Óleo de Citrus aurantium no Tratamento da Celulite

GFC Battistella, FLC Faldoni, JAR Moreira
Centro Universitário Hermínio Ometto, Universidade de Araras (Uniararas), Araras SP, Brasil

Metodologia

Revisão de Literatura

Considerações Finais

Referências
 

artigo publicado na revista Cosmetics & Toiletries Brasil, Jul/Ago de 2019, Vol. 31 Nº 4 (pág 42 a 47)

     Atualmente, a sociedade impõe cada vez mais padrões de beleza, estabelecendo um corpo ideal. Por causa dessa imposição, muitas mulheres estão em busca da imagem corporal perfeita, submetendo-se a novas dietas, a tratamentos estéticos, a novos produtos cosméticos, a atividades físicas etc., com o intuito de alcançar o corpo ideal. Entre as principais reclamações das mulheres está a celulite. ¹

     A celulite apresenta grande importância na sociedade atual por causa de seus efeitos estéticos e de forte impacto psicológico em mulheres. ²

     O termo celulite teve origem na literatura médica francesa há mais de 150 anos, sendo utilizado para retratar a aparência irregular da pele. A celulite é encontrada com maior prevalência nas regiões da coxa, das nádegas e dos quadris. Em menor prevalência, a celulite também pode ser encontrada nas regiões das mamas, da nuca, da parte inferior do abdômen e dos braços, pois nesses locais as mulheres apresentam deposição maior de tecido adiposo. ³

     Por causa das características anatômicas da hipoderme nas mulheres, a celulite é uma afecção específica do sexo feminino. Isso porque as mulheres têm lóbulos maiores e os septos paralelos na hipoderme, diferentemente dos homens.4

     A epiderme, a derme e o tecido adiposo são afetados de diferentes formas pela celulite. Uma sequência de alterações é causada pela celulite na derme e na microcirculação dos adipócitos. Essas alterações são morfológicas, estruturais bioquímicas e histoquímicas.2

     A celulite é uma disfunção que tem como característica deixar a pele com aparência irregular, em virtude do acúmulo de gordura, do rompimento das fibras e da alteração do tecido adiposo. Dessa forma, a celulite envolve a microcirculação, o sistema linfático e a matriz extracelular, além de reter substâncias tóxicas no tecido subcutâneo, originando edemas na derme. ¹

     Atualmente, há vários métodos para o tratamento da celulite, com o intuito de amenizar a aparência irregular da pele e diminuir a adiposidade localizada, como dietas, exercícios físicos, massagens, tratamentos estéticos, cirurgias plásticas, entre outros. Ativos tópicos para prevenir e tratar a celulite estão cada vez mais no mercado, sendo também utilizados como adjuvantes em outros protocolos. Na área da estética, a aplicação de cosméticos com princípios ativos que combatem essa disfunção traz resultados satisfatórios em relação à celulite.5

     O extrato do fruto seco de Citrus aurantium, por ter aminas adrenérgicas, como a p-sinefrina, vem sendo utilizado em cosméticos para combater a celulite, com o intuito de potencializar a lipólise por meio de sua ação sobre os receptores β3-adrenérgicos e α2-adrenérgicos, localizados na membrana do adipócito.6

     O objetivo deste trabalho foi realizar um levantamento bibliográfico da ação do Citrus aurantium sobre a pele no tratamento da celulite. Este estudo pretende direcionar os profissionais da área estética em sua classificação da celulite. Dessa forma, eles poderão, futuramente, elaborar protocolos que possam combinar o Citrus aurantium a outros procedimentos para a obtenção de melhores resultados e que apresentem menores reações indesejáveis e menos toxicidade.



Metodologia

     Este trabalho teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Hermínio Ometto, sob o parecer n. º 195/2018. Nesta revisão de literatura foram utilizados livros disponíveis no acervo da biblioteca da Fundação Hermínio Ometto (FHO), da Universidade de Araras (Uniararas), e artigos científicos encontrados em bases de dados eletrônicos, como Scielo, PubMed e Google Acadêmico, que apresentavam as expressões “celulite”, “laranja amarga” e “Citrus aurantium”, nas línguas portuguesa e inglesa, com buscas realizadas na internet no período de março de 2018 a agosto de 2018.



