BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR
Estrutura e Organização Celular

Camila Martins Kawakami, Lorena Rigo Gaspar
Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto - USP, Ribeirão Preto SP, Brasil

Flávia Costa Mendonça Natividade
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, Ribeirão Preto SP, Brasil

 

Morfologia das células

Componentes Celulares

Membrana plasmática

Citoesqueleto

Núcleo celular

Organelas celulares

Outras estruturas

Referências

 

artigo publicado na revista Cosmetics & Toiletries Brasil, Jan/Fev de 2020, Vol. 32 Nº 1 (pág 18 a 23)

 

A célula é a menor unidade estrutural e funcional dos organismos e pode ser classificada em dois grandes grupos, procariotos e eucariotos, de acordo com sua estrutura. A maioria das células procarióticas são organismos microscópicos simples e unicelulares, mas apresentam capacidades bioquímicas surpreendentemente variadas. As bactérias são exemplos de procariontes e podem ter diferentes formas, como coco (esférica), bacilos (bastonete) e vibrião (forma de vírgula).


A principal característica das células procarióticas é a ausência de membrana delimitando o núcleo. O DNA cromossômico circular fica em contato direto com o restante do citoplasma, em um ponto específico denominado nucleoide. Essas células, além de apresentar membrana plasmática, têm parede celular composta de moléculas de polissacarídeos, lipídios e proteínas, cuja função é lhes proporcionar maior rigidez e proteção mecânica. Não possuem organelas membranosas e citoesqueleto.


Todos os outros seres vivos, como fungos, protozoários, animais e plantas, apresentam organização celular mais complexa e são denominados eucariotos. Alguns eucariotos podem ser unicelulares, por exemplo, as leveduras utilizadas na produção de pães, vinho e cerveja, e os protozoários que causam a doença de Chagas, a malária e a toxoplasmose. Outros organismos eucariotos, como os animais, são pluricelulares e se organizam em vastos sistemas celulares para realizar funções especializadas e conectar-se por complexas vias de comunicação.


Ao contrário das células procarióticas, que apresentam uma única membrana, as células eucarióticas têm vários compartimentos membranosos internos à membrana plasmática, que possuem morfologia e funções distintas. Nesses organismos, o DNA está mantido em um compartimento que é limitado por uma membrana de camada dupla, chamada núcleo, que separa o material genético do citoplasma.


O citoplasma é rico em água, sais minerais e moléculas orgânicas e corresponde a todo o espaço intracelular, sendo o maior compartimento da célula eucariótica animal. No citoplasma estão o citoesqueleto e as organelas citoplasmáticas. A Tabela 1 resume as principais diferenças entre os seres procariotos e os eucariotos.

 

Morfologia das células


O tamanho e a forma das células eucarióticas são determinados pelas funções exercidas, bem como pelo estado funcional e pelo ambiente em que estão inseridas. As células do tecido adiposo, por exemplo, adquirem forma esférica com o armazenamento de lipídios. As células do tecido nervoso, por sua vez, apresentam prolongamentos que permitem seu contato com outras células. Já os melanócitos da pele têm prolongamentos citoplasmáticos que depositam os grânulos de melanina no citoplasma de queratinócitos (Figura 1).


Os fibroblastos, células que compõem o tecido conjuntivo e que estão presentes na derme, atuam na síntese de componentes fibrilares (colágeno, elastina) e não fibrilares (glicoproteínas e proteoglicanas). Os fibroblastos ativos são maiores, possuem maior quantidade de prolongamentos citoplasmáticos, apresentam retículo endoplasmático rugoso e complexo de Golgi mais desenvolvidos e maior quantidade de mitocôndrias em relação aos fibroblastos senescentes (fibrócitos) (Figura 2).



 

 

 

 

Componentes Celulares


Membrana plasmática


A membrana plasmática é uma barreira que circunda as células, definindo os limites entre o meio intracelular e o meio extracelular. No interior das células eucarióticas, as organelas ou compartimentos intracelulares também são envolvidos por membranas. A membrana plasmática é a principal responsável pelo controle de entrada e saída de substâncias para o interior das células, além de participar de várias outras funções celulares, por exemplo, condução de sinais elétricos e produção de trifosfato de adenosina (ATP). Essa membrana atua, ainda, como suporte estrutural para enzimas e receptores, e permite a interação entre as células e a fixação da célula à matriz extracelular.


