Preservação da Harmonia do Microbioma Cutâneo

Tia Alkazaz, Maureen Danaher, Jennifer Goodman, Erica Segura, Durant Scholz
Active Micro Technologies, Lincolntown NC EUA

Os Micróbios da Pele e o Método 16S rRNA  

Materiais e Métodos   

Resultados do Microbioma   

Discussão   

Conclusão   

Referências

 

artigo publicado na revista Cosmetics & Toiletries Brasil, Mai/Jun de 2019, Vol. 31 Nº 3 (pág 16 a 21)

     Da mesma forma que cada indivíduo tem uma impressão digital diferente, as pessoas possuem seus próprios microbiomas, que são formados pela reunião da comunidade de micróbios que as habita. Esses micróbios atuam como uma tropa de defesa. A microflora que habita nossa pele, por exemplo, é responsável por manter sua saúde restaurando sua imunidade e sua comunicação com o sistema linfático.1

     Porém, na área de cuidado pessoal, a destruição indiscriminada do microbioma, o que muitas vezes ocorre por causa dos preservantes tradicionais, pode, não intencionalmente, alterar o florescente ecossistema formado pelo microbioma da pele. Neste estudo, como alternativa, foram estudados peptídeos antimicrobianos em relação aos seus efeitos sobre as espécies microbianas da pele.

     Sobre esse tema, uma recente pesquisa que analisou a atividade da enzima histona deacetilase (HDAC) concluiu que alguns antimicrobianos naturais conseguem destruir bactérias patogênicas, ao mesmo tempo que mantêm as bactérias que habitam a microflora da pele, dando suporte ao equilíbrio do microbioma e promovendo a saúde geral da pele. Por isso, a expressão da HDAC foi usada como indicador para comparar os efeitos de biocidas tradicionais sobre o microbioma da pele com antimicrobianos naturais.

    Na verdade, a aplicação de antimicrobianos tópicos alterou os níveis da expressão de HDAC e reduziu a população do microbioma. Embora essa pesquisa tenha sugerido que a HDAC é o canal de comunicação entre a microflora e a pele, o mensageiro do “bate-papo” microbiano ainda não foi determinado.

    Como demonstraremos, foi feita uma abordagem tradicional para analisar os efeitos em espécies do microbioma da pele. Especificamente, os efeitos foram avaliados com a aplicação de três peptídeos antimicrobianos: o fermento filtrado da raiz de Leuconostoc, o fermento Lactobacillus, e o ingrediente de denominação INCI: Lactobacillus (and) Cocos nucifera (coconut) fruit extract. Esses agentes foram comparados com um controle negativo (água) e com um controle positivo (triclosan). A população do microbioma foi determinada por extração do DNA, amplificação e do sequenciamento do 16S RNA ribossômico (rRNA), por reação em cadeia da polimerase (PCR).

    Neste trabalho, foi usado um enfoque menos convencional, tendo em vista o tamanho do painel e a avaliação feita durante o estudo. Embora grandes painéis de sujeitos permitam o reconhecimento de tendências entre eles, porque é considerada a individualidade de cada microbioma, seria difícil estabelecer tendências dentro de um mesmo grupo de sujeitos. O exame das dobras nasolabiais de cada sujeito pode isolar a localização geográfica do microbioma, embora a variação da microflora de pessoa para pessoa ainda seja incontrolável. Assim, padrões da alteração microbiana de cada sujeito do teste foram avaliados individualmente.

 

Os Micróbios da Pele e o Método 16S rRNA    

 

    Para entender a significância deste estudo, primeiramente é fundamental conhecer alguns dos microrganismos comuns que são comumente encontrados na pele e o método de identificação bacteriana utilizado para a identificação.

