Medição do Brilho dos Cabelos

 

Trefor A. Evans
TRI-Princeton, Princeton, NJ, EUA

Falando Tecnicamente: Brilho  

Abordagens da Medição   

Fatores complicadores   

Mantendo a Coesão   

“Claims” sobre o Brilho    

Sumário    

Referências

artigo publicado na revista Cosmetics & Toiletries Brasil, Nov/Dez de 2018, Vol. 30 Nº 6 (pág 38 a 42)

     Além do brilho, há poucos atributos mais intrinsicamente ligados à percepção dos consumidores sobrecabelos saudáveis. Cabelos saudáveis têm aparência lustrosa e vibrante; cabelos danificados são, tipicamente, opacos e sem vida. Essas percepções levam o pessoal de marketing a elaborar mensagens e apelos de comunicação do produto visando atribuir ao produto essa desejável propriedade – o quê, subsequentemente, gera a necessidade de usar uma técnica adequada para a medição do brilho. Porém, do ponto de vista técnico, esse ainda é um tema um tanto quanto nebuloso e discutível, ainda não resolvido claramente, o que ocorre com outros métodos de avaliação. Essa situação não é causada pela falta de atenção à literatura científica, uma vez que existe um número relevante de artigos sobre esse assunto. Tentamos quantificar tecnicamente o brilho, ao mesmo tempo que examinamos a relevância dos resultados, segundo a percepção dos consumidores em relação a essa propriedade dos cabelos.

 

Falando Tecnicamente: Brilho

     De uma perspectiva puramente técnica, o brilho consiste na capacidade de a luz ser refletida por superfícies. Os raios de luz incidindo sobre uma superfície, no ângulo de incidência de 90º, promovema sua reflexão especular. Mas certa proporção do raio de luz é dispersada, e esses reflexos dispersos são detectados em outros ângulos – são chamados de reflexão difusa. A Figura 1 é uma ilustração esquemática dos caminhos potenciais da luz incidente sobre diferentes fios de cabelo.

     O Caminho 1 mostra uma reflexão especular, ao passo que os demais caminhos representam formas de reflexão difusa. Mudanças na integridade e nas condições da superfície mais externa da cutícula dos cabelos irão influenciar a interação dos cabelos com a luz.

      Por exemplo, uma estrutura degradada da cutícula, como é mostrado no Caminho 4, aumentará a dispersão da luz (ou seja, a reflexão difusa), com perda da reflexão especular plena. Igualmente, a presença de impurezas exógenas sobre os cabelos, como sebo, resíduos de produtos etc. também pode restringir o reflexo especular, como se vê no Caminho 5.
  

     Portanto, as tentativas da quantificação técnica do brilho dos cabelos abrangem relações matemáticas, envolvendo proporções de reflexão especular (S) e difusa (D) que atingem um detector. No Quadro 1 é apresentada uma seleção de equações propostas na literatura científica para determinar o valor numérico para o brilho dos cabelos.

 

      Não existem atalhos para descrever numericamente o “brilho técnico dos cabelos”, embora surjam complicações devido à variação na escolha da equação e a consideráveis contribuições de algumas variáveis experimentais. Contudo, antes de esses temas serem examinados, é necessário dar uma olhada no desempenho dessas medições.

 

Abordagens da Medição

     As primeiras tentativas de avaliação técnica do brilho dos cabelos envolviam o uso de um goniofotômetro para monitorar o reflexo da luz na superfície de cada fio de cabelo.2-5 Essa é uma abordagem claramente fundamental, por meio da qual os efeitos negativos do dano à cutícula e/ou a presença de detritos exógenos sobre ela podem ser matematicamente representados. Todavia, qualquer sugestão de que a magnitude dessas alterações seja linearmente proporcional à percepção que o consumidor tem do brilho dos cabelos será, na melhor das hipóteses, mera suposição.    

  Ao invés disso, a conclusão é que a percepção que o consumidor tem de brilho é um conceito empírico instintivo, relacionado com a maneira pela qual a luz interage com um conjunto de fios de cabelo e não com um único fio.