Revisão de Literatura

     Desde que foi explicado, o termo celulite continua sendo um dos maiores desafios da medicina, em razão da série de perguntas que ainda ocorrem sobre essa condição, incluindo no que diz ao seu nome, a hipótese fisiológica e o tratamento adequado.2,7

     A celulite é caracterizada por modificações na morfologia da pele, levando-a a apresentar aparência ondulada, o que é mais comum na região posterolateral das mulheres. Atinge muitas mulheres após a adolescência e é uma das maiores inquietações estéticas, afetando-as psicologicamente e causando-lhes a necessidade desesperada de fazer tratamentos eficazes para combater esse problema.8

     Nesta pesquisa foram encontrados vários termos na literatura para denominar celulite, a fim de adequar a terminologia às alterações histomorfológicas que ocorrem. Os termos que podem ser utilizados são: lipodistrofia localizada, f broedema geloide, hidrolipodistrofia ginoide, lipodistrofia ginoide, paniculopatia edematofibroesclerótica, mesenquimatose, lipoesclerose, dermatopaniculose vasculopática e paniculose. ²

     A teoria anatômica para a existência da celulite está fundamentada nas diferenças estruturais da derme e da hipoderme, não podendo ser confundida com a obesidade, na qual sucedem apenas a hipertrofia e a hiperplasia dos adipócitos. Já a celulite implica a ocorrência de modificações estruturais na derme e alterações microcirculatórias.9

     Há alguns anos, foram descritas especulações essenciais que relatam a complexidade desse distúrbio, segundo as quais este seria uma condição multifatorial associada às deficiências vasculares na drenagem linfática e na circulação microvascular, acarretando edema no tecido subcutâneo, inflamação adiposa, deposição anormal da gordura localizada no tecido subcutâneo, processo inflamatório crônico e alterações no tecido conjuntivo.8

     Como a celulite pode ser um distúrbio multifatorial, esses fatores podem ser predisponentes, determinantes e condicionantes. Os fatores predisponentes são genéticos, étnicos e hormonais. Eles são as características herdadas que determinam a estrutura corporal do tecido adiposo e a sensibilidade dos receptores das células afetadas pelos hormônios envolvidos. ²

     Os fatores determinantes estão relacionados ao estresse, ao tabagismo, à má alimentação, ao sedentarismo e a patologias. O estresse provoca modificações endócrinas e, como consequência disso, ocorre aumento da produção de cortisol, causando retenção hídrica e contribuindo para o aparecimento da celulite. Já o tabagismo provoca vasoconstrição e alterações na microcirculação, devido à nicotina. O sedentarismo diminui a capacidade circulatória, dificultando a oxidação de toxinas.10

     Por fim, enquadram-se nos fatores condicionantes a soma de todos os fatores descritos anteriormente, ocorrendo perturbação hemodinâmica local, o que resulta na elevação da pressão capilar. Ocorre dificuldade na reabsorção, favorecendo a transudação linfática nos espaços intersticiais. Essas alterações causam a mudança do tecido conjuntivo e, quando estão relacionadas a outros fatores, por exemplo, hormonais, contribuem para a deposição de gordura.10

     Todas essas modificações na estrutura da pele alteram o tecido conjuntivo e, consequentemente, causam a polimerização abundante dos mucopolissacarídeos, o que resulta na retenção de água, sódio e potássio, e na elevação da pressão intersticial. Isso gera a compressão das veias e dos vasos linfáticos e nervosos.

     Além disso, o tecido conjuntivo expressa a degeneração das fibras elásticas, a proliferação de fibras colágenas, a hipertrofia dos adipócitos e a presença de edemas.11

     Nas mulheres, o tecido conjuntivo se localiza em compartimentos retangulares, pois ele está assentado radial ou perpendicularmente em relação à superfície da pele. Com a puberdade, a mulher passa por modificações hormonais intensas, as gorduras armazenadas e as retenções hídricas intersticiais aumentam e, devido à hipertrofia dos adipócitos, há aumento dos lóbulos de gordura.12

     Em função do aumento dos adipócitos ocorre o aumento do volume subcutâneo, com consequente estiramento da pele. Entretanto, como a pele está presa aos septos, que são formados por fibras que não têm capacidade de acompanhar a elasticidade da pele, ocorrem reentrâncias na pele, conhecidas popularmente como “furinhos”, que são a característica principal da celulite. O tamanho e o número desses “furinhos” estão relacionados com o volume do tecido subcutâneo desinente da hipertrofia dos adipócitos ou lipedema.13

