O Uso de Canabidiol em Cosméticos

Alison Fulton, Sarah Blitz
Sheppard, Mullin, Richter e Hampton, Washington DC, EUA

O “porquê” da Conformidade dos Cosméticos com o CBD

O “como” da Conformidade de Cosméticos com o CBD

Declaração e Considerações Internacionais

Conclusões

artigo publicado na revista Cosmetics & Toiletries Brasil, Set/Out de 2019, Vol. 31 Nº 5 (pág 36 a 40)

     O canabidiol (CBD) é uma substância derivada da planta Cannabis L. sativa que vem ganhando popularidade rapidamente. A planta Cannabis sativa L. é conhecida por conter mais de 100 canabinoides, entre eles o canabidiol (CBD), o canabinol (CBN) e o canabigerol (CBG). Dos inúmeros canabinoides, o CBD é encontrado normalmente na planta, com maior concentração.

     O cânhamo é uma variedade da planta Cannabis sativa L. cujas sementes são usadas na produção de alimentos, suplementos nutricionais, medicamentos e cosméticos. O caule e as fibras do cânhamo são usados na produção de papel, tecidos, cordas, compostos plásticos e materiais de construção. O cânhamo contém altas concentrações de CBD e baixas concentrações de tetra-hidrocanabinol (THC), princípio ativo que causa efeitos psicoativos. Outra variedade da Cannabis sativa L. é a maconha, da qual são utilizadas as flores, que apresentam níveis bastante elevados de THC. Para a planta ser considerada cânhamo, ela deve conter, no máximo, 0,3% de THC; a maconha pode conter até 33%.

     Há uma lei federal nos Estados Unidos que reconhece o cânhamo como uma planta da espécie Cannabis L. sativa que contém menos de 0,3% de THC. Já existem no mercado vários produtos cosméticos à base de cânhamo que contêm CBD. Esses produtos são comercializados em diferentes apresentações, como bálsamo para os lábios, sais de banho e óleos para o corpo.

     Porém, nos Estados Unidos, o panorama regulatório para os cosméticos contendo CBD é complexo e está em evolução. O Agriculture Improvement Act de 2018, também conhecido como Farm Bill, retirou o cânhamo do Controlled Substances Act. Isso quer dizer que o cânhamo não é mais considerado uma substância ilegal segundo as leis federais do país. Contudo, isso não significa que os produtos derivados do cânhamo não serão regulamentados.

     Dando continuidade ao Farm Bill, a Food and Drugs Admnistration (FDA), agência dos Estados Unidos que regula os medicamentos no país, emitiu uma série de resoluções esclarecendo sua posição sobre o uso do CBD nos produtos que regulamenta. A FDA também enviou uma série de advertências para empresas que comercializam produtos contendo CBD, inclusive de uso tópico e cremes, que ousam fazer apelos mercadológicos sem nenhuma base científica.

     Por exemplo, em março de 2019, a FDA enviou uma carta de advertência a uma empresa que vendia uma pomada de CBD cujo rótulo alardeava “tratar de inflamações e outros problemas crônicos”. A FDA também enviou carta de advertência a outra empresa que vendia um “gel muscular” de CBD e anunciava que este reduzia a inflamação e aliviava a dor causada pela artrite. Empresas que produziam cosméticos contendo CBD também foram advertidas porque faziam afirmações do tipo “indicado para o tratamento de tumores de câncer” e “indicado para tratar doenças cardíacas”.

     Atualmente, a FDA proíbe a adição de CBD em alimentos ou em suplementos dietéticos, independentemente de o CBD ser ou não derivado da Cannabis sativa L. Essa proibição ocorre porque, de acordo com o Federal Food, Drug and Cosmetic Act (FDCA), um fabricante não pode lançar no mercado um alimento ou suplemento dietéticos contendo algum ingrediente ativo que seja aprovado pela FDA como medicamento, ou sobre o qual tenham sido feitos estudos clínicos com resultados publicados. O CBD é o ingrediente ativo do medicamento Epidiolex, que foi submetido a rigorosos estudos clínicos, cujos resultados foram publicados em revistas especializadas. Portanto, como, por esses estudos, o CBD foi considerado uma droga, seu uso não é permitido em alimentos ou suplementos dietéticos.

