Identificação de Conservantes Alergênicos por MS

Soraya El Khatib, Rosana M Alberici, Renan S Galaverna, Pedro H Vendramini,
Jose LP Jara, Marcos N Eberlin
Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas, Instituto de Química – Universidade Estadual de Campinas, Campinas SP, Brasil

 

 

Material e Métodos

Resultados e Discussão

Conclusão

Referências

artigo publicado na revista Cosmetics & Toiletries Brasil, Dez/Nov de 2016, Vol. 28 Nº6  (pág 60 a 63)

     Conservantes são substâncias químicas também conhecidas como preservantes, cuja função é inibir o crescimento de microrganismos, conservando o produto que os contém livre de deteriorações causadas por bactérias, fungos e leveduras. No Brasil, a lista de conservantes permitidos para uso em produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes é regulada pela Anvisa, por meio da RDC No. 29, de 1º de junho de 2012.1,2 A utilização de sistemas conservantes adequados e validados, assim como o cumprimento das normas de Boas Práticas de Fabricação (BPFeC) para produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, estabelecidas pela Portaria do Ministério da Saúde No. 48, de 25 de outubro de 2013, são importantes para a conservação adequada desses insumos.3 Entre os conservantes permitidos, os mais empregados em formulações cosméticas são os ésteres do ácido p–hidroxibenzoico (isolados ou uma mistura deles: metil, etil, propil, butil, isopropil e benzil parabenos), hidroquinona, álcool benzílico, salicilato de benzila, benzoato de benzila, diazolidinil ureia, metildibromo glutaronitrila, formaldeído e fenoxietanol, cujas concentrações podem variar em uma ampla faixa de concentrações que se inicia em 15 partes por milhão (ppm) e pode chegar a 1%, dependendo do conservante e de suas características (Figura 1). Embora necessários, os conservantes podem ser tóxicos para os seres humanos, mesmo nas concentrações consideradas seguras pela RDC No. 29 de 1º de junho de 2012,1 e a reação mais comum é a dermatite de contato alérgica. Os conservantes que apresentam maior probabilidade de causar essa dermatite são: MDBGN-PE (14,5%) > quaternium-15 (8,1%) > timerosal (7,5%) > MCI-MI (7,35%) > formaldeído (6,75%) > diazolidinil ureia (5,11%)> imidazolidinil ureia (3,17%) > mistura de parabenos (1,65%).4,5 Embora no Brasil não sejam citados pela RDC No. 48, de 16 de março de 2006,5, mas sejam permitidos pela RDC No. 29, de 1º de junho de 2012,1 esses conservantes já estão proibidos na Europa desde 2009 pelo regulamento CE No. 1.223/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009.6

     Torna-se imprescindível, portanto, que esses preservantes sejam devidamente especificados nos rótulos e devidamente identificados na matéria-prima, a fim de alertar o consumidor de forma correta e de preveni-lo sobre a possibilidade de ocorrerem reações de hipersensibilidade ou outros problemas de saúde, necessidade que foi normatizada pela RDC No. 7, de 10 de fevereiro de 2015.7.  Dessa forma, o desenvolvimento de métodos analíticossensíveis e seletivos para detectar e quantificar esses conservantes em diferentesmatrizes é de grande interesse.

     A espectrometria de massas - do inglês mass spectrometry (MS) - é uma técnica analítica poderosa, utilizada para diversos fins de caracterização química, como identificar compostos desconhecidos, quantificar compostos conhecidos e auxiliar na elucidação estrutural de substâncias químicas diversas. A MS requer usualmente quantidades bem reduzidas (picogramas) da amostra e, devido à sua alta sensibilidade e seletividade, detecta concentrações bem baixas (da ordem de ppt ou menos), em misturas quimicamente complexas.8 Recentemente, devido ao desenvolvimento de uma ampla série de técnicas brandas de ionização e processos de dessorção direto da amostra intacta, a MS tem sido utilizada como um método de screening rápido, direto e eficiente, capaz de detectar componentes específicos com potencial tóxico presentes em misturas complexas, como as de batons, esmaltes e lápis de olhos.9,10

     Resumidamente, a MS caracteriza moléculas pela medida da relação massa/ carga (m/z) de seus íons. O requisito básico para uma análise por MS é, portanto, a formação eficiente de íons livres em fase gasosa. Diversas técnicas de ionização têm sido desenvolvidas, e, nos últimos anos, surgiram técnicas que se iniciam com a dessorção do analito, realizada diretamente de superfícies, seguida de ionização ambiente. São técnicas que exigem pouco ou nenhum preparo de amostra.

