Manipulação Cosmética

Xô, xuá, cada macaco no seu galho

Julho/Agosto 2016

Luis Antonio Paludetti

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Luis Antonio Paludetti

Alguém sabe como surgiu o dito que dá título à coluna desta edição?
Quem respondeu ”é um samba de Riachão” acertou. Riachão – sambista de velha guarda – escreveu esta canção há mais de 70 anos. E é com ela que pretendo fazê-lo refletir sobre prescrição farmacêutica.

Todo mundo sabe que o mundo contemporâneo é um mundo de reinvenção. Assim, como todas as coisas, as profissões também precisam se reinventar.

Pense na reinvenção sofrida pela nutrição (até uns 15 anos atrás, ser nutricionista era sinônimo de trabalhar em restaurante ou empresas de catering), por exemplo. Biólogos eram fatalmente destinados ao magistério e hoje podem trabalhar com sequenciamento genético e gerenciamento ambiental). E os educadores físicos ampliaram seu leque para os cuidados pessoais e a integração em equipes multidisciplinares de saúde.

E aí você me pergunta: e o farmacêutico? Bem, também estamos nos reinventando.

Bill Gates, em seu livro A Estrada para o Futuro, ensina que a melhor forma de prever o futuro é inventá-lo. Nesse sentido, a prescrição farmacêutica seria um dos passos a ser dado – pelo menos em parte – para reinventar a profissão farmacêutica.

Mas seria isso totalmente verdade? Seria a prescrição farmacêutica (que, resumidamente, consiste em o farmacêutico prescrever medicamentos isentos de prescrição médica ou alguns medicamentos de atenção primária à saúde, conforme protocolos claramente definidos) uma reinvenção para a profissão ou ela nos traria mais prejuízos que benefícios? Vejamos:

O principal fundamento da prescrição farmacêutica é que existem inúmeras pessoas afetadas por doenças ou problemas crônicos de saúde (asma, enxaqueca, hipertensão, hipercolesteremia, acne, alergias, micoses etc.) que não estão sendo tratadas.

Devido a um comportamento secular e pelas dificuldades de acesso à saúde, nós sabemos que, no Brasil, os primeiros estabelecimentos de saúde a ser lembrados e procurados pela população são as farmácias e drogarias. Também sabemos que é um hábito (não muito recomendável) o brasileiro se automedicar e o quão comum é a dispensação de medicamentos tarjados sem a devida prescrição e, muitas vezes, sem o aconselhamento profissional do farmacêutico. Por estes motivos, é muito comum (para não dizer intuitivo) que as pessoas procurem as farmácias para obter medicamentos, sejam eles de prescrição ou não. No Brasil, a indicação de medicamentos em farmácias é um fato que, infelizmente, na maioria das vezes, acontece sem o aconselhamento de um profissional farmacêutico.

Como, então, equacionar as necessidades de atendimento à saúde primária da população e, ao mesmo tempo, eliminar a automedicação e estimular o uso racional de medicamentos?

A resposta está na prescrição farmacêutica. É muito melhor que um farmacêutico, baseado em protocolos adequados, possa prescrever um medicamento de venda livre para asma que deixar eventuais pacientes à mercê de serviços de saúde inacessíveis e que muito provavelmente farão uso do mesmo recurso terapêutico que o farmacêutico teria prescrito.

Mas existe um problema nisso tudo: a linha que separa o que pode ser prescrito por um farmacêutico e o que deve ser prescrito exclusivamente por um médico é muito tênue e não muito nítida. Várias doenças exigem um diagnóstico diferencial difícil de resolver, e determinadas classes de fármacos podem obscurecer uma doença mais grave ou ser perigosas para certos grupos de pacientes com múltiplas enfermidades.

Durante muito tempo, a prática indiscriminada da indicação de medicamentos por parte das farmácias foi uma realidade. Sabiamente, a regulamentação da prescrição farmacêutica pelo Conselho Federal de Farmácia tornou clara e nítida a linha que separa o que pode ser prescrito por farmacêuticos e o que não pode. Foram estabelecidos protocolos e normas para o atendimento e a prescrição e, se isto for respeitado, tudo será melhor para a saúde no Brasil.

Nós, farmacêuticos, devemos ter uma profunda consciência profissional e estar plenamente cientes dos nossos limites. Infelizmente, alguns profissionais veem na prescrição apenas uma forma de sobressair e acabam ultrapassando limites, oferecendo serviços que invadem a competência legal de outros profissionais.

Nossa competência exclusiva é, sempre foi e sempre será o medicamento. Desde o século XV, medicina e farmácia andam separadas como profissões, mas unidas pela terapêutica medicamentosa. Uma não pode existir sem a outra. A medicina clínica é uma arte, tal qual o preparo de medicamentos. Ambas são indispensáveis, mas cada qual em seu âmbito. Ultrapassar limites e pular para o galho vizinho pode trazer muitos problemas.

Ah, e afinal: você sabia que “cada macaco no seu galho” foi eternizado pelo Riachão?



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