A Era da Incerteza


Autor: Tobias Hünter
Editora: Crítica


A Era da Incerteza


por Carlos Alberto Pacheco


Assim é a natureza da luz: nem apenas uma onda eletromagnética, nem somente partícula quantizada e sem massa (os fótons), mas, incrivelmente e contra intuitivamente, onda e partícula ao mesmo tempo. Dependendo da característica da luz que se pretende observar, ela assume uma ou outra perspectiva nos equipamentos de medição. No entanto, ela não deixa de ser uma onda ao ser detectado o fóton e nem deixa de ser fóton ao se medir suas propriedades de ondas. Sem dúvida, a luz torna-se o fenômeno mais suis generis que a natureza pode nos oferecer. Como certa vez o geneticista J. B. S. Haldane disse: “… o universo não é apenas mais estranho do que supomos, é mais estranho do que podemos supor”.

Esse era o tema que agitava os saraus nas três primeiras décadas do século XX nos conceituados institutos de física localizados no eixo Berlim, Gottingen, Copenhague e Cambridge: A dualidade onda-partícula da luz. O que de fato é a luz? Pode um mesmo fenômeno ter dois comportamentos tão distintos simultaneamente? Essas indagações questionaram a velha, determinística, estável, e bem experimentada mecânica clássica de Newton, e deram origem à nova, controversa, probabilística e também experimentada mecânica quântica. Essa teoria surgiu com vários nomes e rostos, não visando tornar obsoleta a anterior, mas sim de reinterpretá-la no nível atômico.

O autor Tobias Hünter (A Era da Incerteza, editora Crítica), no estilo narrativo de divulgação científica, explora esse assunto não através da pesada matemática, com as equações matriciais de Heisenberg ou as equações diferenciais parciais de Schrödinger, mas sim pelo caminho das ideias. Na época, por falta de tecnologia mais precisa de medições, os físicos recorreram a experimentos mentais, como elétrons passando por fendas imaginárias e ondas invisíveis se colapsando, para expor o até então desconhecido comportamento das partículas atômicas.

O que se vê é a imaginação buscando as evidências e não as evidências moldando as teorias. Essa maneira de desenvolver o pensamento científico não era habitual. A física quântica era, e ainda é tão abstrata que, como todas as coisas abstratas, deve começar primeiro no pensamento para só depois receber contornos formalistas.

Hünter amarra o desenvolvimento da teoria onda-partícula no contexto político gerado pela I Guerra Mundial e a ascensão de Hitler. Ele descreve picantemente como a geopolítica aproximou alguns físicos, enquanto outros se tornaram párias. Os encontros deixaram de ser visitados tanto por questões de protestos políticos, como por risco de segurança física para alguns judeus em solo nazistas ou fascistas. Exemplo: passados oito anos após o fim da I Guerra Mundial, o físico belga De Broglie usava de muita diplomacia junto ao rei da Bélgica, Albert I, para permitir que cientistas alemães pudessem visitar o país para uma frutífera troca de informações técnicas/científicas. Com o avanço do partido nazista, a troca de ideias entre alguns expoentes não alemães tornou-se pouco a pouco árida, à medida que as posições políticas tinham lugar, chegando a ponto de os isolados alemães clamarem por uma “teoria da mecânica quântica mais germânica e menos judaica”. Caso tenha dificuldade em entender esse clima de tensão exacerbado, basta recorrer às recentes lembranças da politização que a Covid-19 causou na sociedade. Em ambos os casos, a palavra de ordem era a intolerância.

O autor também introduz no enredo o fator humano. A narrativa desvela a visão estereotipada que temos de um cientista de jaleco branco cercado por tubos de ensaio, e apresenta-o como um homem mortal, cheio de preconceitos, sujeito aos vícios da juventude libertina e crenças pessoais. No entanto, deixa claro também que eram homens determinados, guerreiros e ávidos por conhecimento. A descrição da personalidade de Wolfgang Pauli e seus problemas com alcoolismo e relacionamentos amorosos é um dos pontos altos da profundidade que o autor descreve da psique desses gênios. Em outras palavras, eram homens como qualquer um de nós, vivendo seus credos científicos com tanto ardor, defendendo suas visões de mundo. Homens com os mesmos medos e esperanças que o mundo nos oferece hoje.

Confesso que um pouco de conhecimento de física seria interessante para entender mais profundamente o que está no centro dos debates técnicos descritos pelo autor. No entanto, mesmo para os não iniciados, a narrativa acrescenta o essencial: uma visão desapaixonada da ciência e como a vaidade e rivalidades pessoais podem influenciar no avanço de grandes ideias. Nada mais atual do que o mundo que nos cerca.