Substituição de Microplásticos

Alessa Huneke, Judith Ryll

CFF GmbH & Co. Gerhren, Alemanha

Sandra Sarembe, PhD, Vanessa Sternitzke, PhD, Andreas Kiesow, PhD

Fraunholer Institute for Microstructure of Materials and Systems, IMWS, Halle, Alemanha

 

Material e Métodos 
 
Resultados 

Discussão 
 
Sumário  

Referências

 

artigo publicado na revista revista Cosmetics & Toiletries Brasil, Mai/Jun de 2019, Vol. 31 Nº 3 (pág 52 a 58)

     Vivemos em uma era em que os oceanos estão poluídos por resíduos plásticos. De acordo com a literatura, em 2050, poderá haver três vezes mais plásticos do que peixes nos oceanos.1-4 Partículas microfinas de plástico são levadas pelas águas servidas que vão para os mares e fazem parte da nossa cadeia alimentar. Isso ocorre porque, com dimensões inferiores a 5 mm, as partículas são muito pequenas para que sejam efetivamente removidas pelas instalações de tratamento de águas servidas. Quase todas essas partículas não são biodegradáveis e podem representar perigo para a vida marinha.

     O potencial de risco dos microplásticos pode ser caracterizado, principalmente, pelas preocupações a seguir. Primeiramente, os microplásticos podem atrair toxinas ambientais devido às características de sua superfície. Em sua vida útil, as superfícies das partículas plásticas tornam-se ásperas, passando a agir praticamente como ímãs para outras substâncias perigosas que estão presentes no meio ambiente.5 Se essas toxinas e micropartículas plásticas forem ingeridas por organismos marinhos e depois liberadas em seus sistemas gastrointestinais, esses organismos podem sofrer efeitos negativos, como alterações de tecidos, reações inflamatórias, impactos toxicológicos, lesões internas e até mesmo sua morte.6 Em segundo lugar, as característica morfológicas das próprias partículas podem representar ameaças.7
     
      Com base nesses riscos e nas preocupações do consumidor, o uso de micropartículas plásticas, ou seja, de microesferas de produtos de cuidados pessoais, já está proibido nos Estados Unidos desde janeiro de 2018. Em janeiro de 2018, o governo britânico também baniu produtos de cuidados pessoais que contenham microplásticos, e diversos outros países da União Europeia (UE) estão discutindo se devem seguir esse exemplo.

       Embora estejam sendo feito esforços para que esses produtos sejam gradativamente eliminados, os micropláticos continuam sendo utilizados em muitos produtos cosméticos, sendo que quase todos esses microplásticos são exfoliantes. Por ser abrasivas suaves, essas fórmulas ajudam a remover células mortas da pele e a estimular a circulação sanguínea. Além disso, os microplásticos são usados em alguns países como partículas abrasivas para a higiene dental.8

      É verdade que os cosméticos representam uma pequena fonte primária e secundária de microplásticos no meio ambiente em comparação com outras. Relatório mostrou que, em 2012, na UE, foram usadas 4.300 toneladas de micropartículas plásticas para a produção de produtos de cuidados pessoais.9 Porém, o uso dessa fonte poderia ser facilmente evitado se, em vez dela, fossem utilizadas alternativas naturais ou biodegradáveis. Além disso, ainda existem desafio científicos significantes para que sejam descobertos e criados substitutos para as micropartículas plásticas.

      As alternativas ao uso de micropartículas plásticas precisam atender a exigências de efeito de limpeza, mas também devem ser biodegradáveis e obtidas por um custo razoável. Já foram feitas inúmeras tentativas para substituir as microesferas plásticas por partículas naturais, como ceras hidrogenadas, silício, açúcar, sal, caroços de frutas e cascas de nozes moídas.10 Porém, seus atributos científicos e seus efeitos ainda precisam de muito aperfeiçoamento.

       Dessa forma, este trabalho descreve um projeto de pesquisa para identificar uma alternativa natural, biodegradável e eficaz ao uso de micropartículas plásticas. O primeiro objetivo deste estudo foi definir os critérios para estabelecer quais são as características desejadas de um ótimo substituto para micropartículas plásticas específicas. Essa definição incluiu formato, dimensões e dureza ideais, além da morfologia da superfície das partículas, de modo a obtermos as características desejadas sem causar irritação à pele.

      Com base nessas informações, foram criadas partículas biodegradáveis de celulose de várias origens, modificadas por tecnologia de moagem e polimento. Suas microestruturas foram examinadas e seus efeitos abrasivos e de limpeza tiveram sua aplicabilidade testada em exfoliantes faciais e cremes dentais. Este artigo apresenta os resultados desses testes realizados com exfoliantes faciais.