     Essas técnicas têm eliminado também a necessidade de separação prévia, por exemplo, por cromatografia, e assim apresentam tempos de análise de cerca de 30 segundos ou menos. Além dessas características vantajosas, essas técnicas têm custo relativamente baixo. Entre elas, destaca-se a ionização ambiente por sonic-spray (EASI-MS, do inglês easy ambient sonic-spray ionization mass spectrometry),11-13 na qual os analitos são detectados basicamente por meio de suas moléculas protonadas [M + H]+ e/ou cationizadas [M + Na/K/NH4]+, no modo de íons positivos, ou moléculas desprotonadas [M - H]-, no modo de íons negativos, com pouca ou nenhuma fragmentação. Essas características facilitam muito a interpretação do espectro de massas, uma vez que, em geral, cada composto é detectado por meio de um único íon estável. A técnica EASI-MS tem sido empregada com sucesso na análise de componentes em cosméticos, identificando seus principais componentes.14,15 Nesse trabalho, estudou-se a viabilidade do uso da técnica EASI-MS no screening de conservantes alergênicos em formulações cosméticas.

 

Material e Métodos

Amostras

     O grupo amostral analisado compreendeu 25 formulações cosméticas na forma de emulsões e cremes hidratantes (faciais e corporais), incluindo protetores solares, que foram identificados como (F). Padrões grau PA (Sigma-Aldrich) dos ingredientes alergênicos butilparapeno (MM 194), hidroquinona (MM 110), álcool benzílico (MM 108), salicilato de benzila (MM 228), benzoato de benzila (MM 212), diazolidinil ureia (MM 278), formaldeído (MM 30), fenoxietanol (MM 138) e metildibromo glutaronitrila – MDBG (MM 263) (Figura 1) foram analisados por EASI-MS e utilizados para fins de comparação. Nenhum desses ingredientes alergênicos mencionados constava nos rótulos das formulações analisadas.

A técnica EASI-MS

     A fonte de ionização EASI12 foi acoplada a um espectrômetro de massas de alta resolução e exatidão (Orbitrap Q-Exactive Mass Spectrometer, Thermo Fisher Scientific, Alemanha). O spray sônico foi gerado empregando-se metanol como solvente em uma vazão de 20μl min-1, e o nitrogênio foi utilizado como gás de nebulização N2 em uma vazão de 3 l min-1. Para as análises, amostras de 2μl foram dissolvidas em metanol e uma gota dessa solução foi depositada subsequentemente sobre a superfície de um envelope de papel pardo, que foi exposto ao spray de metanol, em um ângulo de entrada para o espectrômetro de massas de ca30º, por 30 segundos. As amostras foram analisadas na faixa de m/z 100 500 nos dois modos de íons negativos e positivos. As amostras foram analisadas em triplicata e mostraram desvio-padrão de ±10%.

Técnica GC-FID

     Os ingredientes alergênicos voláteis foram caracterizados pelo Agilent 6850 Series GC, sistema de cromatografia gasosa capilar que possui um cromatógrafo Agilent DB-17HT (122-1811), em coluna capilar (com 50% de fenil-metil-polisiloxano, 10 m de diâmetro x 0,25 mm de comprimento e contendo filmes de 0,15μm).

     As análises foram realizadas no modo split, na razão de 1:100, e com a temperatura de 250°C, da coluna, com taxa de aquecimento programada até 350°C a 5°C/min. O hélio foi usado como gás de arraste, a 1,0 ml/min. O injector foi mantido a 360°C e o detector (FID) em 375°C. Amostras de 1,0μl foram diluídas em tetra-hidrofurano (10 mg/ml) e subsequentemente injetadas, para análise exploratória. Os padrões de fenoxietanol e de formaldeídeo foram identificados por uma projeção de software e foram comparados os tempos de retenção, assim como as formulações cosméticas, para a identificação desses dois ingredientes.

