Uso de Polissacarídeo Rico em Fucose em Pele Sensível

 

 
M Sakka, R Leschiera, C Le Gall, O Gouin, K L’Herondelle, J-L Carré, L Misery, N Lebonvallet  
Université de Bretagne Occidentale, Brest, França
P Buscaglia, O Mignen
Inserm U1227 (Lymphocyte B et Auto-Immunité), Brest, França 
J-L Philbé, T Saguet,
BioEurope Groupe Solabia, Anet, França

Métodos

Resultados

Discussão

Referências

 

artigo publicado na revista Cosmetics & Toiletries Brasil - Mai/Jun 2018 Vol. 30 Nº 3  (pag 65 a 71)

   O teste da picada é um teste in vivo para determinar a severidade da sensibilidade da pele. Frosh et al. descreveram e recomendaram diretrizes para o uso desse teste.1-4 Primeiramente, o ácido lático (AL) a 10% ou a 5% é aplicado na pele dos indivíduos, precisamente na dobra nasolabial. O LA é um ácido alfa-hidroxicarboxílico que pode, potencialmente, desencadear uma variedade de receptores, o que é explicado pelo efeito na pele da ação de um ácido ou pela ação específica de um ligante em seu receptor. Se os indivíduos apresentarem prurido (coceira) ou sensação de desconforto, o teste será considerado positivo para pele sensível. Assim, produtos cosméticos são aplicados nesses locais para testar a inibição da sensibilidade. Essa metodologia é regularmente usada na indústria de cosméticos. Consequentemente, é considerada um método de escolha para distinguir as peles sensíveis das não sensíveis, por muitos autores, e pode distinguir parâmetros da pele, incluindo a participação de neurônios. 5-7 Entretanto, o mecanismo pelo qual o AL age como substância irritante que induz sensação de desconforto está provavelmente ligado à inflamação cutânea local neurogênica (CNI) na pele, como recentemente foi demonstrado em peles sensíveis. 8,9 No teste da picada, assim como nas peles sensíveis, os queratinócitos e as fibras nervosas dos neurônios sensoriais da epiderme são as duas maiores classes de células envolvidas.10 No que diz respeito à CNI, proteases, citocinas e neuropeptídios estão envolvidos na comunicação entre as células da pele.11 Entre todas essas moléculas, o neuropeptídio substância P (SP), produzido depois de influxo de cálcio citosólico, é um bom marcador para a CNI in vitro e in vivo.8,12-17 Consequentemente, esse marcador está fortemente associado com as sensações de desconforto apresentadas no teste da picada.


    Um polissacarídeo hidrofílico com unidades acetiladas lineares trissacarídicas repetidas de fucose, galactose e ácido galacturônico18 tem marca comercial Fucogel (Solabia) e INCI name: Biosaccharide gum-1. Receptores de fucose e manose são descritos nas células da pele, nos queratinócitos e nos fibroblastos.19,20 Péterszegy et al. mostram que, de forma dose dependente, esse polissacarídeo aumenta a proliferação de fibroblastos e viabiliza a diminuição da citotoxicidade induzida pelo ascorbato.21 Muitos estudos em diferentes modelos mostraram uma resposta anti-inflamatória de polissacarídeos que contêm fucose e galactose.22-24 Entretanto, não existe nenhum dado referente à ação anti-inflamatória na pele em relação a moléculas ricas em fucose, especialmente em relação à CNI. Foi proposto que esse polissacarídeo,devido à sua composição, pode ser um bom candidato a ter efeito no processo de CNI e efeito calmante no teste da picada.