     Porém, não existe nenhuma previsão no FDCA, similar à que foi mencionada anteriormente que proíba a inclusão do CBD ou de outro ingrediente ativo medicamentoso em produtos cosméticos. Em outras palavras, não existe proibição explicita sobre o uso do CBD em cosméticos.

 

O “porquê” da Conformidade dos Cosméticos com o CBD

     Antes de entrarmos em “o que” os fabricantes de cosméticos devem fazer para permanecer fiéis às normas vigentes, é importante sabermos a razão disso. A FDA regulamenta os cosméticos por meio do FDCA, do Fair Packaging and Labeling Act, e do Título 21 do Código de Regulamentos Federais (CFR). Segundo o FDCA, cosméticos são definidos como “artigos que visam ser esfregados, espalhados, pulverizados ou vaporizados, introduzidos ou, de alguma forma, aplicados ao corpo humano para limpeza, embelezamento, promover a atratividade ou alterar a aparência”.

     Diferentemente dos medicamentos, os ingredientes e os produtos cosméticos não necessitam da aprovação da FDA para ser comercializados. As exceções são os aditivos de cor (corantes e pigmentos), os filtros solares e os antiperspirantes. Esses ingredientes são considerados “drogas” pela FDA, que segue o que estabelece o FDCA. Embora a FDA tenha um programa de registro voluntário, os fabricantes de cosméticos não são obrigados a registrar nem seus estabelecimentos nem seus produtos naquela agência.

     A FDA classifica os produtos como cosméticos ou como medicamentos, segundo o uso visado, ou seja, o uso para o qual cada produto é destinado. O uso visado de um produto é definido, principalmente, pelos apelos (claims) do fabricante em seu material promocional, inclusive divulgados em redes sociais ou pela televisão. Por exemplo, um creme tópico que pretendesse ser um “hidratante” seria considerado um cosmético. Entretanto, se o material promocional desse mesmo creme declarasse que este “reduz inflamações” ou que “alivia as dores”, seria considerado um medicamento. E, certamente, apelos mais contundentes, como “ajuda a curar ou a prevenir doenças”, como câncer ou artrite reumatoide, nunca serão apelos adequados a cosméticos.

     Mas há produtos que podem ser, ao mesmo tempo, cosméticos e medicamentos, uma vez que essas categorias não são mutuamente excludentes. Por exemplo, um colírio que visa “reduzir a inflamação” também pode ter seu lado cosmético “fornecendo hidratação”. Nesse caso, esse produto é anunciado com os apelos de ser medicamento e cosmético.

     O apelo de um produto também pode ser implícito. Por exemplo, a FDA pode considerar a afirmação de que o produto “melhora a mobilidade das articulações, reduzindo a inflamação e dores” um apelo implícito de tratamento de artrite reumatoide. Igualmente, a declaração de que um produto “evita a fragilização dos ossos em mulheres idosas” pode estar sub-repticiamente informando que o produto evita a osteoporose.

     A FDA vem declarando que o uso desejado de um produto também pode ser estabelecido pela percepção do consumidor, ou seja, pode ser estabelecido pela reputação do produto ou por este conter ingredientes que são bastante conhecidos, pelo público e pelos fabricantes, como ativos de uso terapêutico. Omitir um “benefício” com base na teoria do uso desejado, porém, não seria defensável em um processo judicial. Apesar disso, as empresas devem entender quais são as impressões e as percepções do consumidor para que se adéquem ao contexto, o que pode ser feito usando o material promocional do produto.

     Embora os fabricantes de cosméticos não sejam obrigados a se registrar na FDA, nem a submeter seus produtos à aprovação ou ao registro pré-venda, eles têm que assumir a responsabilidade legal sobre a segurança e a comprovação das informações fornecidas na rotulagem desses produtos. O FDCA proíbe o lançamento de produtos “adulterados” ou “falsificados”. Um cosmético é considerado adulterado pelo FDCA se contiver uma substância que possa tornar esse produto perigoso para os consumidores, nas condições de uso recomendadas.

