Gel Alcoólico a 70% com Hidroxietilcelulose

 

Ionete Lúcia Lúcia Milani Barzotto, Simone Maria Menegatti de Oliveira, Fernanda Giacomini Bueno, Patrícia Guerrero de Sousa
Centro de Ciências Médicas e Farmacêuticas, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel PR, Brasil

Argumentação

Desenvolvimento da Formulação

Matérias-primas utilizadas

Determinação do grau alcoólico

Quantidade de álcool etílico e água destilada

Preparo dos géis alcoólicos a 70% p/p

Controle de qualidade 

Discussão

Conclusão


 

Argumentação

Ao mesmo tempo que, a cada dia, o mundo acompanha o aumento de casos de Covid-19 em todo o planeta, inúmeras pesquisas estão em andamento, na busca de soluções para o combate da disseminação do novo coronavírus. Sabe-se que a transmissão desse vírus ocorre de pessoa para pessoa, tanto em ambientes hospitalares como familiares, através de sua autoinoculação, através das mãos, em mucosas do nariz, olhos ou boca. 
 
Diante deste cenário, o tema “higienização das mãos” tem sido tratado como prioridade. Estudos demonstram claramente a relação entre a melhora da adesão à higienização das mãos e a redução das taxas de infecção nos ambientes hospitalares e serviços de saúde. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), podem ser utilizados para higienização das mãos: o sabonete comum e os antissépticos (álcool, preferencialmente o etanol, o isopropanol e o n-propanol, a clorexidina, o iodo/iodóforos e o triclosan). Para combater o novo coronavírus, as fórmulas foram especificadas na RDC nº 347/2020, da Anvisa. No entanto, devido à eficácia e à facilidade de uso das preparações alcoólicas, elas têm sido recomendadas para uso rotineiro quando não houver sujidade visível nas mãos. 
 
No Brasil, o primeiro caso de contaminação pelo novo coronavírus foi registrado no final de fevereiro deste ano, o que estimulou a busca pelo álcool em gel em farmácias e supermercados. O Formulário Nacional da Farmacopeia Brasileira (FNFB) preconiza uma fórmula de álcool gel à base de carbômero a 0,5%. No entanto, recentemente, a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) afirmou que o Carbopol (carbômero) está em falta no mundo inteiro devido à grande demanda pelo uso desse polímero. Isso acabou gerando grande preocupação na população e nas indústrias nacionais, por causa do avanço do novo coronavírus.
 
Em 2010, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia divulgado uma publicação com fórmulas alternativas, feitas com soluções aquosas, de modo a garantir a disponibilidade desse produto à população. Diante do contexto atual, a Anvisa publicou a RDC n° 347/2020, na qual autoriza as farmácias de manipulação a preparar e vender álcool em gel diretamente para o público. Com essa medida, o órgão pretende ampliar o acesso da população a esse produto, considerando o alto número de farmácias de manipulação em todo o Brasil.
 
Até o momento, não há uma formulação de álcool etílico em gel padronizada em substituição à do FNFB, tanto nos compêndios oficiais nacionais quanto em periódicos. Portanto, os objetivos deste artigo são apresentar uma formulação alternativa, com hidroxietilcelulose (HEC), para a manipulação de álcool etílico em gel a 70% e compará-la à formulação do carbômero proposta pelo FNFB.



Foram utilizados os seguintes ingredientes:
- álcool etílico 92,8° INPM (Álcool Tupi, Ibaté SP);
- hidroxietilcelulose (Natrosol 250, fornecido por Alpha Química, Cachoeirinha RS);
- carbômero 940 (Carbopol 940, fornecido por Anidrol, Diadema SP);
- metilparabeno (Nipagim, fornecido por MCassab, São Paulo SP); 
- água destilada.