    Para mimetizar in vitro o teste da picada, feito in vivo, e entender o efeito do AL na pele, foi desenvolvido um modelo que inclui células “neuronal-like” e queratinócitos humanos expostos ao AL de acordo com a produção de SP. Esse modelo é baseado em modelos previamente publicados que, cujos autores estudaram a CNI usando neurônios sensoriais primários de animais ou linhagem de células.13,25-30 Para facilitar o estudo de compostos naturais ou sua triagem pela indústria, foram usadas as linhagem de células PC12 NGF- -diferenciadas, que possuem características como as sensoriais. Igualmente, os autores deste trabalho pretendem propor um modelo de triagem pré-clínica aplicável em cosméticos, para limitar o tempo, o custo e os recursos humanos consumidos  no teste da picada in vivo. Usando esse modelo, o primeiro objetivo deste trabalho foi determinar os efeitos do AL na CNI ao ser analisada a produção da SP e a entrada do cálcio citosólico nos queratinócitos, ou nas células PC12 NGF-diferenciadas, ou em ambas (cocultura) em concentrações não tóxicas. O segundo objetivo foi avaliar os efeitos anti-inflamatórios do polissacarídeo na produção da SP induzida pelo AL in vitro e, paralelamente, definir se o polissacarídeo poderia diminuir a sensação de desconforto induzida pelo AL nos voluntários com pele sensível in vivo.

 

Métodos

Cultura celular
Queratinócitos epidérmicos humanos normais (NHEK) foram obtidos de abdominoplastias de pacientes após o seu consentimento, conforme foi previamente publicado.25 Os queratinócitos foram suspensos em KSFM e cultivados à temperatura de 37°C com 5% de CO2. As células PC12 (DSMZ, ACC159 lote 12) foram cultivadas em DMEM/F12 10% FBS (soro fetal bovino). O meio foi trocado a cada três dias.

   Antes do ensaio do AL em monocultura, os queratinócitos foram tripsinizados, centrifugados e emplacados a 29.000 células/ cm2 em KSFM em poli-L-lisina. Os queratinócitos foram usados no dia seguinte no ensaio. Depois do EDTA (0,7 mM em PBS, por 5 minutos), as células PC12 foram centrifugadas e plaqueadas a 23.000 células/cm2 em colágeno I, em placas 96, em seu meio de proliferação. Para os ensaios de AL e com o polissacarídeo, as células CP12 foram diferenciadas usando NGF. Após 24 horas, os sobrenadantes foram removidos e replaqueados por DMEM com 50 ng/ml de NGF por três dias. Para a cocultura, as células PC12 foram preparadas como foi previamente descrito, e ao final de três dias, os sobrenadantes foram removidos e os queratinócitos foram plaqueados em meio KSFM com células PC12 por 24 horas.

   Para o ensaio, foi usado o AL ou o polissacarídeo. O polissacarídeo de teste foi fornecido como uma solução purificada de um polissacarídeo linear aniônico biotecnológico (com peso molecular de 106 Da), obtido por fermentação bacteriana e composto por repetições de L-fucose, D-galactose e ácido galacturônico. Os sobrenadantes das células PC12 e dos queratinócitos foram substituídos por uma solução de DMEM ou KSFM contendo AL em várias concentrações em água (0; 0,04; 0,07; 0,1; 0,2; 0,3; 0,4; 0,5; 1; 5; e 10%) e/ou o polissacarídeo a 0,01, 0,1 ou 1%. Após 15 minutos, os sobrenadantes foram guardados e armazenados à temperatura de -80°C até serem utilizados para a análise da produção da SP pelo teste de Elisa (Interchim, Montluçon, França). As células-semente remanescentes foram estudadas em relação à sua viabilidade usando o kit de ensaio MTS (de proliferação celular) de acordo com o protocolo do fabricante.

Medida do Ca2+ intracelular
O NHEK foi carregado com Fura 2-AM 4μM e 2μM de ácido plurônico (Thermo Fischer Scientific, Waltham, MA, EUA) no escuro, por 45 minutos à temperatura de 37°C e com 5% de CO2. As células foram lavadas para a remoção do excesso de células mortas e as medidas do Ca2+ intracelular foram feitas de acordo com o protocolo descrito na referência 31. Para a análise dos dados, a razão da intensidade F340/F380 foi obtida para cada ponto de tempo após ser definida a região de interesse e subtraído o branco. A amplitude da resposta do Ca2+ foi medida pelo cálculo da diferença entre as razões basal e máxima.