     Segundo Tassinary,12 essa aparência alterada da superfície da pele pode ser explicada pela evacuação das papilas na interface derme-hipoderme. Essa evacuação ocorre por causa da alteração de pressão que os adipócitos sofrem, associada à arquitetura diferenciada do tecido conjuntivo das mulheres, que leva à reorganização das câmaras de gorduras celulares e das papilas adiposas, que então são submetidas a uma alteração em suas dimensões sem que seus volumes se alterem. Portanto, isso está intimamente associada ao diâmetro das estruturas anatômicas afetadas, ao percentual de gordura do segmento corporal e à arquitetura da interface derme-hipoderme.

     Por causa da presença da celulite, o mecanismo de drenagem linfática é alterado, sendo realizado de maneira ineficaz, pois há acúmulo de fluidos em excesso. A insistência nesse processo faz com que os vasos linfáticos sofram uma compressão, acarretando o acúmulo de líquido no tecido conjuntivo, elevando a pressão nesse local e o congestionamento dos vasos. Esse edema intersticial comprime os vasos capilares, dificultando o retorno circulatório ocorrendo a saída do plasma dos capilares separando-os dos adipócitos. Isso produz uma aglomeração de adipócitos em ilhéus e causa o desenvolvimento de feixes de colágeno, cuja espessura evolui gradualmente e acaba bloqueando esses ilhéus.2,12

     Outro fator que contribui para o acúmulo de líquidos é a hiperpolimerização dos GAGs (glicosaminoglicanos), acarretando aumento da hidrofilia e da pressão osmótica intersticial, e contribuindo assim para a formação de edema e para a compressão dos vasos sanguíneos, o que resulta em hipóxia tecidual. ². Ocorre também a destruição da vascularização cutânea por causa das alterações que acontecem no esfíncter pré-capilar arteriolar, nas áreas que possuem hiperpolimerização dos GAGs e nas paredes de capilares dérmicos.4

     Em função da presença do líquido acumulado é criada uma resposta de defesa, provocando o espessamento dos septos localizados entre os lóbulos e o aumento das fibras de colágeno. Ocorre o surgimento de micronódulos cercados por fragmentos de proteínas, o que dificulta a circulação sanguínea e, consequentemente, resulta no aspecto característicos irregular da pele.2,12

     O hormônio estrógeno, via nucleotídeos cíclicos, tem a capacidade de estimular a proliferação de fibroblastos e de GAGs, promovendo dessa forma o aumento da retenção de água nos tecidos e a perda de elasticidade das fibras colágenas. Na microcirculação ocorrem elevação da permeabilidade de diminuição do tônus vascular, possibilitando o surgimento de maior edema e o enfraquecimento do fluxo sanguíneo, e estimulando assim a lipogênese.6

     A avaliação da celulite ainda é realizada de maneira muito subjetiva, sendo que esta é classificada como de grau I, II, III ou IV. Suas formas clínicas são classificadas em compacta ou dura, flácida, mista e edematosa, em que é identificada a presença de celulite apenas quando há o aparecimento dos indesejados furinhos. No grau I existe celulite apenas quando há compressão do tecido ou contração muscular voluntária. Já no grau II observa-se irregularidade na pele, que apresenta depressões visíveis sem a compressão tecidual. No grau III, há depressões teciduais visíveis em qualquer posição em que o indivíduo estiver. Por fim, no grau IV, a pele possui as mesmas características da pele do grau III, porém com a presença de depressões mais evidentes e severas do que as que ocorrem nesta.14

    Contudo, segundo Agne,13 fazer a avaliação da celulite por meio da “avaliação dos graus” é um método inviável e confuso, pois o grau I e o grau II são classificados em fase edematosa e os graus III e IV em fases fibróticas. O termo fase edematosa indica que, com o passar dos anos, a celulite vai evoluir para uma fase fibrótica. Entretanto, se forem avaliadas mulheres com mais de 60 anos de idade e que há 30 anos já apresentavam os “furinhos” da celulite, atualmente sua pele continuará sem a formação da fase fibrótica.

