Enzimologia em Cosméticos

Vinay Kumar Singh
Paramount Cosmetics India Limited, Bangalore, Índia

 

Tipos de Enzima

Coenzimas e Cofatores

Enzimologia em Cosméticos

Captação de Radicais Livres

Decomposição da Proteína e Reforço da Barreira    

Combate a Bactérias 

Combinação de Benefícios

Conclusões

Referências

 

artigo publicado na revista Cosmetics & Toiletries Brasil, Mar/Abr de 2019, Vol. 31 Nº 2 (pág 16 a 18)

     Enzimas são proteínas complexas, produzidas por organismos vivos que atuam como catalisadores de reações bioquímicas específicas. Embora as enzimas tenham sido descobertas em 1833, somente em 1926 foram definidas como exclusivamente proteínas ativas.

     A diástase do malte foi a primeira enzima a ser extraída e, posteriormente, a amilase mostrou ser uma enzima que converte o amido em açúcar.1

     Enzimas são responsáveis por controlar milhares de reações em uma célula. Em dado momento, todo o trabalho que ocorre dentro de uma célula é conduzido por enzimas.2 Essas proteínas, sensíveis à temperatura e ao pH, são máquinas de produção de reações químicas altamente específicas, que têm propriedades interessantes. Essas reações podem ser específicas tanto em relação ao tipo de cada uma quanto ao tipo de substrato que estiver sendo utilizado, e não produzem subprodutos.

     Afinalidade das enzimas em uma célula é aumentar a taxa de ocorrência das reações, para possibilitar que a célula produza ou elimine compostos mais rapidamente.2 Por causa da temperatura e do nível de pH da maioria das células, reações químicas usadas no desenvolvimento ou na reprodução celular não ocorrem com a velocidade necessária para manter a viabilidade das células. As enzimas aceleram as taxas de reação em mais de um milhão de vezes, de modo que reações que levariam anos para ocorrer passam a acontecer em frações de segundo, graças à enzima adequada.3

      Uma enzima é formada pela união de 100 a 1.000 aminoácidos em uma organização específica. Essa cadeia de aminoácidos passa a formar um formato/composto único. Esse formato é o que possibilita à enzima comandar reações específicas. As enzimas atuam pelo reconhecimento do formato. O substrato deve formar um complexo com a enzima de modo que possam ligar-se para transferir energia e gerar uma reação. Essa reação é o que liga o substrato ao local de reação da enzima. Por exemplo, o açúcar maltose é formado por duas moléculas de glicose ligadas entre si. A enzima maltase é formada de tal maneira que rompe a ligação e libera as duas moléculas de glicose (Figura 1). A maltase é uma enzima específica que só pode romper ligações de maltose, fazendo-o muito rapidamente – ou seja, em mais de 1.000 ligações de maltose por segundo – e com muita eficiência. Como foi citado anteriormente, outros tipos de enzimas podem reunir átomos e moléculas. Seja para romper, seja para unir, cada reação necessita de enzimas específicas para que cada célula prossiga normalmente com sua atividade.4


 

 

Tipos de Enzima

     A International Union of Biochemistry and Molecular Biology desenvolveu uma nomenclatura para as enzimas, que se refere às enzimas como EC número.5 Cada enzima é descrita por uma sequência precedida por EC. Veja alguns exemplos:

     - EC 1, Oxidorreductases: catalisam reações de oxidação/redução;

     - EC2, Transferases: transferem um grupo funcional, por exemplo: um grupo metila ou fosfato;

     - EC 3, Hidrolases: catalisam a hidrólise de várias ligações;

     - EC 4, Liases: rompem várias ligações por meios diferentes dos usados pela hidrólise ou pela oxidação;

     - EC 5, Isomerases: catalisam alterações da isomerização dentro de uma única molécula;

      - EC 6, Ligases: unem duas moléculas com ligações covalentes.

 

Coenzimas e Cofatores

     Embora algumas enzimas consistam apenas de proteínas, não contendo outros grupos químicos, certas proteínas globulares conjugadas exigem um componente químico adicional conhecido como cofator. O cofator pode ser uma molécula inorgânica ou um complexo orgânico que recebe o nome de coenzima.

     Muitas coenzimas derivam de vitaminas, principalmente de: vitaminas hidrossolúveis do complexo B, pantotenato de cálcio, niacina e cloridrato de piridoxina. Outras enzimas dependem de minerais específicos no cofator, como zinco, ferro, magnésio e cobre.