  A abordagem da chamada luz polarizada é um método alternativo que investiga o reflexo da luz em mechas de cabelo dispostas sobre uma presilha cilíndrica6-9 (Figura 2). Esse processo de medição se baseia na captação de duas imagens de luz refletida na superfície do conjunto de cabelos. 

  A primeira captação é realizada com filtros polarizadores, montados em uma configuração paralela que possibilita a avaliação da luz total refletida (S+D). A segunda captação se vale de filtros polarizadores perpendiculares que eliminam o reflexo especular e captam apenas reflexos difusos (D). Em seguida, a subtração de uma imagem da outra nos dá o reflexo especular (S). Esses dois parâmetros podem ser usados para definir uma quantificação do brilho. Essa abordagem atingiu seu apogeu de popularidade em meados do ano 2000, como uma grande novidade no mercado.

 

Fatores complicadores

     De modo geral, os compostos comercialmente existentes para dar brilho aos cabelos são uma mistura de óleos de silicone voláteis com óleos não voláteis. Do ponto de vista técnico, os óleos suavizam as asperezas da superfície dos fios, facilitando o reflexo especular. Com o tempo, a evaporação do silicone volátil leva a uma queda gradual da quantidade desse revestimento sobre a superfície.

     As Figuras 3, 4 e 5 mostram os resultados o uso de luz polarizada, onde um sérum comercial foi aplicado a 5% sobre cabelos marrons médios. A Figura 3 mostra os resultados quando os dados da reflexão adquiridos são examinados segundo a equação de Reich-Robbins. Imediatamente após a aplicação do sérum, os resultados sugerem uma elevação aproximada de 80% do brilho técnico. No entanto, esse benefício vai esmaecendo com o passar do tempo, pois a volatilização do sérum leva esse parâmetro de volta ao seu nível original.

     A Figura 4 mostra o resultado quando esses mesmos dados são avaliados na equação TRI. Os resultados sugerem aumento de cerca de 30% do brilho técnico, mas após 24 horas os dados revelam que os cabelos tornam-se 10% mais opacos do que eram inicialmente.   

        Finalmente, a Figura 5 mostra o resultado quando os mesmos  dados são, agora, avaliados na equação de Stamm. Nesse  caso, os resultados indicam apenas 5% de elevação do brilho técnico, mas com significante benefício ainda sendo observado após 24 horas.

  

       Destaque-se que essas conclusões conflitantes são obtidas a partir dos mesmíssimos dados de reflexões especular e difusa e que a única variável é cada uma das diferentes equações. Evidentemente, estamos diante de uma situação preocupante.

     A cor dos cabelos também exerce forte impacto na magnitude dos resultados do brilho técnico. Cabelos menos pigmentados apresentam maior probabilidade de penetração da luz nos fios, e essa luz pode, em seguida, ser difundida ou refletida de maneiras diferentes (ver os Caminhos 2 e 3 na Figura 1). Assim, a proporção entre reflexos especulares e difusos diminui. A Figura 6 traz dados experimentais que ilustram essa afirmação.


     Normalmente, o alto brilho está associado a cabelos asiáticos altamente pigmentados e, em geral, esse dado é usado como suporte dessa conclusão relevante para o consumidor. Porém, o argumento contrário a esse é que os cabelos louros estariam, de forma inerente, predispostos a não conseguir alto brilho, o que aparentemente não condiz com a realidade.

 

Mantendo a Coesão

     A coesão dos cabelos é um componente fundamental de seu brilho e de outras de suas propriedades, embora sua importância seja raramente examinada e nem sempre mensurada.10 Cabelos altamente coesos e que se movimentam com um fluxo uniforme são mais manejáveis e propensos ao frizz. Além disso, essa característica dos cabelos produz uma superfície mais “plana” e um arranjo de fios uniforme para refletir a luz.

     A Figura 7 mostra os resultados de uma abordagem de luz polarizada em que o brilho técnico dos cabelos foi avaliado antes e depois de um alisamento a quente, com uma prancha (chapinha) comercial, de ferro (essa informação é apresentada nos dados técnicos do produto).