     O grau I e II não indicam uma fase edematosa, mas sim um problema funcional do sistema linfático, por ocorrer a volta do tecido adiposo, onde há formação de um lipedema.13

     Por esse motivo, deve-se avaliar a celulite levando em consideração o aspecto celulítico e sem utilizar a avaliação em graus. O termo aspecto celulítico foi proposto há pelo menos 10 anos, após ter sido detectado que a maioria dos tratamentos propostos para a celulite era falha ou mesmo imprópria. Isso porque as avaliações eram imprecisas, pois, se a força da contração for realizada da forma errada e/ou o indivíduo tiver má postura, ou se a compressão for realizada pelo profissional com muita ou com pouca força, consequentemente, os “furinhos” aparecerão em menor quantidade, diminuindo assim o “grau” da celulite.13

     Para fazer uma avaliação da forma correta, é necessário analisar cinco situações do aspecto celulítico: a hipertrofia dos adipócitos, o lipedema, a flacidez tissular, a flacidez muscular e a fibrose das trabéculas e de seu retorno.13

     A hipertrofia dos adipócitos ocorre quando o indivíduo passa por aumento de peso, o que ocasiona a expansão dos adipócitos por causa do armazenamento maior de TAG (triacilglicerol) nessas células. Esse processo se torna possível em função da capacidade de aumento dessas células, que varia de 25μm a 200μm. O indivíduo relata sentir dor intensa quando o tecido adiposo é pressionado. A hipertrofia dos adipócitos varia de acordo com a alimentação do indivíduo, com os hormônios e com o gasto energético, e está diretamente relacionado aos processos de ativação da lipólise (degradação dos ácidos graxos e glicerol) e ao processo de lipogênese (síntese de ácidos graxos e triglicerídeos).12,13

     Em relação ao lipedema, Goldman e Hexsel15 esclarecem que esta é uma síndrome particular caracterizada devido à deposição subcutânea de tecido adiposo e água. O lipedema é um edema caracterizado pelo aumento de água livre nos interstícios, não linfa, mas sim água livre e tecido gorduroso.

     Na flacidez tissular ocorre a redução do metabolismo celular, desencadeando a diminuição da biossíntese de colágeno e elastina, e, dessa forma, a derme perde seu tônus.16

     A flacidez muscular compromete a harmonia corporal e a estrutura dos tecidos que estão sobrepostos à musculatura, e, para combatê-la, é necessário fazer um trabalho muscular, podendo ser usados ativos cosméticos ou eletroestimulação como adjuvantes.13

     Por fim, a fibrose das trabéculas e de seu entorno, por causa da alteração do mecanismo de drenagem linfática, ocorre por acúmulo de líquidos tóxicos, proteínas e outras substâncias. Esse acúmulo favorece a fibrose do tecido conjuntivo de sustentação da pele.13

     Para o tratamento das disfunções citadas anteriormente, existe uma série de ativos cosméticos no mercado, que são capazes de proporcionar diminuição da celulite. Diversos produtos com novos ativos que estão em desenvolvimento para que evitem protocolos invasivos em relação à celulite, serão lançados em breve no mercado.

     Para que tenham resultados satisfatórios, esses ativos devem ser estimuladores da lipólise para que sejam capazes de reduzir medidas. Assim, se forem utilizados em conjunto com uma vida saudável, vão diminuir a celulite.6

     A espécie Citrus aurantium, conhecida como laranja-amarga, laranja-azeda, ou laranja-de-sevilha, pertence à família Rutaceae. Possui frutos arredondados de casca grossa, amarga com muitas sementes, e tem polpa suculenta e ácida.17

     Na medicina popular, seus frutos, suas flores e suas folhas são utilizados no tratamento de insônia e como anticonvulsionante. Desde os tempos medievais, na região do Mediterrâneo, a Citrus aurantium é utilizada como estimulante cardíaco e vascular, estomáquico, sedativo, digestivo e tranquilizante, além de antídoto contra venenos. Já na medicina tradicional chinesa, essa espécie é conhecida como zhi shi e usada como estimulante da função gastrointestinal e como tônico geral.18

     Esse ativo possui como componentes a fenilamina e aminas adrenérgicas (como sinefrina, octopamina, tiramina, N-metiltiramina e hordenina), além de alcaloides que são agonistas adrenérgicos, os quais são frequentemente incorporados a suplementos para ajudar na perda de peso.19