Transcrição reversa e PCR quantitativo em tempo real
A extração do RNA foi feita de acordo com o protocolo do reagente TRI (Sigma-Aldrich, Saint Louis, MO, EUA). O RNA foi transcrito reversamente em cDNA com o uso do kit de alta capacidade de transcrição reversa, o cDNA (Applied Biosystems, altham, MA, EUA). O PCR quantitativo para a análise de TRPV1, HCA1, 2 e 3 e ASIC1, 2, 3 e 4 foi feito usando sondas específicas para humanos (queratinócitos) e ratos (células PC12 NGF-diferenciadas) e o método Power SYBR Green PCR Master Mix (Applied Biosystems, Waltham, MA, EUA) no primeiro passo do sistema de PCR em tempo real (Applied Biosystems, Waltham, MA, EUA). As sondas foram adquiridas da Eurogentec (Seraing, Liège, Bélgica). Os resultados foram expressos em Ct (ciclo limite). Um controle sem DNA e uma curva de fusão foram realizados.

Análises in vivo da eficácia do polissacarídeo pelo teste da picada
Um grupo de 19 voluntárias saudáveis (com idades entre 18 e 70 anos) foi incluído no estudo depois de seu consentimento. Todas as voluntárias apresentavam pele com sensibilidade, incluindo cinco com história de atopia, mas não com dermatite atópica recorrente. O teste da picada foi feito como descrito previamente, 2,3 com a aplicação de 10% de AL na dobra nasolabial. Após o surgimento da sensação da picada, as voluntárias fizeram uma autoavaliação usando uma escala de 0 a 9, baseada na intensidade da reação. Em seguida, uma solução 3% do polissacarídeo (com água e conservante) ou placebo (água e conservante) foi aplicada em uma das duas dobras nasolabiais (direita e esquerda). A determinação dos lados das dobras foi aleatória. Após 5 minutos foi feita uma nova autoavaliação para cada lado. O estudo foi duplo-cego.

Análises estatísticas
Os resultados dos testes de citotoxicidade e de produção de SP foram normalizados e expressos versus controle. O gráfico representa a média de “n” experimentos independentes ± desvio padrão para cada condição. Os dados foram analisados usando-se o teste de Mann-Whitney. Para a análise de imagem do cálcio, o gráfico representa a média de 20-40 células ± erro padrão da média de um experimento representativo. Os resultados de PCR representam a média de “n” experimentos independentes ± desvio padrão de cada condição. O gráfico dos resultados in vivo representa a média dos pontos dos testes de picada das 19 voluntárias ± erro padrão das médias. Os dados foram analisados usando o teste de Wilcoxon. Todos os reseultados foram considerados significantes para p<0,05.


Resultados

      O ácido lático em concentrações não tóxicas induz a produção de substância P pelos queratinócitos ou pelas células PC12 tratadas.

     Os níveis de SP produzidos aumentaram significativamente nas células PC12 NGF-diferenciadas e nos queratinócitos tratados por AL (10; 5; 1; 0,5; 0,4; 0,3; 0,2; 0,1; 0,07; e 0,04%) ou sem exposição ao AL (Figura 1A). A produção da SP aumentou de maneira dose dependente até se estabilizar em função da concentração de AL. Os efeitos citotóxicos do ácido lático foram demonstrados nas células PC12 NGF-diferenciadas e nos queratinócitos (Figura 1B). Para os queratinócitos, os resultados foram significantes para as concentrações de 10; 5; 1; 0,5; 0,4; e 0,3%. A tendência para a citotoxicidade foi observada na concentração 0,2% de AL. Para as células PC12 NGF-diferenciadas, os resultados foram significantes para as concentrações de 10; 5; 1; e 0,5%. A tendência para a citotoxicidade foi observada nas concentrações 0,4 e 0,3% de AL.

   Nas manipulações seguintes, os autores decidiram trabalhar com concentrações consideradas ótimas de AL, compreendidas entre a citotoxicidade e a intensidade da resposta das células. Essas concentrações foram de 0,1% de AL para os queratinócitos, correspondendo a um aumento, na produção, de 10 vezes em relação ao nível basal sem toxicidade e de 0,2 ou 0,1% para as células PC12 NGF-diferenciadas, correspondendo a um aumento na produção de 5 vezes em relação ao nível basal sem toxicidade.