     Como exemplo disso, pode ser citado um produto: que contenha uma substância impura, em decomposição ou deteriorada; que tenha sido fabricado ou mantido em condições nas quais possa ter sido contaminado; ou que, sob certas condições, possa tornar-se perigoso para os consumidores. Muitas vezes, os eventos que adulteram um cosmético podem ter relação com contaminação cruzada, que pode ocorrer quando a fabricação do produto é realizada simultaneamente com um segundo produto, do qual algum componente pode migrar para o primeiro produto, contaminando-o e/ou deteriorando-o. A adulteração de um produto também pode ocorrer, se tiver sido acrescentado a ele algum ingrediente que não atenda às especificações – como um conservante que não o proteja de contaminação bacteriana. Um cosmético será considerado falsificado se sua rotulagem contiver informações falsas ou que possam causar mal-entendidos, ou se o recipiente for fabricado ou envasado de maneira descuidada, permitindo contaminações.

 

O “como” da Conformidade de Cosméticos com o CBD

     Como as empresas de cosméticos podem assegurar que seus produtos estão cumprindo as normas? Em primeiro lugar, atualmente, os produtos cosméticos contendo CBD só podem ser comercializados nos Estados Unidos se estiverem atendendo às regulações do FDCA referentes à adulteração e à falsificação, inclusive as exigências de rotulagem, segundo a norma 21 CFR capítulos 700 e 701. Esses requisitos sobre adulteração e falsificação garantem que os produtos comercializados sejam seguros para uso pelo consumidor. Evidentemente, a segurança é a espinha dorsal da missão da FDA, que é proteger a saúde pública.

     Os cosméticos não estão sujeitos a regulamentos da FDA sobre as Boas Práticas de Fabricação (GMP, na sigla em inglês). Contudo, a FDA tem publicado diretrizes que incorporam estas normas de consenso internacional sobre a fabricação de cosméticos: as Boas Práticas de Fabricação de Cosméticos e as Diretrizes sobre as Boas Práticas de Fabricação ISO 22716:2007. Essas normas trazem recomendações sobre o processamento e controles de laboratório, como testes das matérias-primas, de produtos em processo e de produtos acabados, visando assegurar a uniformidade e a consistência dos produtos, a armazenagem dos materiais sob condições controladas e a calibração dos instrumentos de produção e de laboratório, além dos testes das amostras retidas, para o controle de contaminação microbiológica. As empresas que seguem essas diretrizes minimizam o risco de contaminação e de adulteração de um produto.

     É especialmente importante testar o produto no momento do seu lançamento, de modo a assegurar que ele realmente contenha as quantidades de CBD/THC mencionadas no rótulo, se houver. Níveis mais elevados de CBD e, especialmente, de THC, poderiam causar eventos adversos ao consumidor e tornar o produto ilegal em alguns estados dos Estados Unidos. As empresas também deveriam testar seus produtos durante seu shelf life, por exemplo, a cada seis meses, até a data de expirar a validade dos produtos para aferir os níveis de CBD/THC e se estão ocorrendo contaminações bacterianas e degradações naturais. As empresas que mantiverem padrões de qualidade para o CBD em seus produtos estarão mais bem posicionadas em um mercado competitivo.

     Além disso, quem comercializa cosméticos que contêm CBD deveria ter um suporte científico mostrando que o CBD que compõe esses cosméticos é seguro para uso tópico em todos os consumidores aos quais esses produtos são indicados. Os cosméticos não seguros para as finalidades a que se destinam deveriam estar chamando a atenção das entidades regulatórias do mundo todo, sem falar na sua rejeição por parte dos consumidores. A FDA ainda não se pronunciou sobre o nível de CBD que seria seguro para uso sem necessidade de prescrição médica (ou produtos OTC, over-the-counter), ou seja, em cosméticos. Porém, esse nível foi aprovado pela FDA para o medicamento Epidiolex, indicado a pacientes pediátricos com doses iniciais de 5 mg/kg por dia, com dose máxima diária de 20 mg/kg de massa corporal. O Epidiolex é administrado oralmente, em forma de solução, diferentemente da aplicação tópica dos cosméticos. Portanto, as empresas deveriam desenvolver sólidos dados de segurança, inclusive estudos clínicos, para dar suporte ao nível de CBD presente em cada produto.