 

Resultados e Discussão

     Conforme mostra a Figura 2, butilparabeno, hidroquinona e salicilato de benzila foram detectados no modo de íons negativos como moléculas desprotonadas [M- H]-, enquanto butilparabeno, benzoato de benzila, diazolidinil ureia e metildibromo glutaronitrila foram detectados no modo de íons positivos como moléculas sodiadas [M + Na]+. Os ingredientes formaldeído e fenoxietanol foram detectados somente por GC-FID, devido às suas características de volatilidade e baixa polaridade. O álcool benzílico foi analisado por EASI(-)-MS, porém não pode ser detectado por essa técnica.

      Nesse estudo, foram analisadas 25 formulações cosméticas empregando-se as técnicas EASI (-/+)-MS e GC-FID para detecção de conservantes alergênicos. A Figura 2 mostra espectros de massas representativos das formulações nas quais foram detectados os conservantes alergênicos. Embora os espectros apresentem inúmeros outros íons relativos a outros ingredientes presentes na amostra, o que era esperado, por se tratar de uma análise direta sem separação cromatográfica prévia de misturas complexas, nota-se claramente a presença dos íons relativos aos compostos alergênicos. O formaldeído e o fenoxietanol não foram identificados nas amostras analisadas por GC-FID.

     O gráfico da Figura 3A mostra a distribuição das formulações que apresentaram (positivas) e das que não apresentaram (negativas) componentes alergênicos não especificados em seus rótulos (n = 25). Dentro do número amostral analisado (n = 25), 64% das formulações foram positivas) e 36% negativas. Nas 16 formulações que apresentaram componentes alergênicos, em 51% delas foi detectado butilparabeno tanto no modo de íon positivo quanto no de íon negativo, através dos íons de m/z 217,08 e 193,14, respectivamente. Em 41% das amostras, foi detectada a presença de hidroquinona, através do íon de m/z 108,05; em 4% a de MDBG, através do íon de m/z 286,88; e em 4% a de salicilato de benzila, através do íon de m/z 227,15. Esses resultados estão resumidos no gráfico da Figura 3B.

     Eles mostram que dois terços das amostras apresentaram um ingrediente alergênico, dentro do universo restrito aqui pesquisado, comprovando a urgente necessidade do emprego de técnicas rápidas, simples e sensíveis, como a que investigamos no controle de qualidade de produtos cosméticos e da matéria-prima utilizada. Muitos ingredientes alergênicos encontrados em formulações cosméticas e não identificados no rótulo podem vir da matéria-prima usada, e não estar sendo detectados por causa de limitações das técnicas convencionais aplicadas no seu controle de qualidade. A disponibilidade da uma técnica sensível e seletiva, e que pesquisa de forma abrangente a presença de componentes extras, como a técnica de EASI-MS aqui empregada, possibilitaria maior controle e racionalização do uso de conservantes, maior controle de suas toxicidades e a garantia de maior segurança aos consumidores. Não só o produto final poderia ser inspecionado, mas, na produção, realizar o controle da qualidade da matéria-prima seria importante para evitar contaminações não intencionais e para contribuir com os critérios normatizados na RDC no. 7, de 10 de fevereiro de 2015.

 

Conclusão

     A técnica EASI-MS aparenta possibilitar um screening amplo, sensível, direto, rápido e eficaz de ingredientes alergênicos presentes em formulações cosméticas e em suas matérias-primas. Essa técnica pode substituir testes em animais atualmente preconizados para esse fim, que são bem mais demorados, laboriosos e/ ou menos precisos. Dessa forma, a técnica EASI-MS oferece uma alternativa inovadora e atraente que pode contribuir para a maior segurança e eficácia desses insumos, cada vez mais consumidos pela população. Esses insumos, independentemente da classificação às quais pertencem (se são de grau 1 ou 2), podem apresentam riscos à saúde dos consumidores. Esses riscos são corroborados pela necessidade, apontada pela RDC No. 7, de 10 de fevereiro de 2015, de que é imprescindível que esses ingredientes sejam, de forma devida, especificados nos rótulos e identificados na matéria-prima, a fim de prevenir reações de hipersensibilidade, entre outros problemas de saúde relacionados, em especial, à utilização continuada de cosméticos.