Ácido lático induz eCa e a produção de substância P por um mecanismo ácido
No DMEM (o meio PC12), foram encontrados os pHs: 6,95 (±0,16, n=5), 6,22 (±0,17, n=3) e 5,63 (±0,05, n=3) para 0,1; e 0,2 e 0,3% de ácido lático, respectivamente. No meio KSFM (o meio dos queratinócitos), foi encontrado o pH 6,66 (±0,17, n=3) para 0,1% de ácido lático. Quando o polissacarídeo foi adicionado a 0,1%, não foram observadas diferenças (de 0,11 para DMEM com 0,1% de ácido lático e de 0,03 para KSFM com 0,1% de ácido lático, n=2). Quando o pH foi neutralizado (aproximadamente 7,4), antes da adição do ácido lático às células, nenhuma produção de substância P foi observada nos queratinócitos e nas células PC12 NGF-diferenciadas (Figura 2). 

   Nas imagens do cálcio, foi mostrado que o ácido lático a 0,1 e a 0,2% induz a entrada de cálcio citosólico nos queratinócitos ou nas células PC12 NGF-diferenciadas, respectivamente (Figura 3A). Essa entrada foi extinta quando, para ambos, os pHs foram de 7,4 (Figura 3B).  

Queratinócitos e células P12 expressam receptores para a resposta ao ácido lático
Nos queratinócitos, usando o PCR quantitativo, foi mostrado que TRPV1 (Ct 28,1±0,8), HCA1 (Ct 29,3±0,4), 2 (Ct 27,6±0,8) e 3 (Ct 27,9±0,8); e ASIC1 (Ct 28,8±1,1), 2a (Ct 28,2±0,4), 3 (Ct 27,5±0,7) e 4 (Ct 33,3±2,9) foram expressos (n=3). Nas células PC12 NGF-diferenciadas, foi mostrado que TRPV1 (Ct 27±0,8), HCA1 (Ct 30,8±1,3), 2 (Ct 28,1±1,7), ASIC1 (Ct 22±2,4), 2a (Ct 30,8±2,4), 3 (Ct 29,8±3,1) e 4 (Ct 24,3±4,3) foram expressos (n=3).
      
Ação do polissacarídeo sobre a substância P
O polissacarídeo diminuiu o nível de substância P produzida por indução do ácido lático nas células PC12 e nos queratinócitos, diminuindo também a intensidade da sensação da picada in vivo sem a modificação do pH.
 
   Para avaliar o efeito do polissacarídeo na produção da substância P, foi usada a concentração ótima de ácido lático nas células. Com o AL, a produção da SP foi induzida nos queratinócitos ou nas células PC12 NGF-diferenciadas. Essa produção foi considerada um controle de indução. Em paralelo, o polissacarídeo foi usado a 0,1 e 0,01% e adicionado ao meio de cultura ao mesmo tempo que o ácido lático. Os resultados mostraram diminuição significativa de 50% na produção da substância P quando o polissacarídeo foi aplicado aos queratinócitos ou às células PC12 (Figura 4A).

  No modelo de cocultura, a produção de SP também diminuiu, significativamente, 25% (n=3) quando o polissacarídeo foi adicionado (Figura 4B esquerda).
 
O polissacarídeo na pontuação do teste da picada
O polissacarídeo foi avaliado, in vivo, pelo teste clássico da picada, em um estudo com 19 voluntárias. Após o surgimento da picada, as voluntárias fizeram uma autoavaliação, considerando uma escala de 0 a 9, baseada na intensidade da picada. Em seguida, o polissacarídeo ou o placebo foi aplicado em uma das duas dobras nasolabiais às cegas. Depois de 5 minutos, foi feita uma nova autoavaliação em cada lado. A pontuação inicial do teste da picada foi de 4,79±0,49 para o grupo placebo e de 4,58±0,48 para o grupo do polissacarídeo. Quando o placebo ou o polissacarídeo foram aplicados, a pontuação após 5 minutos foi de 3,68±0,64 para o grupo placebo e de 2,42±0,56 para o grupo do polissacarídeo. Os resultados mostraram diminuição significativa, de 50%, na intensidade da picada após 5 minutos da aplicação do polissacarídeo versus T0 e de 30% versus placebo, nas 19 voluntárias (Figura 4B direita).


