Mais uma vez Ucrânia

Mais uma vez Ucrânia

Edição

Edição Atual - Terceirização

Terceirização


Autor: Serhy Yekelchyk
Editora: Edições70


Ucrânia, o que toda a gente precisa de saber


por Carlos Alberto Pacheco


Começo assim essa resenha porque a Ucrânia, já há muito tempo, nunca foi um lugar ao qual a palavra paz pudesse ser associada. Não vou recuar muito na história, mas podemos trazer o foco para os conflitos ocorridos na região da Crimeia.

Não estou falando só do conflito que ocorreu em 2014, mas começo pelo episódio ocorrido em 1853, que na época redesenhou o mapa da Europa. Fala-se pouco desse episódio ao se estudar história geral, pois esse evento acabou eclipsado pelas duas guerras mundiais que engoliram o século XX. Porém, sem dúvida, foi o maior evento que varreu a Europa do século XIX. Visto ter dado um novo patamar ao nível tecnológico da guerra, a história considera esse evento a antessala da Primeira Guerra Mundial. Introduziu em combate, no chamado mundo civilizado, o emprego da tecnologia industrial, navios de guerra blindados e de minas submarinas, largo uso das estradas de ferro, técnicas de entrincheiramento de soldados, médicos com permanência direta no campo de batalha e principalmente pela vasta cobertura da imprensa, tendo sido a primeira a ser fotografada e telegrafada entre continentes. Na época, os motivos que justificavam a guerra baseavam-se nas questões religiosas vigentes: o Império Russo tinha como ideais a governança de todos os cristãos ortodoxos e o domínio da Terra Santa, não havendo mais espaço para os turcos otomanos que professavam o islamismo. Porém, as razões imperialistas que estremeceram com forças titânicas os Balcãs, o Báltico e até o Pacífico não passaram desapercebidas pela Inglaterra (que temia perder para a Rússia a joia mais brilhante da Coroa britânica – a Índia britânica) e pela França (que ainda estava ainda ressentida com as derrotas napoleônicas para os russos, em Waterloo). Não podemos perder de vista que em outros tempos as nações eram abertamente imperialistas, diferentes das atuais, ditas “democracias”. A Rússia sucumbiu em Sebastopol, na Crimeia, mas influenciou, militar e politicamente, no além-mar, outros conflitos ocorridos na segunda metade do século XIX, como a Guerra de Secessão Americana e a Guerra do Paraguai – igualmente sangrentas, igualmente inúteis.

Na segunda metade do século XX, a região voltou a ferver, porém por razões bem diferentes das que mergulharam o mundo no conflito do século XIX. A região, anteriormente importante pelo turismo, pelo vinho e pelo abrigo das bases navais, ascendeu em importância na virada do século XX, com a exploração offshore e onshore dos campos de gás. Desde 1990, após sua independência política, a região, russófona e ligada ao passado histórico tanto do imperialismo russo como do soviético, preferiu promover uma identidade regional russófona – independente da Rússia e, com o tempo, em 2004/2014, da Ucrânia. A Rússia, vendo uma brecha na matriz étnica, pôs-se em marcha para “proteger os seus compatriotas”, sem se preocupar com a vontade dos maiores interessados – os ucranianos habitantes da Crimeia, pois seus objetivos eram, e ainda são, a construção do novo Império Russo sob a liderança de Vladimir Putin e o impedimento técnico da entrada da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Por uma questão de espaço, pulei uma época da conturbada história da Ucrânia: o os horrores do período de 1920 a 1954, que merecem espaço específico para alertar o mundo sobre o que aconteceu por lá durante a era de Josef Stalin. Para ter uma rápida ideia sobre isso, procure no Google o que vem a ser holodomor (que se refere ao genocídio ucraniano praticado pelos russos).

Todos esses assuntos e muito mais sobre essa nação – que é o segundo maior país europeu (aproximadamente, a Ucrânia é do tamanho da Alemanha e do Reino Unido juntos e perde apenas para a Rússia), dono do que é considerado o “celeiro da Europa”, em virtude da bacia do rio Dnipro, e base geopolítica de distribuição de gás para o oeste europeu –, vão continuar sendo foco de muitas notícias e conjecturas políticas internacionais.

Para entender quem são os ucranianos, sua etnia, sua religião, seus valores, sua cultura e seu passado histórico, o livro Ucrânia, o que toda a gente precisa de saber, de Serhy Yekelchyk, da editora Edições 70, é um excelente começo. Esse livro nos ajuda a compreender o que acontece do outro lado do mundo, mas que nos afeta e poderá afetar ainda mais, em curto prazo, se o conflito continuar a ponto de serem necessárias maiores intervenções internacionais.

Na mesma linha desse livro, sugiro a leitura de Crimeia: a história da guerra que redesenhou o mapa da Europa no século XIX (Orlando Figes, editora Record) e de Ucrânia: o cabo de guerra entre a Rússia e o Ocidente (Janvier T. Chando, editora Amazon).