 

Enzimologia em Cosméticos

     A indústria de cosméticos vem utilizando enzimas, como a da abóbora, há anos, para refazer e suavizar a pele.6 As enzimas já comprovaram sua utilidade em recondicionar peles afetadas por envelhecimento, acnes, congestão e pigmentação. Seus benefícios mais comuns que são detalhadamente descritos mais adiante – incluem captação de radicais livres, decomposição de proteína, reforço estrutural, benefícios antibacterianos e exfoliação.

     Embora os benefícios das enzimas sejam conhecidos há muito tempo, o interesse pela enzimologia ligada aos cosméticos e à dermatologia só tomou impulso recentemente. Em parte, isso se deve aos avanços na otimização das funcionalidades, da segurança e da estabilidade das enzimas nos sistemas cosméticos para dar proteção à pele e ao produto – sem mencionar seu status de produto natural e renovável.

      Na verdade, o uso de coenzimas e cofatores em cosméticos, como a conhecidíssima coenzima Q10, representam um meio seguro de promover a ação eficiente das enzimas próprias da pele. Geralmente, coenzimas e cofatores têm baixo peso molecular, o que possibilita sua penetração no estrato córneo para ajudar a ativar as enzimas nele presentes.7 Coenzimas e cofatores também são estáveis e relativamente simples de formular em cosméticos.

 

Captação de Radicais Livres  

     Uma área para a qual as enzimas tópicas já mostraram trazer grandes benefícios é a de proteção da pele.8-10 As enzimas capturam radicais livres, evitando os danos à pele causados por poluição ambiental, bactérias, fumaça, luz solar, entre outros agentes perigosos. Na proteção da pele, as enzimas atuam de maneira bem-sucedida na superfície da pele, sem haver a necessidade de penetrá-la profundamente para encontrar células vivas.

     Talvez uma das enzimas protetoras mais presentes nos produtos cosméticos é a superóxido dismutase (SOD). Essa enzima é, na maioria das vezes, extraída da levedura, encontrada em quase todos os organismos vivos, e atua na proteção das células contra os radicais livres presentes em ambientes aquosos. Também é encontrada na cevada, no repolho, no trigo e na maioria dos vegetais verdes, como brócolis e couve-de-bruxelas.

     A SOD, em combinação com a catalase, é responsável por proteger as proteínas da pele contra o envelhecimento causado pela oxidação.11,12 Age por dismutação, processo pelo qual um radical livre de oxigênio, altamente reativo, é convertido em uma forma menos reativa. Isso é importante para células aeróbicas. Se a molécula de oxigênio não for completamente reduzida a duas moléculas de água (recebendo quatro elétrons), o radical superóxido parcialmente reduzido permanecerá, podendo causar dano à pele.

     A SOD é usada em cosméticos e produtos de cuidados pessoais como ingrediente antienvelhecimento e antioxidante. Já demonstrou que evita rugas, linhas de expressão e manchas senis, ajuda a cicatrizar ferimentos, suaviza o tecido cicatrizado e protege a pele contra a radiação UV, além de reduzir outros sinais de envelhecimento.1

 

Decomposição da Proteína e Reforço da Barreira

     As enzimas proteolíticas – também chamadas de proteases, proteinases ou peptidases – são usadas em cosméticos para decompor as proteínas em seus componentes peptídeos mais curtos e, finalmente, em aminoácidos. A pele pode absorver esses componentes e promover o desenvolvimento e a renovação das suas células.13,14

      Enzimas proteolíticas estão presentes em bactérias, arqueas, alguns tipos de alga, alguns vírus e em vegetais, embora sejam mais abundantes em animais. As três enzimas proteolíticas mais comuns são: a pepsina, a bromelaína e a papaína. A pepsina é produzida naturalmente nas paredes do estomago de todos os animais. A bromelaína e a papaína são proteínas de alimentos encontradas no abacaxi e no mamão, respectivamente, e são frequentemente utilizadas como ingredientes de cosméticos.14-16

     Além de suas funções proteolítica e antirradical livre, as enzimas podem promover a formação de gorduras e colágeno. A diacilglicerol aciltransferase 1 (DGAT1), por exemplo, realça a ação do ácido retinoico, que acelera a renovação da epiderme e dos cabelos. Igualmente, as lisil- e prolil- hidroxidases, juntamente com a vitamina C, sintetizam o colágeno para manter a estrutura da pele.