Discussão

    Para entender a implicação do ácido lático no teste da picada e para visualizar moléculas ou compostos ativos antes do teste in vivo, foi desenvolvido um modelo in vitro baseado na monocultura e na cocultura de queratinócitos humanos primários e de células PC12 NGF-diferenciadas, que foram sujeitas ao ácido lático. A substância P dosada no sobrenadante foi usada como marcador para a indução da CNI pelo ácido lático. O polissacarídeo foi usado como uma molécula calmante e foi avaliado pelo modelo celular desenvolvido pelos autores e em um teste da picada in vivo.

 
    Nas células PC12 ou nos queratinócitos, foi mostrado que o ácido lático induz significativamente a produção de substância P e uma entrada de cálcio intracitosólica, independentemente do efeito tóxico. Então, os autores trabalharam em concentrações não tóxicas de ácido lático com a produção máxima de substância P, que corresponde a 0,1 (queratinócitos) ou a 0,1-0,2% (células PC12 NGF-diferenciadas). Em um modelo reconstruído in vitro de epiderme humana diferenciada, foi previamente mostrado um aumento de mortalidade com o uso de cremes contendo ácido lático em concentração similar à observada no efeito tóxico deste estudo.32 A produção de substância P é correlacionada com a CNI e é regularmente usada como um marcador neuroinflamatório. 12,17 Os autores assumiram que o ácido lático possui efeito pró-inflamatório nas células. Confirmando os resultados obtidos pelos autores, outros estudos demonstraram que o ácido lático aumenta o cálcio intracelular e é um precursor da produção de substância P nos neurônios DRG.33 In vivo, o teste da picada induz a tendência de aumento do número de fibras nervosas da substância P-positiva.34
 
    O ácido lático usa uma variedade de famílias de potentes receptores, o que pode explicar seu efeito na pele devido à função ácida ou à função específica de um ligante em um receptor. Os canais ativados por um efeito ácido são numerosos, mas as duas principais famílias incluem o receptor potencial transiente vaniloide 1 (TRPV1) e os canais iônicos Asic-sensing (ASICs).35 A família dos canais iônicos Asic-sensing é composta de seis membros (ASIC1a, ASIC1b, ASIC2a, ASIC2b, ASIC3 e ASIC4), que são receptores de prótons que são ativados pelo ácido lático.36 A ativação dos ASICs com ácido lático a 0,1% aumenta o cálcio intracelular nos neurônios DRG.33 O TRPV1 é expresso nos queratinócitos e nos neurônios sensoriais e é estimulado por muitos efeitos, como calor, capsaicina, UV e endovaniloides. Além disso, prótons em pH menor que 5,9 ativam o TRPV1. Essa ativação aumenta o cálcio intracelular e participa da produção da substância P e da CNI.8,17 Os receptores ativados pelo ligante ácido lático são receptores de áci os hidroxicarboxílicos (HCA). Os HCA são uma família de receptores acoplados de três proteínas G, incluindo HCA1, HCA2 e HCA3.

    O ácido lático é o principal antagonista dos HCA. A maioria desses receptores se expressa nas células da pele e implica a ocorrência de níveis diferentes de CNI, com sintomas como dor, prurido ou outras sensações de desconforto similares a essas.8,15-17,35