     Os produtos cosméticos contendo CBD deveriam ter sua publicidade baseada no esclarecimento de que eles são apenas produtos cosméticos. Especificamente, esse esclarecimento deveria ser feito em relação a produtos de embelezamento, que promovem a atração pessoal e a hidratação. As empresas deveriam ter em mente que alguns apelos promocionais de produtos cosméticos já foram considerados propaganda enganosa, pois afirmavam que aqueles produtos “queriam se passar” por medicamentos. Alguns desses produtos já foram acionados pela FDA, como produtos para o tratamento de acne, o crescimento de cílios, a proteção solar em maquiagem, a restauração de cabelos, a remoção de rugas e a redução de pés de galinha.

     Finalmente, os fabricantes de produtos cosméticos contendo CBD devem evitar todo e qualquer apelo promocional– implícito ou explícito – que possa levar os consumidores a confundir esses cosméticos com medicamentos. Eles devem evitar, em seus materiais promocionais, o uso dos temas comuns aos produtos com CBD: melhora da respiração, alívio da dor nas articulações, anti-inflamatório, analgésico etc. A FDA tem dado alta prioridade a produtos com CBD com apelos que levam os consumidores a confundi-los com medicamentos. Essa premência pode ser constatada pelas cartas de advertência e encaminhamento de casos ao comissariado da FDA, que, em abril de 2019, externou sua crescente preocupação com grandes marcas que vendiam produtos tópicos com CBD.

     Seguir todas essas diretrizes ajudará as empresas a reduzir o risco de entrar em colisão com os regulamentos e as restrições da FDA.

 

Declaração e Considerações Internacionais

     Dentro dos Estados Unidos, esforços estaduais também estão sendo feitos para regulamentar o uso do CBD em cosméticos. O estado da Califórnia, por exemplo, tem uma legislação pendente de homologação, a AB-228, que altera o California Health and Safety Code que contém disposições da Sherman Food, Drug and Cosmetics Law, que declara categoricamente: “Um cosmético não é considerado adulterado se contiver produtos industriais da Cannabis. A venda de cosméticos que incluem produtos industriais da Cannabis ou do canabidiol obtido por meios industriais da Cannabis não sofrerá restrições ou proibições apenas com base na inclusão desses ingredientes”.

     Enquanto a AB-228 não se tornar lei, é importante saber que esforços legislativos estaduais também podem causar impacto na capacidade de as empresas distribuírem cosméticos contendo CBD.

     Além disso, as empresas devem se manter alertas sobre o fato de que a conformidade em mercados internacionais pode impor outras restrições ou exigências. Por exemplo, a European Union Regulation nº. 1223/2009 define que um produto cosmético é “qualquer substância ou mistura cuja finalidade é entrar em contato com partes externas do corpo humano, com o objetivo de limpar, perfumar, alterar a aparência, proteger, manter as boas condições ou corrigir odores do corpo humano”.

     Nos textos principais e nos anexos da European Union Regulation, a Cannabis está incluída na lista de substâncias proibidas em cosméticos, no seguinte texto: “as flores, as inflorescências e os frutos da planta Cannabis estão proibidos”. O uso das sementes e das folhas dessa planta não estão proibidas. Dessa forma, o CBD pode ser usado em mercados da União Europeia (UE) sempre que tiver sido obtido das sementes e das folhas da Cannabis sativa L. e sem inclusão do composto obtido de suas flores. São aplicadas todas as demais exigências legais gerais para produtos cosméticos, inclusive o que se refere à segurança e aos relatórios de segurança.

 

Conclusões

     Entrar na onda do CBD pode ser lucrativo, mas as empresas devem decidir com cautela se farão isso e se aconselhar devidamente com assessorias qualificadas, para evitar potenciais armadilhas e ações dos órgãos regulatórios internacionais.

Publicado originalmente em inglês, Cosmetics & Toiletries 134(7):20-27, 2019

 

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