    As espécies de microrganismos pesquisadas foram: Staphylococcus sp., Corynebacterium sp., Propionibacterium sp., Streptococcus sp. e Aerobacillus sp. O Staphylococcus epidermidis é um dos micróbios mais comuns e abundantes na pele e pode ter uma relação mútua da pele com o intestino, onde a maioria da sua flora habita.2 A Corynebacterium jeikeium é um micróbio que oferece proteção epidérmica por meio de uma relação mútua com o hospedeiro e é considerado mais benéfico do que perigoso para a pele.2 Muitas vezes, o Propionibacterium acnes está associada a efeitos prejudiciais à pele, como a acne, mas está bem estabelecido que tanto os pacientes saudáveis quanto os propensos à acne estão colonizados por essa bactéria. In vitro, o Staphylococcus pyrogenes já demonstrou que ajuda o hospedeiro, pois o protege secretando toxinas que são formadas nos poros da pele para promover a cicatrização de ferimentos.2 Finalmente, o Aerobacillus sp. tem a capacidade de crescer e produzir polissacarídeos.3

    O papel benéfico dos micróbios sobre a superfície da pele, diferentemente do de probióticos digestivos, permanece relativamente inexplorado, da mesma forma que as conhecidas ações dessas espécies na proteção contra invasores patogênicos e oportunistas.

    O método de identificação bacteriana deste estudo foi o sequenciamento de 16S rRNA, mostrado na Figura 1. Esse é um método de sequenciamento comum, usado para identificar e comparar bactérias presentes em microbiomas e ambientes complexos. Como o nome 16S rRNA sugere, essa técnica visa analisar o RNA ribossômico.

    Ribossomos são estruturas complexas presentes nas células de todos os organismos vivos e desempenham a função de síntese de proteínas. O ribossomo procariótico consiste em duas subunidades, uma grande e outra pequena, e é da subunidade pequena que o 16S rRNA faz parte. O gene 16S rRNA contém regiões hipervariáveis com assinatura específica, o que é útil para o processo de identificação de bactérias.4

    O RNA ribossômico é conservado nas células, e organismos levemente relacionados têm porções muito semelhantes das sequências do gene 16S rRNA. O sequenciamento do gene 16S rRNA é comumente usado para identificar diversidades entre microrganismos bacterianos e para estudar relacionamentos filogenéticos entre eles.4 Há várias vantagens em usar o RNA ribossômico em técnicas moleculares, como o sequenciamento de genes. Entre essas vantagens está a presença de ribossomos e de RNA ribossômico em todas as células, e o fato de que o gene 16S rRNA é altamente conservado na natureza e suficientemente grande para ser usado com a finalidade de gerar informações.4

 

    A análise dos genes rRNA começa pelo isolamento de uma amostra de bactérias e depois é feita a extração do DNA bacteriano.

    O DNA bacteriano é submetido à amplificação por PCR, usando-se preparações que codificam, especialmente, o fragmento do gene 16S rRNA. A amplificação do DNA bacteriano gera uma população de fragmentos do gene 16S rRNA de igual tamanho, determinado pelo tipo de preparação que é usada.

    Essa população de fragmentos do gene rRNA ainda é considerada representativa da população microbiana natural.5 Em seguida, os genes rRNA amplificados são clonados e sequenciados. A comparação do rRNA sequenciado com a base de dados da sequência de genes permite a identificação de grupos filogenéticos.5 A caracterização taxonômica baseada no 16S rRNA pode fornecer informações sobre a população microbiana presente em determinado ambiente e sobre como sua distribuição relativa pode evoluir diferencialmente sob um tratamento que seja aplicado ao longo do tempo (Figura 1).

 

Materiais e Métodos

     Foi realizado um estudo de extração do DNA, amplificação e sequenciamento do 16S rRNA da pele para avaliar a população do microbioma da pele da face e as respectivas alterações nas populações microbianas, após duas semanas de aplicação de um produto. Os participantes (n=15) foram reunidos em cinco grupos de tratamento cego. Cada um aplicou, duas vezes ao dia, nas dobras nasais laterais, um dos seguintes produtos: o filtrado do fermento da raiz de Leuconostoc, o fermento de Lactobacillus, e o Lactobacillus (and) Cocos nucifera (coconut) fruit extract, e como controle: água ou triclosan.

    A aplicação na dobra nasal lateral direita foi feita passando um swab pré-umedecido para frente e para trás, na área de tratamento, durante 60 segundos. Foi aplicada pressão consistente sobre a área de tratamento para assegurar a recuperação substancial da população microbiana. Foram obtidas amostras do swab da pele sem o tratamento, antes da aplicação do produto, para servir como referência da presença microbiana normal na pele de cada participante. Cada swab da amostra de pele sem tratamento foi obtido com um swab estéril, pré-umedecido com solução salina estéril.