Material e Métodos

Celulose natural e partículas de referência

     Em geral, as partículas de celulose utilizadas neste estudo, denominadas Sensocel 100G e 200G, partículas globulares de celulose de faia; Sensocel OC30G, partículas globulares de celulose de aveia; e Sensocel WC 200G, partículas globulares de celulose de trigo, são produtos da CFF GmbH & Co. KG. As partículas de celulose natural variam em seus formatos e dimensões, o que lhes atribui diferentes funcionalidades, em conformidade com as metas específicas de cada aplicação cosmética. Para a comparação da eficácia dessas partículas de celulose, foram usadas partículas de referência de sílica e polietileno.

  Formulações exfoliantes

     Foram realizadas medições in vitro de abrasão e limpeza de uma formulação exfoliante à base de água (Fórmula 1). Conforme fora planejado, as partículas de celulose foram comparadas com os abrasivos-padrão de polietileno e sílica a 3%, ambos com formulações idênticas, cada um incluindo uma partícula diferente. Dois produtos que são comercializados contendo polietileno e sílica também foram usados como referências de desempenho.

 Caracterização morfológica das partículas de celulose
   
      
A caracterização morfológica das partículas de celulose foi realizada por meio de escaneamento por microscópio eletrônico – SEM (Quanta 3D FEG, FEI). Para evitar efeitos de carga, as partículas foram revestidas com uma película de platina ultrafina, emitida com nebulização por magnetrônio.

 Validação da biodegradabilidade
   
    
 A biodegradabilidade foi aferida segundo a Norma DIN EM 14851, sob condições de água doce. Essa verificação foi feita determinando-se a degradabilidade aeróbica final em meio aquoso, medindo-se a demanda de oxigênio em um respirômetro fechado. As partículas de celulose foram testadas em comparação com microcontas de polietileno e sílica padrão, com dimensões e formatos de partículas semelhantes. A sílica foi incluída como referência, pois firmou-se como uma das alternativas naturais mais usadas em substituição ao polietileno em produtos exfoliantes.


 Testes de eficácia de abrasão e limpeza

     Foram realizados testes para determinar a eficácia de abrasão e limpeza com uma escova simulada (ZM-3.8, SD Mechatronik), com pressão de 150 g e eixo de 1 cm. A abrasão mecânica foi avaliada em um substrato de vidro (25 x 25 mm) revestido com uma camada de cromo de 1 μm. Esse revestimento foi considerado a variante mais reproduzível nos pré-testes. Os substratos foram fixados em um porta-amostras (75 x 25 mm) com fita adesiva dupla face.

     Antes da escovação, o revestimento foi rapidamente molhado com água sob condições padronizadas. Foi aplicado 1 grama da formulação exfoliante ao porta-amostras. A pasta foi renovada após 30 minutos. A escova foi revestida com uma camada de silicone sobre a qual foi fixada uma superfície de couro sintético (25 x 25 mm), para simular a pele. A capacidade de abrasão foi determinada por medições colorimétricas – ΔE (Spectrophotometer CM-3600A, Konica Minolta) – medições do brilho do substrato vítreo e por comparação visual, antes e após a escovação, com 10.000 ciclos de escovação.

     A análise do efeito de limpeza também foi realizada tendo o couro sintético (TE610, Hornschuch) de dimensões 75 x 25 mm como substrato, que foi fixado em um porta-amostras com fita adesiva dupla-face, na qual fora aplicada 0,1 g de maquilagem (Perfect Stay Foundation 24H + Perfect Skin Primer, Astor) homogeneamente distribuída com um rolo (espaço de 15 μm).

     As medições foram realizadas 24 horas após a aplicação da maquilagem. Na pele de couro sintético foi aplicado 1 grama da formulação exfoliante com 1 ml de água no porta-amostras. A escova foi equipada com uma esponja de maquilagem fixada em uma camada de silicone. O número de passagens da escova foi ajustado para 10. As avaliações para determinar o desempenho da limpeza foram feitas em conformidade com as que foram usadas para determinar a abrasão.

     Os dados colorimétricos dos diferentes tratamentos foram comparados por meio da análise de variância de mão única (Anova) e do teste HSD de Tukey.



Resultados:

 Caracterização de SEM

     Dependendo da escolha dos materiais e do processo de moagem e trituração durante a fabricação, podem ser geradas partículas de celulose de diferentes dimensões (20–800 μm) e formatos (globular ou fibroso). A Figura 1 mostra imagens SEM selecionadas de partículas de celulose representativas e das partículas de referência (sílica e polietileno). As partículas de polietileno pesquisadas tinham dimensões de 50 a 100 μm e as de sílica variavam de 50 a 80 μm.

 
 Biodegradabilidade

     Os resultados do teste de biodegradabilidade são exibidos na Figura 2, que mostra a distribuição dos resíduos não degradados e as partes degradadas das partículas após período de 39 dias. Dependendo da origem e do formato da partícula de celulose, sua biodegradabilidade variou entre 78 e 100% após 1 a 2 meses. Enquanto a celulose vai se degradar 100%,11 as partículas de polietileno não são biodegradáveis12 e as de sílica vão se degradar, devido à sua origem mineral. 