    Para identificar os efeitos ácidos dependentes ou independentes do ácido lático, foram usadas as mesmas condições desse ácido, mas alterando o pH, que inicialmente ficava entre 6 e 7 e aumentou para 7,4. Nessas condições, nenhuma produção de substância P ou entrada de cálcio foi observada, conduzindo a um mecanismo pH-dependente. Esses dados exluem, nas condições deste estudo, a participação do receptor HCA na produção da substância P e a entrada de cálcio. De forma interessante, em um modelo in vitro da acidificação do nervo ciático, os autores mostraram a produção de CGRP, que está sempre correlacionada com a produção de substância P.38 Peng et al. mostraram a participação do TRPV1 em pH 5,2, mas não em 6,1. O tratamento com ácido lático em pele de rato provoca prurido, mecanismo relacionado à CNI. Além disso, o prurido diminui em ratos KO ASIC3.39 Outro estudo demonstra a participação do ASIC1, mas não do ASIC2, usando acidose extracelular nos neurônios centrais.40 O pH determinado nas condições ácidas de cultura, neste estudo, é compatível com a ativação dos receptores ASICs,35 que também foram expressos nas células deste estudo. Entretanto, o pH era muito básico (pH de 5,9), não suficiente para ativar o TRPV1, mas a sensibilização foi possível, embora não tenha sido objeto deste estudo polissacarídeo aqui apresentado é rico em fucose e possui vários efeitos anti-inflamatórios, mas nenhum estudo foi feito na CNI. É interessante ressaltar que os receptores de fucose-manose existem na pele e que a fucose se liga aos queratinócitos e aos fibroblastos.21 Para identificar a ação calmante do polissacarídeo e a sua ação na CNI, estas foram avaliadas em um teste da picada in vivo. Os resultados mostraram diminuição significativa da sensação da picada em 50% quando o polissacarídeo foi aplicado versus T0 e diminuição de 30% versus placebo. Observa-se, no modelo in vitro deste estudo, que o polissacarídeo diminui significativamente a produção da substância P, em 25%, na cocultura (células PC12 não diferenciadas com queratinócitos), e em até 50% em monocultura (queratinócitos ou células PC12 não diferenciadas). Esse surpreendente e interessante resultado pode ser explicado pela interação/comunicação entre os queratinócitos e as células PC12 na cocultura. Esse resultado não é visto na monocultura, provavelmente, devido a outras moléculas inflamatórias que vão estimular as células a produzir a substância P por outra via que não a do polissacarídeo. O efeito de diminuição do polissacarídeo não provoca modificação significativa no pH do meio. Em um modelo diferente, o polissacarídeo demonstrou efeito anti-inflamatório,  o que os autores confirmaram neste estudo pela diminuição da produção da substância P (um mediador inflamatório) in vitro, a qual foi correlacionada com a diminuição da sensação calmante nas 19 voluntárias, por meio de um mecanismo dependente ou independente de produção de substância P. Consequentemente, pela inibição parcial do efeito do ácio lático –provavelmente por meio da via sinalizadora dos ASICs –, o polissacarídeo possui efeito anti-inflamatório e calmante, independentemente do pH.
 
   Pelo fato de os resultados in vivo e in vitro obtidos pelos autores terem a mesma direção, esse modelo in vitro aparece como uma ferramenta válida para prever ou talvez substituir o teste da picada. Além disso, é eticamente interessante e adaptável à triagem de ingredientes cosméticos, pois não utiliza animais no experimento e limita o número de voluntários humanos.

   Concluindo, os autores deste estudo desenvolveram um modelo de cocultura para que se possa prever o efeito calmante de algum componente (no presente caso, o polissacarídeo rico em fucose) pela inibição da produção de substância P induzida pelo ácido lático em queratinócitos e células PC12. O controle do pH e a avaliação mecânica são mais fáceis no modelo do que in vivo, portanto, esse modelo permite a investigação do ácido lático nas células da pele in vitro.