    Conforme foi destacado anteriormente, os tratamentos foram aplicados duas vezes ao dia, por um período de duas semanas, e foram colhidas novas amostras de cada participante para fazer a análise as alterações que ocorreram na população após a aplicação do produto. Uma semana após a conclusão do estudo com os produtos foi obtido um último turno de amostras de cada participante para analisar a população presente. Ao todo, foram obtidas 45 amostras armazenadas em tubos cônicos, que foram congeladas a -20oC imediatamente após sua coleta. Essas amostras foram submetidas à extração do DNA, à análise de amplificação e do sequenciamento por PCR do 16S rRNA, trabalho que foi realizado no laboratório de genômica do David H. Murdoch Research Institute (DHMRI) em Kannapolis, NC, EUA.

    Os amplicons obtidos pela amplificação por PCR, de cada amostra, foram coletados em proporções equimoleculares em um único conjunto, para realizar o sequenciamento. Após o sequenciamento, as amostras foram agrupadas e submetidas à análise taxonômica. As leituras utilizáveis resultantes desses procedimentos foram agrupadas em unidades taxonômicas organizacionais (OTUs), usando-se o Silva OTU Reference Database para o software ARB. As OTUs foram classificadas como organismos microbianos proximamente diferenciados pelas sequências por homologia do DNA, embora em alguns casos só tenha sido possível ler o gênero ou os níveis mais altos de taxonomia. É importante destacar que as OTUs nem sempre fornecem espécies específicas de cada sequência, mas essas unidades servem como indicadores efetivos da diversidade bacteriana na pele.

     O agrupamento e a análise taxonômica foram realizados após o sequenciamento para possibilitar a geração de uma árvore filogenética. As análises de controle de qualidade foram realizadas no laboratório de genômica para garantir a qualidade da base e análises minuciosa em relação ao tamanho e à natureza do 16S rRNA. Os dados obtidos dessas análises atingiram as especificações da garantia de qualidade necessárias para criar leituras de classificação para o alinhamento e para pesquisa da base de dados. As leituras utilizáveis foram confrontadas com a base de dados de referência para gerar abundância de resultados de OTUs, criando-se árvores filogenéticas e alinhamentos múltiplos.

    Esses resultados foram usados para calcular estimativas de diversidade com base na abundância de gêneros de microrganismos presentes em cada amostra. De modo geral, a análise mostrou uma população diversificada, com abundante presença de Propionibacterium sp., Staphylococcus sp., Aeribacillus sp., Streptococcus sp. e Corynebacterium sp.

 

Resultados do Microbioma

    Conforme foi exposto anteriormente, este estudo determinou a população microbiana presente na pele e algumas alterações nessa população, após duas semanas de tratamentos com vários produtos. A população do microbioma foi determinada após a amostragem da área da pele tratada com swabs estéreis com solução de cloreto de sódio e, em seguida, foram feitas a extração do seu DNA, a amplificação e o sequenciamento de 16S rRNA por PCR. Durante o tratamento, um dos participantes apresentou alta sensibilidade ao controle positivo triclosan e, por isso, foi dispensado do restante do estudo.

    O DNA extraído das amostras obtidas antes da aplicação do tratamento e após a análise de bioinformática mostrou uma população diversificada, que já foi mencionada, além de diferentes populações sabidamente transitórias e/ou invasores oportunistas, como Escherichia sp., Pseudomonas sp., Vibrio sp., Clostridium sp. e Neisseria sp.

 

     O fermento Lactobacillus reduziu todos os gêneros de bactérias, ao passo que o filtrado do fermento da raiz de Leuconostoc e o Lactobacillus (and) Cocos nucifera (coconut) fruit extract aumentaram as bactérias benéficas Staphylococcus sp. e Corynebacterium sp., e reduziram a Propionibacterium sp. Após a conclusão dos tratamentos tópicos, a Propionibacterium sp. reapareceu na pele de todos os participantes que usaram peptídeos antimicrobianos.