 

Referências

1. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC no. 29, de 1º de junho de 2012. Aprova o Regulamento Técnico Mercosul sobre “Lista de Substâncias de Ação Conservante permitidas para Produtos de Higiene Pessoal, Cosméticos e Perfumes” e dá outras providências. DOU, Brasília, p. 1-10, 2012

2. Gonçalves SD. Razões para preservar cosméticos. Cosmetics & Toiletries (Brasil) 22(x):72-77, 2010

3. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC no. 48, de 25 de outubro de 2013. Aprova o Regulamento Técnico de Boas Práticas de Fabricação para Produtos de Higiene Pessoal, Cosméticos e Perfumes, e dá outras providências. DOU, Brasília, p. 1-18, 2013

4. Pereira MR, Machado TL, Rossato AE, Becker IRT, Lora J. Potencial alérgico de conservantes cosméticos. Cosmetics & Toiletries (Brasil) 23(x):58-64, 2011

5. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC no. 48, de 16 de março de 2006. Aprova o Regulamento Técnico sobre Lista de Substâncias que não podem ser utilizadas em Produtos de Higiene Pessoal, Cosméticos e Perfumes. DOU, Brasília, p. 1-13, 2006

6. União Europeia. Regulamento (CE) no. 1.223/2009, do Parlamento europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo aos produtos cosméticos. Jornal Oficial da União Europeia, 2009

7. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC No. 7, de 10 de fevereiro de 2015. Dispõe sobre os requisitos técnicos para a regularização de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes. DOU, Brasília, 2015

8. Hoffmann E, Stroobant V.Mass spectrometry: principles and applications. 3a. edição, Wiley, 2007

9. Oliveira DN, Bona Sartor S, Ferreira MS, Catharino RR. Cosmetic analysis using matrix-assisted laser desorption/ionization mass spectrometry imaging MALDI-MSI. Materials 6(3):1000-1010, 2013

10. Oliveira DN, Siqueira M, Sartor S, Catharino RR. Direct analysis of lipsticks by sorptive tape-like extraction laser desorption/ionization mass spectrometry imaging. Inter J Cosm Sci 1–5, 2013

11. Haddad R, Sparrapan R, Eberlin MN. Desorption sonic spray ionization for (high) voltage-free ambient mass spectrometry. Rapid Communications in Mass Spectrometry 20:2901-2905, 2006

12. Haddad RS, Kotiaho T, Sparrapan R, Eberlin MN. Easy ambiente sonic-spray ionization-membrane interface mass spectrometry for direct analysis of solution constituents. Anal Chem 80:898-903, 2008

13. Alberici RM, Simas RC, Sanvido GB, Romão W, Lalli PM, Cunha IBS, Eberlin MN. Ambient mass spectrometry: bringing MS into the “real world”. Anal Bioanal Chem 398:265–294, 2010

14. Simas RC, Catharino RR, Cunha IBS, Cabral EC, Barrera-Arellano D, Eberlin MN, Alberici RM. Instantaneous characterization of vegetable oils via TAG and FFA profi les by Easy Ambient Sonic-Spray Ionization Mass Spectrometry. Analyst 135:738-744, 2010

15. Simas RC, Catharino RR, Cunha IBS, Cabral EC, Barrera-Arellano D, Eberlin MN, Souza V, Alberici RM. Triacylglycerols oxidation in oils and fats monitored by easy ambient sonic-spray ionization mass spectrometry. J Am Oil Chem Soc 89:1193–1200, 2012

16. Sawaya ACHF, Abdelnur PV, Eberlin MN, Cunha IBS, Kumazawa S, Ahn M-R, Bang K-S, Nagaraja N, Bankova VS, Afrouzan H. Easy ambient sonic-spray ionization – mass spectrometry fingerprinting of propolis. J Agric Food Chem 56:7815, 2010

17. El Khatib S, Alberici RM, Eberlin MN. Identificação de ingredientes por espectrometria de massas. Cosmetics & Toiletries (Brasil) 25(x):72-76, 2013

18. Environmental working group cosmetics-cosmetics database. Disponível em: www.ewg.org/skindeep. Acesso em: 10 abr. 2013

19. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Gerência Geral de cosméticos. Guia de avaliação e segurança de produtos cosméticos. 2a edição, Brasília, 2012

Soraya El Khatib é doutora em Biologia Molecular e Funcional pelo Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), Campinas SP, Brasil

Rosana M Alberici é doutora em Química Analítica pelo IQ-Unicamp

Marcos N Eberlin é doutor em Química Orgânica pelo IQ-Unicamp

Renan S Galaverna e José LP Jara são alunos de doutorado do IQ-Unicamp

Pedro H Vendramini é aluno de mestrado do IQ-Unicamp

 

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