A constituição das membranas celulares é, principalmente, de lipídios, proteínas e carboidratos, sendo que a proporção desses componentes varia muito conforme o tipo da membrana. Os lipídios das membranas estão dispostos em uma dupla camada e são representados principalmente por fosfolipídios, glicolipídios e colesterol. Suas cadeias apolares (hidrofóbicas) ficam voltadas para o interior da membrana, enquanto as cabeças polares (hidrofílicas) ficam voltadas para o meio extracelular ou para o citoplasma, que são meios aquosos (Figura 3). Esse arranjo recebeu o nome de “modelo do mosaico fluido”.


De forma geral, substâncias solúveis em lipídios, como ácidos graxos, anestésicos e hormônios esteroides, atravessam facilmente a membrana plasmática. Por outro lado, as substâncias insolúveis nos lipídios penetram nas células com maior dificuldade, dependendo do tamanho da molécula e de suas características químicas.


As proteínas, por sua vez, são as principais responsáveis pela atividade metabólica das membranas, podendo atuar como proteínas estruturais, enzimas, canais, carreadores e receptores, permitindo, por exemplo, a passagem de substâncias e a ligação com hormônios (Figura 4). Já os carboidratos estão presentes nas membranas na forma de oligossacarídeos, estabelecendo ligações covalentes com os lipídios (glicolipídios) e com as proteínas da membrana (glicoproteínas). As proteoglicanas consistem em um eixo central de proteínas ligado covalentemente a longas cadeias de polissacarídeos e são encontradas principalmente no exterior da célula, sendo parte da matriz extracelular (Figura 4).


O termo glicocálix é comumente utilizado para denominar essa região, que é rica em carboidratos. Suas funções são: proteger a célula contra danos químicos ou físicos e permitir o reconhecimento e a adesão das células (Figura 4). Os oligossacarídeos do glicocálix, por exemplo, podem atuar como antígenos, como o sistema ABO de grupos sanguíneos presentes nas hemácias.

 


Citoesqueleto


O citoesqueleto é um sistema de proteínas entrelaçadas que atravessam o citoplasma e, junto a outras proteínas, formam um suporte que guia os movimentos celulares, dão força mecânica e controlam a forma das células. O citoesqueleto tem três componentes: filamentos finos (microfilamentos), filamentos intermediários e microtúbulos. Cada tipo de filamento tem funções biológicas, propriedades mecânicas e dinâmicas distintas. No entanto, certas propriedades fundamentais são comuns a todos eles (Figura 5).


Os microfilamentos são constituídos de duas cadeias de subunidades globulares de actina e são responsáveis pelos movimentos das organelas dentro das células, pela migração celular durante o desenvolvimento embrionário ou em cultura e pelas endocitose e exocitose (Figura 5). Os filamentos intermediários são constituídos de proteínas fibrosas, como queratina, desmina, vimentina, proteína ácida fibrilar glial, periferina ou neurofilamentos, e têm a função principal de proporcionar resistência mecânica à célula (Figura 5). A camada córnea da epiderme, por exemplo, é constituída de células anucleadas cujo citoplasma apresenta-se repleto de queratina. Nessa etapa da diferenciação da epiderme, os queratinócitos são transformados em placas sem vida e descamam continuamente.


Já os microtúbulos são estruturas cilíndricas e ocas que têm as capacidades de determinar o posicionamento das organelas delimitadas por membrana, promover o transporte intracelular e formar o fuso mitótico que segrega os cromossomos durante a divisão celular (Figura 5).

 

Núcleo celular


O núcleo é a região da célula onde se encontra o material genético, o ácido desoxirribonucleico (DNA), que carrega toda a informação sobre as características da espécie. Geralmente é único, esférico ou ovoide, e seu tamanho e sua forma variam conforme o tipo celular.


As células hepáticas, porém, apresentam dois núcleos (são binucleadas), as células de fibras musculares são multinucleadas e as hemácias são anucleadas. A camada córnea da epiderme, por exemplo, é constituída de células achatadas, mortas e sem núcleo.


O núcleo é delimitado por uma membrana nuclear dupla, denominada carioteca. Essa membrana tem diversos poros que são necessários para que ocorra a troca de substâncias entre o citoplasma e o núcleo. A membrana mais externa está ligada ao retículo endoplasmático, muitas vezes, ribossomos aderidos. Já o lado interno da membrana é constituído de uma rede de proteínas que ajuda na sustentação da carioteca e participa do processo de divisão celular.


