Mercado

A crise hídrica

Maio/Junho 2015

Carlos Alberto Pacheco

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Carlos Alberto Pacheco

A partir do meio do ano de 2014, a cidade de São Paulo passa pelo pior cenário de fornecimento de água dos últimos 80 anos. Vários fatores contribuem para isto, como à escassez de chuvas apontada como a principal causa e o combate ao desperdício doméstico como a solução. Em meio a crise, a despeito da importância destes dois fenômenos – escassez e desperdício – pouco se falou sobre uma variável muito importante e a maior responsável pelo problema: a falta de planejamento urbano. Não houve um planejamento hídrico do Governo e certamente seremos afetados simultaneamente no bolso e no conforto.

A boa gestão do planejamento com certeza amenizaria a escassez, já teria sobre controle o desperdício doméstico e com certeza teria atuado numa das causas raiz do problema: as perdas no sistema de distribuição, o maior vilão da atual crise. A passividade do poder público na gestão do assunto é clara, principalmente na antecipação das ações em anos anteriores para evitar que o volume morto do sistema Cantareira tivesse que ser usado, fazendo com que cerca de 8,8 milhões de habitantes (78,6% da população da cidade), e muitas indústrias neste entorno, sofressem com os racionamentos.

Para exemplificar a passividade do poder público frente ao assunto, podemos citar os dados disponibilizados pelo Ministério das Cidades que aponta o crescimento nacional do consumo per capita de água anual. No período de 2008/2013 o consumo cresceu a um ritmo de 2,00% ao ano, tendo 2013 a marca de 166,3 litros/hab/dia, cerca de 51% acima do recomendado pela OMS (110 litros/hab/dia). Em 2013 somente o Estado de AL (99,7) e BA (110,6) atenderam esta recomendação, sendo o RJ o maior consumidor (253,1), seguido pelo MA (230,8). O Estado de SP apresentou o consumo de 188,0 e curiosamente é o único Estado da região Sudeste que apresenta uma redução de consumo média (0,3% em relação a 2012).

A cidade de São Paulo assim como o Estado apresenta o consumo de 188,0 litros/hab/dia com uma população total atendida de 11,7 milhões. As ações de consumo racional por parte da população ajudariam a reduzir o atual consumo médio diário, no caso da cidade de São Paulo de 70,9% acima da média. Supondo a obtenção da média recomendada pela OMS, teríamos em contas simples, uma economia de 333,5 bilhões de litros de água por ano.

Por outro lado as perdas no sistema de distribuição são enormes. Embora os números indiquem que o percentual nacional de perda anual vem caindo, no mesmo período, experimentamos uma diminuição também de 2,00% na taxa de perda ao ano, a taxa de perda ainda assim é altíssima: 37% em 2013. O Estado de São Paulo apresenta uma taxa de perda próximo da média do país de 34,3% e a cidade de São Paulo 35,8%. Apesar desta redução, a taxa de perda é altíssima e nos informa que um pouco mais de 1/3 da água disponibilizada não chega às torneiras quer seja no país, no Estado ou na cidade. Este valor representa o total das perdas no sistema de distribuição, que contemplam as perdas causadas pelos registros defeituosos, tubulações com vazamentos, hidrantes defeituosos e os famosos “gatos” (ligações clandestinas). No Japão este índice é de 3%, Alemanha 7% e Inglaterra 20%.

Na cidade de São Paulo, as ações de planejamento para reduzir as perdas na distribuição atualmente na ordem de 484,1 bilhões de litros de água ano, caso tivessem como meta a redução das perdas para 1/5 (tendo a Alemanha como referência – 7%), teríamos uma economia de 389,4 bilhões de litro ano.

Somados os volumes de água economizada teríamos um volume poupado de 722,8 bilhões de litros ano. Considerando que o total do volume morto do sistema Cantareira é de 400 bilhões de litros, teremos uma ideia do tamanho da economia (1,8 o volume morto). Este número indica que na próxima inevitável crise hídrica, o racionamento poderia ser mais ameno: menos dia e/ou horas sem disponibilidade de água.

A capacidade total do sistema Cantareira, formada pelas seis represas (Paiva Neto, Águas Claras, Atibainha, Jacareí, Cachoeira e Jaguari – a maior delas) tem um volume de armazenamento de 990 bilhões de litro. Considerando o atual consumo de 188 l/hab/dia de consumo, desconsiderando as perdas na distribuição, o consumo da população atendida pelo sistema corresponde a 61% do volume de armazenamento, enquanto que se seguíssemos a recomendação da OMS de 110 l/hab/dia ocuparíamos apenas 35,7% do volume de armazenamento. Atualmente com a vazão do sistema de 27,9 m3/s, o volume de água disponível é de 2,4 bilhões l/dia, sendo que somente a parte da cidade de São Paulo atendida pelo sistema consome 2,2 bilhões l/dia (nota: outros municípios da Grande São Paulo são servidos pelo sistema).

Para não nos “afogarmos na falta d’água”, a palavra de ordem é redução de consumo, tanto por parte da população como pelo poder público.



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