Referências

1. Issachar N, Gall Y, Borell MT, Poelman MC. pH measurements during lactic acid stinging test in normal and sensitive skin. Contact Dermatitis 36(3):152-5, 1997
2. Frosch PJ, Kligman AM. A method for appraising the stinging capacity of topically applied substances. J Soc Cosmet Chem 28(5):197-209, 1977
3. Christensen M, Kligman AM. An improved procedure for conducting lactic acid stinging tests on facial skin. J Soc Cosmet Chem 47(1):1-11, 1996
4. Seidenari S, Francomano M, Mantovani L. Baseline biophysical parameters in subjects with sensitive skin. Contact Dermatitis 38(6):311-5, 1998
5. Roussaki-Schulze AV, Zafiriou E, Nikoulis D, Klimi E, Rallis E, Zintzaras E. Objective Biophysical Findings in Patients with Sensitive Skin. Drugs Exp Clin Res 31:17-24, 2005
6. Ham H, An SM, Lee EJ, Lee E, Kim HO, Koh JS. Itching sensation and neuronal sensitivity of the skin. Skin Res Technol 22(1):104-7, 2016
7. Misery L, Loser K, Ständer S. Sensitive skin. J Eur Acad Dermatol Venereol JEADV 30:2-8, 2016
8. Gouin O, L’Herondelle K, Lebonvallet N, Le Gall-Ianotto C, Sakka M, Buhé V et al. TRPV1 and TRPA1 in cutaneous neurogenic
and chronic inflammation: pro-inflammatory response induced by their activation and their sensitization. Protein Cell 8(9):644- 661, 2017
9. Costa A, Eberlin S, Polettini AJ, da Costa Pereira AF, Pereira CS, Ferreira NMC et al. Neuromodulatory and anti-inflammatory ingredient for sensitive skin: in vitro assessment. Inflamm Allergy Drug Targets 13(3):191-8, 2014
10. Misery L. Neuropsychiatric factors in sensitive skin. Clin Dermatol 35(3):281-4, 2017
11. Ständer S, Schneider SW, Weishaupt C, Luger TA, Misery L. Putative neuronal mechanisms of sensitive skin. Exp Dermatol 18(5):417-23, 2009
12. Pereira U, Boulais N, Lebonvallet N, Lefeuvre L, Gougerot A, Misery L. Development of an in vitro coculture of primary sensitive pig neurons and keratinocytes for the study of cutaneous neurogenic inflammation. Exp Dermatol 19(10):931-5, 2010
13. Pereira U, Boulais N, Lebonvallet N, Pennec JP, Dorange G, Misery L. Mechanisms of the sensory effects of tacrolimus on the skin. Br J Dermatol 163(1):70-7, 2010 14. Pereira U, Garcia-Le Gal C, Le Gal G, Boulais N, Lebonvallet N, Dorange G et al. Effects of sangre de drago in an in vitro model of cutaneous neurogenic inflammation. Exp Dermatol 19(9):796-9, 2010
15. Roosterman D, Goerge T, Schneider SW, Bunnett NW, Steinhoff M. Neuronal control of skin function: the skin as a neuroimmunoendocrine organ. Physiol Rev 86(4):1309-79, 2006
16. Misery L. Skin, immunity and the nervous system. Br J Dermatol 137(6):843-50, 1997
17. Gouin O, Lebonvallet N, L’Herondelle K, Le Gall-Ianotto C, Buhé V, Plée-Gautier E et al. Selfm aintenance of neurogenic inflammation contributes to a vicious cycle in skin. Exp Dermatol 24(10):723-6, 2015
18. Guetta O, Mazeau K, Auzely R, Milas M, Rinaudo M. Structure and properties of a bacterial polysaccharide named Fucogel.
Biomacromolecules 4(5):1362-71, 2003
19. Szolnoky G, Bata-Csörgö Z, Kenderessy AS, Kiss M, Pivarcsi A, Novák Z et al. A mannosebinding receptor is expressed on human keratinocytes and mediates killing of Candida albicans. J Invest Dermatol 117(2):205-13, 2001
20. Hespanhol RC, de Nazaré C Soeiro M, Meuser MB, de Nazareth S L Meirelles M, Côrte-Real S. The expression of mannose receptors in skin fibroblast and their involvement in Leishmania (L.) amazonensis invasion. J Histochem Cytochem Off J Histochem Soc 53(1):35-44, 2005
21. Péterszegi G, Isnard N, Robert AM, Robert L. Studies on skin aging. Preparation and properties of fucose-rich oligo- and polysaccharides. Effect on fibroblast proliferation and survival. Biomed Pharmacother 57(5):187-94, 2003