Três componentes podem ser encontrados no núcleo: o nucleoplasma, substância onde fica mergulhado o material genético; o nucléolo, local da síntese do RNA ribossômico e da montagem das subunidades ribossômicas; e a cromatina, que é o material genético das células (Figura 6). A cromatina é composta de moléculas de DNA associadas a proteínas denominadas histonas. Durante o processo de divisão celular, toda a cromatina fica condensada, formando os cromossomos.

 

Organelas celulares


As organelas são regiões delimitadas por membranas internas que desempenham funções especializadas nas células. Na célula animal, existem seis tipos de organelas. Além do núcleo celular, já discutido anteriormente, podem ser encontrados o retículo endoplasmático liso e rugoso, o complexo de Golgi, a mitocôndria, o lisossomo e o peroxissomo (Figura 7).


O retículo endoplasmático está organizado em um labirinto de túbulos ramificados e de vesículas achatadas que se estendem através do citoplasma (Figura 7). O retículo endoplasmático rugoso possui ribossomos aderidos às suas membranas. Esses ribossomos constituem a maquinaria molecular para a realização da síntese proteica (Figura 7). Dessa forma, o retículo endoplasmático rugoso é mais abundante em células especializadas na secreção de proteínas, como as células acinosas do pâncreas (enzimas digestivas), os fibroblastos (colágeno) e os plasmócitos (imunoglobulinas). Já o reticulo endoplasmático liso não tem ribossomos ligados à sua membrana e sua função está relacionada à síntese de lipídios, como hormônios esteroides, metabolismo de glicogênio e detoxificação de drogas, por exemplo, o álcool (Figura 7).


O complexo de Golgi é constituído de discos membranosos achatados em forma de pilha que se organizam para desempenhar uma função associada ao retículo endoplasmático (Figura 7). Suas funções são modificar, armazenar e exportar proteínas sintetizadas no retículo endoplasmático rugoso para a membrana plasmática ou para outras organelas, e originar os lisossomos e os acrossomos dos espermatozoides.


Já as mitocôndrias são corpúsculos esféricos ou alongados constituídos de duas unidades de membrana: a membrana externa, que é lisa, e a interna, que contém invaginações denominadas cristas. As mitocôndrias têm a função principal de realizar a respiração celular. Esse processo ocorre por meio da oxidação de carboidratos, lipídios e aminoácidos, acarretando a produção do ATP e o fornecimento de energia para as células (Figura 7). Essas organelas estão presentes em quase todas as células eucarióticas, mas são mais abundantes naquelas que demandam mais energia, como as células musculares. Elas são encontradas nas hemácias e nas células mais superfi ciais da epiderme.


Os lisossomos são organelas de forma e tamanho muito variável, e sua principal função é a digestão de moléculas orgânicas provenientes do exterior da célula (Figura 7). As enzimas hidrolíticas presentes no interior dos lisossomos, como proteases, nucleases, glicosidases, lipases e fosfolipases, são sintetizadas no retículo endoplasmático rugoso e conduzidas através de vesículas para o complexo de Golgi. Os melanócitos da pele, por exemplo, produzem e armazenam pigmentos em seus lisossomos.


Os ensaios para a avaliação da viabilidade celular são amplamente empregados na busca de novas moléculas, tanto para a avaliação da toxicidade quanto para a avaliação da eficácia in vitro em cultura celular. Grande parte desses ensaios são baseados na avaliação da captação dos corantes vitais vermelho neutro ou brometo de 3- [4,5-dimetiltiazol-2-il] - 2,5 difenil tetrazolio (MTT) pelas organelas de células vivas. Os ensaios de citotoxicidade (OECD GD 129: estimativa da dose inicial para teste de toxicidade aguda oral sistêmica) e fototoxicidade in vitro 3T3 NRU em fibroblastos murinos 3T3 (OECD TG 432) avaliam a captação do corante vital vermelho neutro pelos lisossomos das células viáveis. A captação do vermelho neutro depende da capacidade de as células manterem o gradiente de pH, sendo que as células viáveis acumulam o corante dentro dos lisossomos. Substâncias tóxicas podem aumentar a fragilidade dos lisossomos e levar à morte celular e, consequentemente, levar à redução do corante retido pela cultura celular.