Foi realizada a determinação do grau alcoólico do álcool etílico com o auxílio do alcoômetro de Gay Lussac e Cartier, acoplado com termômetro em uma proveta de 500 ml. O alcoômetro indica a concentração do álcool etílico em volume nas misturas hidroalcoólicas à temperatura de 20°C, na qual o instrumento foi graduado. Foi realizada a leitura do grau alcoólico aparente. Quando a temperatura do álcool apresentou temperatura inferior ou superior a 20°C, as correções sobre as indicações do alcoômetro foram efetuadas, em função da temperatura, utilizando a tabela da força real dos líquidos espirituosos e a tabela de alcoometria, obtendo-se assim o grau alcoólico real.


De acordo com o grau alcoólico real, calculou-se a quantidade de álcool etílico necessária para preparar 1 litro de gel alcoólico a 70% p/p (77°GL ou 77% v/v), percentual alcoólico indicado para a desinfecção, segundo o FNFB. Para o cálculo dessa quantidade de álcool a ser utilizada na formulação, foi utilizada a fórmula:
x = (V.g')/g
Onde: 
x = volume de álcool a ser calculado (ml)
V = volume a preparar (ml)
g' = grau alcoólico que se quer obter (°GL)    
g = grau alcoólico real (°GL)
Ao se obter a quantidade de álcool etílico, consegue-se obter a quantidade de água destilada (1.000 – x).


O gel alcoólico de HEC foi preparado conforme a fórmula descrita na Tabela 1.
A HEC foi adicionada à água destilada, e a mistura foi levada ao aquecimento, sob agitação, em chapa aquecedora (Nova Técnica, Piracicaba SP) até chegar a 60/70°C, formando um gel (Fase A). O gel foi retirado do aquecimento e manteve homogeneização até que ocorreu O esfriamento abaixo de 40°C. Posteriormente, o metilparabeno foi solubilizado na quantidade calculada do álcool etílico qsp (Fase B). Essa solução, sob constante agitação e com o auxílio de agitador mecânico de alta rotatividade (Fisatom, São Paulo SP), foi adicionada lentamente à Fase A. 
Foi verificado o pH do álcool em gel preparado e, quando necessário, foi ajustado para o pH 6-7, com agente alcalinizante.
O gel alcoólico de carbômero 940 foi preparado conforme o FNFB.


Tabela 1. Formulação para o preparo de 1000 ml do gel hidroalcoólico de HEC
Componentes Quantidade 
Fase A
Hidroxietilcelulose 10 g
Água destilada qsp* (1.000 – x) ml
Fase B
Metilparabeno 0,1 g
Álcool etílico calculado x ml
*quantidade suficiente para

 

 
 

 

 

 


 

O controle de qualidade do gel foi realizado utilizando-se como padrão de comparação o gel de carbômero 940. Nesse procedimento, foram verificadas as características organolépticas, o pH (pHmetro da Gehaka, São Paulo SP) e a viscosidade (Brookfield RTV – spindle nº 4, Brookfield Engineering Laboratories, Middleboro MA, EUA). Os resultados são apresentados na Tabela 2.
 
Tabela 2. Resultados da comparação da análise de controle de qualidade do álcool em gel com carbômero 940 e com HEC
Características analisadas Carbômero 940 Hidroxietilcelulose
Cor Transparente Levemente amarelada
Odor Característico Característico
pH 6,5 6,5
Densidade (mg/ml) 0,87 0,95
Viscosidade (cP) ≥8.000 ≥8.000



 

 

 

 


 

A atividade antimicrobiana dos álcoois resulta de sua capacidade de desnaturar proteínas. Soluções alcoólicas contendo entre 60% e 80% de álcool etílico são mais eficazes que as concentrações alcoólicas mais altas, pelo fato de que as proteínas não são desnaturadas facilmente na ausência de água. Quando as formulações de álcool em gel são comparadas à de álcool líquido, a última apresenta melhores resultados na descontaminação das mãos, mas a adesão ao uso da primeira é maior. 
 