    As bactérias benéficas Staphylococcus sp. e Corynebacterium sp. continuaram se desenvolvendo após os tratamentos terem sido concluídos. Exemplos de mudanças na população do microbioma que foram observadas durante este estudo estão nas Figuras 2 a 6. Os modelos de alteração microbiana de cada sujeito do estudo foram avaliados individualmente, pois, como foi destacado anteriomente, o microbioma de cada indivíduo é único.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Discussão

     A extração de DNA, a amplificação e o sequenciamento de 16S rRNA por PCR utilizados neste estudo foram realizados, em parte, para preencher as exigências do NIH Human Microbiome Project: Microbiome Analysis and Sample Collection e das seguintes declarações de trabalho: ALCLLC-105 DNA Extraction from Skin Swabs e ALCLLC-106 16S Sequencing on DNA Extracted from Skin Swabs.

     Sob as condições deste ensaio in vivo do microbioma da pele humana, dois dos peptídeos antimicrobianos aumentaram as bactérias benéficas nos participantes, ao mesmo tempo em que reduziram a presença de Propionibacterium sp. O fermento Lactobacillus reduziu todos os gêneros de bactérias encontrados nos participantes em comparação com o triclosan como controle positivo e a água como controle negativo. Após a conclusão dos tratamentos tópicos, a Propionibacterium sp reapareceu na pele dos participantes tratados com peptídeos antimicrobianos.

     As bactérias benéficas Staphylococcus sp. e Corynebacterium sp. continuaram aumentando após o encerramento do estudo. Ao aumentar as populações de bactérias benéficas e reduzir a população de Propionibacterium sp., ou seja, de bactérias hóspedes associadas com o desenvolvimento de acne, esteestudo demonstra o potencial dos antimicrobianos naturais para promover um microbioma cutâneo equilibrado.

 

Conclusão

     A complexidade do microbioma da pele é uma área de pesquisa relativamente nova na indústria de cosméticos. Desde a descoberta de micróbios no corpo humano, têm sido divulgadas informações sobre a população microbiana. Porém, o papel da população microbiana na saúde da pele ainda não está completamente esclarecido. Este estudo acrescenta mais conhecimento sobre vários microrganismos dominantes, como as espécies Propionibacterium sp. e Staphylococcus sp., que são componentes comuns no microbioma da pele. Este estudo também agrega informações sobre o efeito da aplicação tópica de peptídeos antimicrobianos sobre a microflora da pele.

    Embora os preservantes tradicionais possam introduzir no microbioma da pele fatores inibidores que influenciam diretamente seu equilíbrio, o uso de peptídeos antimicrobianos naturais pode servir como uma nova abordagem à forma de manter e promover a saúde desse sistema. No entanto, ainda há necessidade de serem feitas outras análises metagenômicas para revelar as funções complexas e as interações entre esses peptídeos antimicrobianos e o microbioma cutânea, da mesma forma entre os microrganismos que habitam a pele. Novas pesquisas nessa área poderão fornecer enfoques mais abrangentes no desenvolvimento de produtos tópicos que levem em consideração a contribuição integral do microbioma da pele.

 

Referências

  1. Erturk-Hasdemir D, Kasper D. Resident commensals shaping immunity, Current Opinion in Immunology 25(4):450-455, 2013
  2. Cogen A, Nizet V, Gallo R. Skin microbiota: a source of disease or defence? Brit J Dermatology 442-455, 2008
  3. Ouyang J et al. Paenibacillus thiaminolyticus: a new cause of human infection, inducing bacteremia in a patient on hemodialysis, Annals of Clinical and Laboratory Science 38(4):939-400, 2008
  4. Janda JM, Abott L. 16S rRNA gene sequencing for bacterial identification in the diagnostic laboratory: pluses, perils and pitfalls, J Clin Microbio 45(9):2761-2764, 2007
  5. Wilson KH, Blitchinton RB, Greene RC. Amplification of bacterial 16S ribosomal DNA with polymerase chain reaction, J Clin Microbio 28(9):1942-1946, 1990

 

Publicado originalmente em inglês, Cosmetics & Toiletries 132(7):24-33, 2017

 

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