      Pode-se discutir se as altas temperaturas e a fricção associadas a esse tipo de tratamento poderiam danificar a superfície dos fios de cabelo e assim diminuir o seu brilho. Esse argumento é parcialmente verdadeiro: pode-se esperar uma redução de brilho de um único fio, mas a coesão de um grande número de fios tem efeito protetor que leva ao aumento do brilho em uma mecha de cabelos.

     Conforme foi mencionado anteriormente, o alto brilho dos cabelos asiáticos muito pigmentados é frequentemente sugerido para reforçar a correlação entre a cor dos cabelos e o brilho técnico. Porém, penteados muito lisos são populares e comuns nas culturas asiáticas. Portanto, o alto grau de coesão dos fios seria um contribuinte significativo para esse resultado. Esse ponto também fornece uma explicação plausível do porquê o cabelo loiro liso e “escorrido” pode ter aparência “brilhante”. Evidentemente, oargumento também esbarra nas limitações da abordagem da luz polarizada, uma vez que as medições do brilho são realizadas com mechas de cabelos arranjadas sobre o cilindro, de maneira artificial (Figura 2).

 

“Claims” sobre o Brilho

     Os clientes consideram que brilho aumentado tem a ver com o uso de uma variedade de produtos para o tratamento dos cabelos. Mas o mecanismo em que esse benefício se baseia depende da forma de apresentação do produto. Assim, a avaliação de diferentes produtos exige diferentes tipos de experimentos.

     Apelos comerciais de compostos convencionais para dar brilho aos cabelos são diretos nas afirmações, dizendo que o revestimento de óleo suaviza as asperezas da superfície dos cabelos, melhorando sua capacidade de refletir a luz incidente (Figuras 3-5), porém que não se poderia esperar efeitos semelhantes usando shampoos e produtos condicionadores convencionais. O efeito build up dos depósitos na superfície dos fios leva à diminuição do brilho técnico dos cabelos (ver Caminho 5 na Figura1), por essa razão, parece razoável concluir que os shampoos, inerentemente, são benéficos para o brilho, pois removem esses depósitos de materiais opacos.

     Uma série de experimentos simples de laboratório consubstancia essa afirmação. Ao estabelecer o brilho basal dos cabelos limpos, fica possível demonstrar os efeitos negativos ao se aplicar uma mistura artificial de sebo ou um intenso regime de depósitos de qualquer sobre os fios. Uma lavagem com shampoo restaura a situação inicial. Esse mesmo raciocínio leva, potencialmente, a uma conclusão conflitante sobre o tratamento dos cabelos com um condicionador convencional, que deposita materiais graxos lubrificantes na superfície dos cabelos. Consequentemente, esses revestimentos poderiam tornar os cabelos opacos, embora, em geral, os consumidores acreditem que os condicionadores são benéficos em termos de aumento de brilho.

     Uma lógica semelhante envolve as capacidades de os condicionadores facilitarem a maneabilidade e de ajudarem a melhorar a capacidade de coesão dos fios de cabelo. Para compensar esses efeitos, foi projetada uma versão modificada do aparelho representado pela Figura 2, em que os cabelos são penteados na cabeça. Geralmente, essa abordagem mostra benefícios de brilho estatisticamente significantes associados a tratamentos tradicionais com condicionadores, embora a magnitude dessas alterações não possa ser mensurada.

 

Sumário

     Do ponto de vista técnico, é possível medir a capacidade da luz se refletir em cada um dos fios de cabelo e de uma mecha. Contudo, ainda há necessidade de resolver alguns problemas sobre a relevância desses números em relação à percepção do brilho pelos consumidores. Sem dúvida, em determinadas oportunidades os números se alteram de acordo com as expectativas, por exemplo, no caso da integridade dos cabelos e de sua limpeza.

