conforme a proposta da Organização das Nações Unidas (ONU), feita em 1947 e negada inicialmente pelos palestinos e atualmente pelos israelenses também. Outros acreditam que um Estado único binacional resolveria a situação, mas essa solução, ao longo do tempo, havia sido aceita pelos israelenses (hoje, não mais) desde que o Estado fosse judaico, situação inadmissível para os palestinos. Há quem acredite que a retirada dos assentamentos israelenses das áreas palestinas (Cisjordânia e Faixa de Gaza), a devolução das Colinas de Golã à Síria e a aceitação de Jerusalém como cidade internacional seriam suficientes para pôr fim ao conflito, conforme a política de “terra pela paz”, proposta no Acordo de Oslo (1993).
Muito mais se tem para falar sobre os aspectos étnicos, religiosos e nacionalistas dessa pequena e conturbada área do planeta que ainda sonha. Mas essa é uma história extensa que apenas uma boa literatura pode cobrir.