     Nos dias de hoje, há grande interesse pelos frutos da C. aurantium por causa do seu uso em produtos emagrecedores de origem vegetal. Seu fruto seco e imaturo tem cerca de 10% de flavonoides, feniltilaminas que incluem: a metiltiramina, a octapina e, principalmente, a p-sinefrina. A p-sinefrina é um agonista α-adrenérgico e com a capacidade β3-adrenérgicas.18,20

     A C. aurantium também apresenta outras isoformas da sinefrina, a o-sinefrina e a m-sinefrina, em menor quantidade que a p-sinefrina. Dessa forma, é mais notada a ação farmacológica da p-sinefrina sobre o receptor β3-adrenérgico.17, Entretanto, Shara, Stohs e Smadi21 afirmam que a m-sinefrina não foi encontrada nas plantas da espécie Citrus.

     Segundo Arbo e colaboradores,22 a ação farmacológica da C. aurantium se deve à p-sinefrina, que é quimicamente semelhante à efedrina e à anfetamina, apresentando também atividades simpaticomiméticas.

     A p-sinefrina é o principal princípio ativo da C. aurantium e compreende aproximadamente 90% do total de seu peso em protoalcaloides. Esse princípio é usado em muitas dietas para perda de peso, controle do apetite, desempenho em esportes e ganho de energia. A p-sinefrina também é consumida em grande escala em sucos e em alimentos derivados de outras espécies de Citrus, como laranja-de-sevilha, toranja, laranja doce marrom e clementina.21,23

     Segundo Shara, Stohs e Smadi,21 não há correlações diretas entre eventos adversos graves e a p-sinefrina. Entretanto, há questionamentos frequentes relacionados ao seu alto consumo e às semelhanças estruturais existentes entre a p-sinefrina, a m-sinefrina e a efedrina, afirmando-se que a p-sinefrina causa efeitos cardiovasculares e estimulantes semelhantes aos dessas aminas biogênicas.

     A p-sinefrina é um derivado da feniletilamina que possui um grupo de hidroxila na para posição no anel de benzeno da molécula. Embora a p-sinefrina esteja relacionada à efedrina, esta é um derivado da fenilpropilamina que possui um grupo de metila na cadeia lateral, não um grupo de hidroxila. Consequentemente, estas duas diferenças químicas e estereoquímicas, a ligação do receptor adrenérgico e as propriedades farmacocinéticas da p-sinefrina é diferente da efedrina.24

     Estudos toxicológicos sobre a C. aurantium têm sido delineados. Por exemplo, em estudo recente desenvolvido por Shara, Stohs e Smadi,21 foi realizado um ensaio clínico por meio de um estudo-controle com placebo, crossover, duplo-cego com 16 pessoas saudáveis, sendo 8 do sexo masculino e 8 do sexo feminino, com idades entre 21 e 32 anos, cuja média de idade era de aproximadamente 25 anos. Foi feita a administração, em cada voluntário, de uma única cápsula, uma vez ao dia, de C. aurantium contendo 49 mg de p-sinefrina, durante 15 dias. No fim do estudo e após a realização de avaliações, não foi notado nenhum efeito adverso nos sistemas cardiovascular, renal, hepático e hematopoiéticos, nem foram observados efeitos estimulatórios nos voluntários.

     Em estudos, Deshmukh e colaboradores23 utilizaram 10 ratos de ambos os sexos, que receberam o extrato de C. aurantium padronizado a 50%, por 90 dias, para que fosse analisada a segurança desse ativo, que possui p-sinefrina. Ratos foram reunidos em 3 grupos (G): G2, com 50% de p-sinefrina diariamente nas doses de 100 mg/kg; G3 com 300 mg/kg; G4 com 1.000 mg/kg; e G1 grupo-controle. Os ratos foram tratados com carboximetilcelulose grau analítico a 0,5% em água. Todos os animais foram avaliados duas vezes ao dia para buscar mortos ou moribundos. Além disso, eles foram submetidos, em gaiolas, a exames clínicos gerais após as dosagens.