22. Lima ATM, Santos MN, de Souza LAR, Pinheiro TS, Paiva AAO, Dore CMPG et al. Chemical characteristics of a heteropolysaccharide from Tylopilus ballouii mushroom and its antioxidant and anti-inflammatory activities. Carbohydr Polym 144:400-9, 2016
23. Wen Z-S, Xiang X-W, Jin H-X, Guo X-Y, Liu L-J, Huang Y-N et al. Composition and antiinflammatory effect of polysaccharides
from Sargassum horneri in RAW264.7 macrophages. Int J Biol Macromol 88:403-13, 2016
24. Cheng J-J, Yang C-J, Cheng C-H, Wang Y-T, Huang N-K, Lu M-K. Characterization and functional study of Antrodia camphorata lipopolysaccharide. J Agric Food Chem 53(2):469-74, 2005
25. Le Garrec R, L’herondelle K, Le Gall-Ianotto C, Lebonvallet N, Leschiera R, Buhe V et al. Release of neuropeptides from a neuro-cutaneous co-culture model: A novel in vitro model for studying sensory effects of ciguatoxins. Toxicon Off J Int Soc
Toxinology 116:4-10, 2016
26. Le Gall-Ianotto C, Andres E, Hurtado SP, Pereira U, Misery L. Characterization of the first coculture between human primary keratinocytes and the dorsal root ganglion-derived neuronal cell line F-11. Neuroscience 210:47-57, 2012
27. Lebonvallet N, Pennec J-P, Le Gall C, Pereira U, Boulais N, Cheret J et al. Effect of human skin explants on the neurite growth of the PC12 cell line. Exp Dermatol 22(3):224-5, 2013
28. Lebonvallet N, Boulais N, Le Gall C, Pereira U, Gauché D, Gobin E et al. Effects of the reinnervation of organotypic skin explants on the epidermis. Exp Dermatol 21(2):156-8, 2012
29. Lebonvallet N, Pennec J-P, Le Gall-Ianotto C, Chéret J, Jeanmaire C, Carré J-L et al. Activation of primary sensory neurons by the topical application of capsaicin on the epidermis of a reinnervated organotypic human skin model. Exp Dermatol 23(1):73-5, 2014
30. Sevrain D, Le Grand Y, Buhé V, Jeanmaire C, Pauly G, Carré J-L et al. Two-photon microscopy of dermal innervation in a human re-innervated model of skin. Exp Dermatol 22(4):290-1, 2013
31. Philippe R, Antigny F, Buscaglia P, Norez C, Becq F, Frieden M et al. SERCA and PMCA pumps contribute to the deregulation of Ca2 + homeostasis in human CF epithelial cells. Biochim Biophys Acta BBA - Mol Cell Res 1853(5):892- 903, 2015
32. Rendl M, Mayer C, Weninger W, Tschachler E. Topically applied lactic acid increases spontaneous secretion of vascular endothelial growth factor by human reconstructed epidermis. Br J Dermatol 145(1):3-9, 2001
33. Light AR, Hughen RW, Zhang J, Rainier J, Liu Z, Lee J. Dorsal root ganglion neurons innervating skeletal muscle respond to physiological combinations of protons, ATP, and lactate mediated by ASIC, P2X, and TRPV1. J Neurophysiol 100(3):1184-201,
2008
34. Lonne-Rahm S, Berg M, Mårin P, Nordlind K. Atopic dermatitis, stinging, and effects of chronic stress: A pathocausal study. J Am Acad Dermatol 51(6):899-905, 2004
35. Holzer P. Acid-sensitive ion channels and receptors. Handb Exp Pharmacol (194):283-332, 2009
36. Sherwood TW, Frey EN, Askwith CC. Structure and activity of the acid-sensing ion channels. Am J Physiol - Cell Physiol 303(7):C699-710, 2012
37. Boulais N, Pereira U, Lebonvallet N, Misery L. The whole epidermis as the forefront of the sensory system. Exp Dermatol 16(8):634-5, 2007
38. Fischer MJM, Reeh PW, Sauer SK. Proton-induced calcitonin gene-related peptide release from rat sciatic nerve axons, in vitro, involving TRPV1. Eur J Neurosci 18(4):803-10, 2003
39. Peng Z, Li W-G, Huang C, Jiang Y-M, Wang X, Zhu MX et al. ASIC3 Mediates Itch Sensation in Response to Coincident Stimulation by Acid and Nonproton Ligand. Cell Rep 13(2):387-98, 2015
40. Yermolaieva O, Leonard AS, Schnizler MK, Abboud FM, Welsh MJ. Extracellular acidosis increases neuronal cell calcium by
activating acid-sensing ion channel 1a. Proc Natl Acad Sci USA 101(17):6752-7, 2004



 

 

Novos Produtos