Já o ensaio utilizando MTT avalia a captação desse corante pelas mitocôndrias das células viáveis. As células viáveis com metabolismo ativo convertem o reagente MTT em cristais de formazan, de coloração roxa, enquanto as células mortas não são capazes de realizar essa conversão. Assim, a coloração roxa é utilizada para quantificar a viabilidade das células estudadas. O mecanismo dessa conversão envolve reações com moléculas redutoras, como NADH, e também está relacionado à atividade das enzimas mitocondriais. Outros sais de tetrazólio e a resazurina também são utilizados frequentemente. Contudo, todos os ensaios baseados no mecanismo de redução dos sais de tetrazólio podem apresentar artefatos, pois podem sofrer interação química com a substância testada. Dessa forma, torna-se fundamental avaliar se as substâncias testadas, principalmente compostos antioxidantes, podem reduzir o MTT ou outros sais de tetrazólio e assim levar a resultados falsos de viabilidade celular. Devido à possibilidade de artefatos, é comum se avaliar a viabilidade celular pela análise de mais de um corante/método.


Por fim, os peroxissomos são organelas membranosas caracterizadas pela presença de enzimas oxidativas que têm a função de detoxificar as células (Figura 7). O processo de oxidação dos substratos orgânicos pode levar à produção de peróxido de hidrogênio (H2O2), que, por sua vez, é prejudicial às células. No entanto, a enzima catalase, presente nos peroxissomos, promove a degradação do H2O2 em água e oxigênio:

Esse tipo de reação oxidativa é particularmente importante nas células do fígado e do rim, nos quais os proxissomos detoxificam várias moléculas tóxicas presentes que entram na corrente sanguínea.

 

Outras estruturas


Os ribossomos são estruturas formadas por 2 subunidades, uma maior e outra menor, compostas de RNA ribossomal e proteínas. São responsáveis pela síntese de proteínas. Esses componentes também podem ser encontrados na forma livre e são estrutural e funcionalmente idênticos aos ligados à membrana (Figura 8).


Os centríolos, assim como os ribossomos, são componentes celulares não envolvidos por membrana. São constituídos de estruturas pequenas e cilíndricas que se localizam em uma região da célula denominada centrossomo. Atuam na formação dos fusos durante a atividade mitótica e na formação de cílios e flagelos (Figura 7).

 

Referências

 

1. Alberts et al. Biologia molecular da célula. 6ª ed, Porto Alegre, Artmed, 2017.

2. LC Junqueira, J Carneiro. Biologia celular e molecular. 9ª ed, Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2018

3. LC Junqueira, J Carneiro. Histologia básica. 12ª ed, Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2013

4. Kuete et al (2017). Anticancer Activities of African Medicinal Spices and Vegetables, In: Medicinal Spices and Vegetables from Africa. Victor Kuete edit, Academic Press, Cambridge, 2017

5. Lodish et al. Biologia celular e molecular. 7ª ed, Porto Alegre, Artmed, 2014

6. OECD. Guidelines for the Testing of Chemicals Test nº 432: In Vitro 3T3 NRU Phototoxicity Test (Original Guideline, adopted 13th April 2004). Paris, OECD Publishing, Paris, 2004. Disponível em: http://www.oecd.org/. Acesso em: 24/1/2020

7. OECD. Series on Testing and Assessment nº 129: Guidance document on using cytotoxicity tests to estimate starting doses for acute oral systemic toxicity tests. Paris, OECD Publishing, Paris, 2010. Disponível em: http://www.oecd.org/. Acesso em: 24/1/2020

8. T Montanari. Atlas digital de biologia celular e tecidual. Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 2016

9. Zaha et al. Biologia molecular básica. 5ª ed, Porto Alegre, Artmed, 2014

 

Camila Martins Kawakami é farmacêutica formada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), mestre e doutora em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCF-RP). Realizou doutorado sanduíche na Freie Universitat Berlin, Alemanha.

Flávia C. Mendonça Natividade é bioquímica formada pela Universidade Federal de São João Del Rei, mestre e doutora em Ciências no programa de Biologia Celular e Molecular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP).

Lorena Gaspar é farmacêutica, com mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo e estágio de pós-doutorado no ZEBET (National Centre for Documentation and Evaluation of Alternative Methods to Animal Experiments), em Berlim, Alemanha. É professora associada de Cosmetologia na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto - USP.

 

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