     Após 90 dias consecutivos, nos grupos 2, 3 e 4 não houve nenhum efeito adverso na sobrevivência dos ratos machos e fêmeas. Da mesma forma, o extrato de C. aurantium não induziu quaisquer sinais clínicos notáveis e anormais indicativos de toxicidade sistêmica em ratos de ambos os sexos. Também não foi observado nenhum efeito adverso em relação aos parâmetros que foram observados, relacionados a: sinais de reatividade sensorial; força de preensão e atividade motora; oftalmologia; pesos corporais; hematologia; consumo alimentar; urianálise; peso de órgãos; e patologias macroscópicas e microscópicas no fim da aplicação das doses em animais de ambos os sexos. Isso indicou o alto grau de segurança do ativo C. aurantium.23

     De acordo com Lucas e colaboradores20 a p-sinefrina tem a capacidade de elevar o metabolismo sem afetar o sistema cardiovascular ou a pressão sanguínea, estimulando apenas o receptor β3-adrenérgico, sem causar efeitos adversos no sistema nervoso central e/ou no sistema cardiovascular. Nos adipócitos, a p-sinefrina atua no equilíbrio entre a lipogênese e a lipólise devido à associação à estimulação direta dos receptores α e β3-adrenérgicos, localizados na membrana dos adipócitos, ocorrendo, em decorrência, aumento das taxas metabólicas e, consequentemente, aumento da oxidação da gordura. Além disso, segundo Stohs, Preuss e Shara24 a ativação do receptor β3-adrenérgico demonstra redução da ingestão de alimentos e de ganho de peso, incluindo a atuação no tecido adiposo, melhorando a resistência à insulina, ao controle glicêmico e ao perfil lipídico.

     Terra, Minin e Chorilli25 esclarecem que a p-sinefrina promove aumento da quantidade de AMPc livre nas células, resultando em grande estímulo à quebra das moléculas de gordura, transformando-as em ácidos graxos essenciais e em glicerol.



Considerações Finais

     Com base nesta revisão, conclui-se que a classificação e a caracterização da celulite são de extrema importância para o sucesso de seu tratamento. Isso porque, a partir da determinação, do tipo de alteração histomorfológica, dos hábitos alimentares e da prática de atividades físicas, busca-se estabelecer um protocolo mais individualizado e personalizado para cada pessoa. Para o desenvolvimento de protocolos que envolvam procedimentos menos invasivos, é necessário utilizar princípios ativos lipolíticos, que estimulam e/ou potencializam a lipólise, reduzindo a quantidade de gordura e as medidas corporais, e melhorando, assim, o aspecto da celulite. Por meio deste estudo, evidencia-se que o extrato do fruto seco de Citrus aurantium pode ter potencial como coadjuvante no tratamento da celulite, pois apresenta importante efeito lipolítico. Entretanto, como esse extrato é semelhante à efedrina, é necessário realizar mais estudos toxicológicos e estudos de permeação que comprovem seu benefício e a segurança em seu uso.



Referências

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Gabriela Fernanda de Camargo Battistella é graduanda do curso de bacharelado em Estética da Fundação Hermínio Ometto (FHO), da Universidade de Araras (Uniararas), Araras SP, Brasil. Este artigo é baseado no trabalho apresentado pela graduanda para a obtenção do título de bacharel em Estética.

Flavia Lima Costa Faldoni é graduada em Ciências Biológicas – Modalidade Médica pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Mestre em Biologia Celular e Molecular pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Docente de Imunologia e Genética na Fundação Hermínio Ometto (FHO). Doutoranda em Oncologia pelo A.C. Camargo Cancer Center - Fundação Antônio Prudente, localizado em São Paulo SP. Foi a orientadora deste trabalho.

Juliana Aparecida Ramiro Moreira é graduada em Fisioterapia pelo Centro Universitário Hermínio Ometto. Especialista em Fisioterapia Dermatofuncional e Estética pelo Centro Universitário Hermínio Ometto. Mestre em Ciências Biomédicas (stricto sensu) na linha de pesquisa em Mecanismos biológicos envolvidos na gênese de alterações fisiológicas, pelo Centro Universitário Hermínio Ometto. Docente do curso de bacharelado em Estética e docente convidada do curso de Especialização em Estética Facial e Corporal. Docente do curso de bacharelado em estética da Faculdade Claretiano, Rio Claro SP, Brasil. Foi a coorientadora deste trabalho.

 

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