O álcool em gel 70% deixa resíduos nas superfícies, os quais perduram enquanto estas não são lavadas com água, sabão e escova. Por causa de sua ação residual, a formulação em gel age por mais tempo na superfície aplicada e, como evapora mais rapidamente, a ação do álcool líquido é mais limitada. Além disso, o álcool em gel não escorre pelos dedos, o que facilita sua aplicação. Assim, a formulação líquida seria mais adequada à desinfecção de superfícies e a formulação em gel para à antissepsia da pele. Ressalta-se que, por meio da resolução n° 46, de 2002, a Anvisa proibiu a venda de álcool etílico líquido com graduação acima de 54°GL (Gay Lussac), devido aos riscos que o produto traz à saúde por ter alta inflamabilidade. Essa graduação foi permitida na forma de solução coloidal, como o gel. 
 
Géis são sistemas semissólidos e podem ser formados por suspensões de pequenas partículas inorgânicas ou macromoléculas orgânicas interpenetradas por um líquido. O carbômero 940 é uma macromolécula com ação gelificante, cuja estrutura química é constituída de polímeros acrílicos de carboxivinila, e que produz géis cristalinos, aquosos ou hidroalcoólicos. Para o espessamento do carbômero 940 e a formação de gel, é necessário efetuar a sua neutralização com bases inorgânicas, até a obtenção do máximo de viscosidade e transparência do gel em pH 7. O gel de carbômero 940 é amplamente empregado na produção de álcool etílico 70% em gel, principalmente porque sua formulação está descrita no FNFB. No entanto, no cenário atual da pandemia do novo coronavírus, a ausência desse produto no comércio se tornou um problema de saúde pública.
 
Solúvel em água fria ou quente e em até 60% de etanol, a HEC é um polímero promissor para substituir o carbômero 940 em casos de sua falta no comércio, como está ocorrendo na atual conjuntura. A HEC é um polímero sintético obtido da reação de óxido de etileno com celulose alcalina e é amplamente utilizado na indústria farmacêutica. A HEC é insípida, inodora, biocompatível, hidrofílica e não iônica. Tem ação espessante e mantém sua estabilidade na faixa de pH de 2,0 a 12,0. Portanto, é um polímero adequado para substituir o carbômero.
 
Inicialmente, nossa equipe testou a técnica usada para produzir o gel de alta viscosidade descrita no FNFB.
A preparação foi feita em duas fases a frio, sendo que a água foi substituída por álcool a 70% p/p. No entanto, ao incorporar o álcool à formulação usando essa técnica, a formulação não apresentou gelificação. Então foi desenvolvida uma formulação preparada a quente, na qual, em uma das fases, a água foi misturada com a HEC, e, em outra fase, o álcool etílico foi misturado com o conservante, sendo calculada a quantidade suficiente para se obter o álcool a 70% p/p. 
 
A formação da estrutura coerente do gel de HEC ocorre mais rapidamente por meio do aquecimento, e, como o álcool evapora com facilidade, não é adequado aquecê-lo, ele foi incorporado após o resfriamento total da primeira fase. As concentrações dos componentes da fórmula inicial foram ajustadas com o propósito de se obter as características mais próximas às do gel de carbômero 940. 
 
De acordo com a RDC nº 46/2002, a viscosidade do álcool em gel a 70% deve ser maior que 8.000 cP (centipoise) a 25ºC, para diminuir os riscos de acidentes por queimadura ou ingestão do produto. Os dois géis preparados apresentaram essa característica, exigida na legislação. As demais características dos géis se apresentaram próximas, da mesma forma. Portanto, o gel de HEC desenvolvido por meio dessa técnica demonstrou ter boa estabilidade e boa aparência, sendo que suas características organolépticas, sua densidade e sua viscosidade são compatíveis com as do gel-padrão. 


A formulação apresentou aspectos técnicos compatíveis com a do carbômero 940, sendo, portanto, uma alternativa para a manipulação do álcool etílico a 70% p/p na forma de gel, em farmácias magistrais. Estudos futuros de avaliação da estabilidade e da conservação dessa formulação, bem como de sua efetividade antisséptica e de sua segurança de uso a curto e longo prazo, são necessários e pertinentes. 


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