Direito do Consumidor

Arrependido?

Março/Abril 2011

Cristiane M Santos

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Cristiane M Santos

Deixando de lado minha profissão de advogada consumerista e pensando apenas como uma consumidora, um dos direitos que mais me atraem na Flórida, Estados Unidos, durante esse tempo em que estou morando aqui, é o fato de eu poder comprar qualquer coisa e depois ter o dinheiro de volta, caso me arrependa...

É claro que, como consumidores, nós agimos – acredito que na maioria das vezes – por total impulso e compramos coisas completamente desnecessárias ou, na pressa, não nos damos conta de que aquele vestido, ou aquela camisa, não caem tão bem assim. E, quando chegamos em casa, nosso ímpeto consumista já deu trégua à nossa razão. Quem nunca viveu essa situação?

Imagine como seria bom ter o direito de devolver aquela mercadoria – obviamente sem uso e nas mesmas condições em que tenha sido adquirida – e obter o dinheiro de volta, que poderia ser utilizado para algo mais necessário.

Agora, deixando de lado meu lado consumidora e pensando como fornecedora, esse direito pode ser perigoso e prejudicial, pois sabemos que a sociedade de consumo, infelizmente, não está formada apenas por consumidores de boa-fé.
Fiquei surpresa quando escutei um colega norte-americano comentar que havia comprado uma mesa apenas para ocupá-la na festa de aniversário de seu filho, e que, no dia seguinte, iria devolvê-la – depois de limpá-la e guardá-la novamente na caixa.

Naquela hora, pensei: “se ele, que foi criado dentro de uma cultura mais ‘certinha’ e ‘puritana’ que a nossa, está agindo assim...” Claro, não quero generalizar nem rotular ninguém! Minha intenção é apenas constatar os fatos que geram consequências numa sociedade de consumo.

Imaginem quem adquiriu aquela mesa depois? Provavelmente pagou o preço de uma mesa nova, que, apesar de ter mantido suas condições iniciais, já havia sido usada.

Enfim, muitas vezes a linha entre a boa e a má-fé pode ser tênue e de difícil constatação.

O Código de Defesa do Consumidor vigente prevê o direito de arrependimento apenas relativo a compras realizadas fora do estabelecimento comercial, conforme o artigo 49: “O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.”

Entretanto, no dia 31 de março, eu estava assistindo ao programa Jornal Hoje, na TV Globo Internacional, e fiquei sabendo de um projeto de lei (PL) que tramita no Congresso e prevê estabelecer o direito de arrependimento para as compras feitas nas lojas, com a possibilidade de obter o dinheiro de volta, desde que o produto seja devolvido nas mesmas condições iniciais – como aqui, na Flórida!

Pesquisando, verifiquei que existem alguns projetos de lei que tratam do tema, entre os quais destaco o PL nº 5.995/2009, do deputado Antonio Bulhões, cujo artigo 1º diz: “Esta lei altera a Lei nº 8.078, de 1990, Código de Defesa do Consumidor, para estender o direito de arrependimento ao consumidor que adquire produtos ou serviços, ou contrata o fornecimento deles, dentro do estabelecimento comercial”.

O artigo 49º da Lei nº 8.078, de 1990, passaria a vigorar (caso as alterações sejam aprovadas) com a seguinte redação:

“Art. 49º. O consumidor pode desistir do contrato de fornecimento de produtos e serviços, ou da aquisição deles, no prazo de 7 (sete) dias:

I – quando a contratação ou a aquisição ocorrer dentro do estabelecimento comercial, desde que a embalagem do produto não tenha sido violada e o produto permaneça da mesma forma de quando adquirido; ou a prestação de serviço não tenha sido iniciada;

II - sempre que a contratação ou a aquisição ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone, ou a domicílio, ou mediante a rede mundial de computadores.

§ 1º O prazo a que se refere o caput deste artigo será contado:

I - a partir da contratação do fornecimento de produtos e serviços, ou do ato de aquisição deles, na hipótese do inciso I do caput deste artigo;

II - a partir da contratação do fornecimento de produtos e serviços, ou do ato de recebimento deles, na hipótese do inciso II do caput deste artigo.

§ 2º Ao exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, o consumidor poderá optar pela devolução imediata dos valores eventualmente pagos, a qualquer título, monetariamente atualizados, ou pela obtenção de crédito correspondente aos valores pagos, a ser utilizado posteriormente.”

Segundo o site da Câmara dos Deputados, esse PL e os demais apensados, PL nº 7.194/2010 e PL nº 230/2011, encontram-se em trâmite na Comissão de Defesa do Consumidor.

Como esse trâmite costuma ser relativamente lento, vamos aguardar e esperar que qualquer alteração realizada no âmbito do Direito do Consumidor seja feita para manter o equilíbrio das relações e não pender para lados demagógicos.



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