 

Combate a Bactérias

     Outra aplicação das enzimas, especialmente a peroxidase e a lactoperoxidase, é proteger formulações cosméticas contra ataques de bactérias. Essa ação conservante se baseia no fato de a enzima consumir o oxigênio presente em uma preparação cosmética, impedindo assim a sobrevida das bactérias. A peroxidase é encontrada em extratos aquosos de funcho (erva-doce).

 

Combinação de Benefícios

     Certas enzimas também são usadas como exfoliantes tópicos para dissolver e remover células mortas da superfície da pele, deixando-a lisa, fresca e luminosa.17 As enzimas são mais delicadas com a pele do que os alfa-hidroxiácidos (AHAs) e decompõem a “cola” que mantém as células juntas. Essa característica resulta na eliminação das células mortas, acelerando o processo natural de exfoliação da pele.18 Dependendo de seu nível de atividade, alguns exfoliantes enzimáticos são aplicados a produtos de uso profissional por esteticistas treinados. Para aumentar a efetividade desses exfoliantes, eles podem combiná-los com vitaminas. A pele oleosa propensa à acne, por exemplo, obtém benefícios de uma combinação de ácido salicílico (BHA) e enzimas. Já a pele danificada pelo Sol e com tonalidades desiguais responde bem aos alfa-hidroxiácidos, como o ácido retinoico, combinados com enzimas. A SOD, com sua capacidade de captar radicais livres, também pode ser combinada com a peroxidase o que aumenta essa capacidade. Juntas, podem reduzir o eritema causado pela radiação UV, por meio de aplicação tópica.

 

Conclusões

     Como diz o ditado, “Não há nada de novo sob o Sol”, as enzimas são conhecidas há tempos por seus benefícios. A novidade, no entanto, fica por conta de suas funcionalidades e do crescente interesse despertado pelas enzimas. Por exemplo, embora o setor de alimentos continue sendo a principal fonte de demanda para as enzimas, a indústria de cosméticos as está usando não apenas para cuidados com a pele, mas também dos cabelos, para higiene oral e, mais recentemente, para uso em protetores solares.19

      Na verdade, o mercado global de enzimas foi estimado, em 2016, como sendo de US$ 4,61 bilhões, com crescimento projetado de 5,8%, de 2017 a 2022, sendo os cosméticos o principal impulsionador desse crescimento.20 Isso não deveria ser surpresa, considerando que o setor de cosméticos busca compostos orgânicos e naturais para substituir ingredientes petroquímicos.

 

 Referências

1. World of Enzymes and Probiotics. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

2. Brain M. How Cells Work. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

3. Cooper GM. The Cell: A Molecular Approach. 2ª. ed., Sunderland (MA): Sinauer Associates, 2000. Disponível em: ncbi. nlm.nih.gov/books/NBK9921>. Acesso em: 3/3/2017

4. Cell Metabolism. Scitable, a colaborative learning space for sciences. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

5. Moss GP. Enzyme Nomenclature, School of Biological and Chemical Sciences, Queen Mary University of London, London, UK. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

6. Holley KC. Resurface and Smooth Your Skin with Polishing Peel. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

7. Can coenzyme Q10 help protect and repair your skin? Disponível em: . Acessoem: 3/3/2017

8. The skincare benefi ts of CoQ10! Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

9. Kabel AM. Free Radicals and Antioxidants: Role of Enzymes and Nutrition. Disponível em: . Acessoem: 3/3/2017

10. El-Missiry MA. Antioxidant Enzyme. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

11. Superoxide Dismutase. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

12. Superoxide Dismutase. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

13. Rogers K (Edit.). Proteolytic Enzyme. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

14. Levy J. Proteolytic Enzymes Reduce Infl ammation and Boost Immunity. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

15. 6 Unbelievable Health Benefi ts of Bromelain. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

16. Papaya. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

17. Steventon K. Exfoliating Naturally with Enzymes. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

18. Enzyme Exfoliation. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

19. Shuang L et al. Technology Prospecting on Enzymes: Application,Marketing and Engineering. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

20. Industrial Enzymes Market by Type (Amylases, Cellulases, Proteases, Lipases, and Phytases), Application (Food & Beverages, Cleaning Agents, and Animal Feed), Source (Microorganism, Plant and Animal), and Region - Global Forecast to 2022. Disponível em: . Acesso em: 3/3/2017

Publicado originalmente em inglês,Cosmetics & Toiletries 132(4):31-37, 2017.

 

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