     Inversamente, existem notáveis desconexões entre as maneiras como os consumidores discutem as propriedades de seus cabelos. Em consequência, os métodos de avaliação usados neste estudo foram constantemente referidos como avaliadores do brilho técnico. Da mesma forma, artigos anteriores a este, sobre a complexidade física associada com a interação da luz com a superfície dos cabelos, talvez tiveram a tendência de usar termos não frequentes entre consumidores, como radiância, luz ou lustro.

     Antes dos anos 2000 e da introdução de equipamento comercial para a avaliação do brilho dos cabelos, poucos laboratórios tinham capacidade de montar seus próprios goniofotômetros e/ou equipamento de luz polarizada. Assim, a disponibilidade dessa nova instrumentação obteve ampla e rápida aceitação, pois, aparentemente, proporcionava uma forma rápida de validar afirmações do marketing e de estabelecer afirmações quantitativas para os consumidores.

     A abordagem de luz polarizada pode ser usada para demonstrar uma melhor reflexão da luz sobre cabelos, como resultado de certos tratamentos capilares, embora sejam necessários diferentes experimentos para diferentes formas de produtos. Mas pode-se chegar a diferentes conclusões ao tratar exatamente os mesmos dados de reflexão com as diferentes equações disponíveis na literatura científica. A cor dos cabelos também exerce um efeito dominante sobre o brilho técnico.

     A proposta do autor deste artigo é que a coesão dos fios de cabelo seja a variável que falta nas discussões tradicionais sobre brilho dos cabelos. Claramente, essa consideração está totalmente ausente nos experimentos com fio único. Ao mesmo tempo, sua contribuição para a atual versão da abordagem de luz polarizada não é facilmente acessível devido às diferentes formas de arranjo dos cabelos durante as medições. Apesar disso, a luz consegue refletir com mais eficiência em fios de cabelo bem orientados.

     Aparentemente, essa sugestão seria capaz de eliminar conclusões discutíveis que surgem acerca dos atuais métodos de avaliação técnica. Por exemplo, cabelos louros lisos podem ter aparência muito brilhante e ter vantagens em termos de maneabilidade associada com depósitos de condicionador graxo, que podem anular o efeito opaco observado em fios isolados. Essa ideia, contudo, não nega necessariamente o brilho dos cabelos crespos, nos quais a grande coesão das ondas também pode gerargrande reflexo especular.

     Aparentemente, a indústria de hair care ainda tem muito trabalho a fazer para caracterizar devidamente o brilho dos cabelos de forma relevante para os consumidores.

 

Referências

1. C Reich, CR Robbins. Light scattering and shine measurements of human hair: a sensitive probe of the hair surface, J Cos Sci 44:221-234, 1993

2. K Keis, KR Ramaprasad, YK Kamath. Studies of light scattering from ethnic hair fibers, J Cos Sci 55: 49-63, 2004

3 RF Stamm, ML Garcia, JJ Fuchs. The optical properties of hair II: the luster of hair fibers, J Cos Sci 28:601-609, 1977

4. A Guiolet, JC Garson, JL Levecque. Study of the optical properties of human hair, Int J Cos Sci 9:111-124, 1987

5. FJ Wortmann, E Schulze zur Wiesche, B Bourceau. Analyzing the laser-light reflection from human hairs. II. Deriving a measure of hair luster, J Cos Sci 55:81-93, 2004

6. N Lefaudeux, N Lechocinski, P Clemenceau, S Breugnot. New luster formula for the characterization of hair tresses using polarization imaging, J Cos Sci 60:153-169, 2009

7. HK Bustard, RW Smith. Investigation into the scattering of light by human hair, Appl Optics 30:3485-3491, 1991

8. R McMullen, J Jachowicz. Optical properties of hair: effect of treatments on hair luster as quantified by image analysis, J Cos Sci 54:335-351, 2003

9. R McMullen, J Jachowicz. Optical properties of hair: detailed examination of specular reflection patterns in various hair types, J Cos Sci, 55:29-47, 2003

10. TA Evans. Defining and controlling frizz, Cosm & Toil 130(4):46- 53, 2015

                              Publicado originalmente en inglés, Cosmetics & Toiletries 131(1):28-34, 2010

 

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