 

Eficácia da abrasão

     Os resultados do teste de abrasão são mostrados na Figura 3. Todas as partículas de celulose testadas apresentaram abrasão significativamente inferior em comparação com o as de sílica (p<0,001). O comportamento abrasivo das partículas de celulose foi comparável ao das partículas de polietileno e ao do produto comercial 1, de referência, que também continha polietileno (p>0,001). A amostra de produto comercial mais abrasiva foi a do produto de referência 2, que continha sílica. 

 

    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

     

     As medições também demonstraram que diferentes tamanhos das partículas de celulose produziram diferentes níveis de exfoliação. A combinação de duas partículas de diferentes dimensões, a saber, celulose de faia globular de 100 μm e de 300 μm, resultou em maior abrasão em comparação com a abrasividade individual de cada uma dessas partículas isoladamente.

 

 Eficácia da limpeza
   Os resultados do teste de limpeza são exibidos na Figura 4 e são confirmados nas comparações visuais mostradas na Figura 5. Nesse caso, as partículas de celulose tiveram efeito limpador em produtos cosméticos que é comparável ao do polietileno e à sílica. Constatou-se efeito de limpeza significativamente inferior com o produto 1 de referência e com água. 

 

Discussão

     Os resultados da eficácia de abrasão e limpeza indicam que a celulose biodegradável é um ingrediente com ótimas características para partículas de produtos de limpeza de pele. A celulose mostrou causar baixa abrasão na pele e ter efeito de limpeza suave. Além disso, os efeitos de limpeza da celulose foram comparáveis aos do polietileno com baixa abrasão.

     Embora a sílica apresente bom efeito de limpeza, sua alta abrasão deve ser levada em consideração. Esse efeito causa especial preocupação, pois os efeitos de poluição e seu impacto sobre a pele ainda precisam ser esclarecidos.



Sumário

     O objetivo deste estudo foi identificar, otimizar e analisar partículas naturais de celulose em seu uso, como alternativa biodegradável e ambientalmente amigável aos microplásticos, em cosméticos e produtos de cuidados pessoais. Os resultados indicaram que os limpadores de celulose apresentam ótimas características, como baixa abrasão com alta eficiência de limpeza. Assim, a celulose mostrou ser uma alternativa suave e não irritante no teste de adesivo, em relação a outros limpadores, além de ser 100% biodegradável.

     Agradecimentos: Financiado por Project Management Jülich (PTJ) e German Federal Ministry of Education and Research (BMBF) Projeto #B31B0041B, B31B0041C. Os autores agradecem à Skinomics GmbH, de Halle (Saale), que foi a principal responsável por desenvolver as formulações de exfoliantes e os testes galênico e dermatológico das formulações.



Referências

1. M Eriksen et al. Plastic pollution in the world’s oceans: More than 5 trillion plastic pieces weighing over 250,000 tons afl oat at sea, PLoS One 9(12): 2014. Doi: 10. 1371/ journal. pone. 0111913

2. KL Law et al. Distribution of surface plastic debris in the eastern Pacifi c Ocean from an 11-year data set, Environ Sci Technol 48(9):4732–38, 2014. Doi: 10. 1021/ es4053076

3. AL Andrady et al. Microplastics in the marine environment, Mar Pollut Bull 62(8):1596-605, 2011. Doi: 10. 1016/ j.marpolbul. 2011. 05. 030

4. L Lechner et al. The Danube so colourful: A potpourri of plastic litter outnumbers fish larvae in Europe’s second largest river, Facets 188: 177-81, 2014

5. M Llorca et al. Adsorption of perfl uoroalkyl substances on microplastics under environmental conditions, Envt Pollution 235:680–91, 2018

6. MA Browne et al. Microplastic moves pollutants and additives to worms, reducing functions linked to health and biodiversity, Current Biol 23:2388-92, 2013

7. SL Wright et al. The physical impacts of microplastics on marine organisms: A review, Envt Pollution 178:483-92, 2013

8. T Gouin et al. Use of micro-plastic beads in cosmetic products in Europe and their estimated emissions to the North Sea environment, SÖFW (3), 2015

9. Thematic Strategy on the Prevention and Recycling of Waste. Online. Disponível em: http://mcc. jrc. ec. europa. eu/ document. py?code= 201606243248&title= Study%20to%20support%20the%20development% 20of%20measures%20to%20combat%20a%20range%20 of%20marine%20litter%20sources. Acesso em: 7/6/2018

10. R Mantilla, S Venkataraman. Feeling the power of nature, Cossma (7–8):13-4, 2017

11. J Pérez et al. Biodegradation and biological treatments of cellulose, hemicellulose and lignin: An overview, Int Microbiol (5):53–63, 2002. Doi 10. 1007/ s10123-002-0062-3

12. Y Tokiwa et al. Biodegradability of plastics, Int J Mol Sci  10(9):3722–42, 2009

Publicado originalmente em inglês, Cosmetics & Toiletries 133(7):57-63, 2018

 

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