artigo publicado na versão impressa da edição outubro de 2015 da revista Edição Temática |
Antes de chegar às mãos do consumidor, os cosméticos passam por diversas avaliações, realizadas para reduzir a ocorrência de possíveis efeitos indesejáveis. Fabricantes, importadores ou os responsáveis pela introdução do produto no mercado devem garantir que este ofereça segurança aos consumidores, em condições normais de uso e de acordo com as orientações presentes na rotulagem.
“Cosmético seguro é aquele com ausência de riscos significativos em condições previsíveis de uso. Deve haver informações e comprovações de que o produto não causa danos aos usuários, o que é regulamentado por uma legislação específica”, sintetiza Carla Aparecida Pedriali Moraes, professora de Cosmetologia Cutânea e Procedimentos Estéticos Integrados do Curso de Cosmetologia aplicada à Estética do Senac.
A segurança de um produto cosmético está relacionada primeiramente a cada um dos ingredientes presentes em sua formulação. O “Guia de orientação para avaliação de segurança de produtos cosméticos”, documento elaborado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), informa que produtos cosméticos devem ser formulados com ingredientes referenciados (constantes em compêndios e na legislação), deixando uma margem de segurança entre o nível de risco e o nível de uso do produto.
Sintéticos, naturais, produtos de biotecnologia ou de associação de
ingredientes – como no caso das fragrâncias –, os ingredientes cosméticos devem fornecer bases técnicas adequadas para a elaboração de produtos seguros. A avaliação de segurança dos ingredientes contempla os parâmetros de caracterização, aplicação cosmética e informações de cunho toxicológico – como a margem de segurança adequada para a concentração dos ingredientes na formulação.
“A partir daí, as formulações podem ser avaliadas de acordo com a compatibilidade com a pele, comprovando o não potencial de irritação ou de sensibilização, por exemplo. A exceção deve ser feita a produtos já considerados irritantes, como os alisantes. Os estudos em uso também são importantes, pois permitem verificar com mais exatidão se o produto, em sua forma de uso e indicação, é plenamente seguro ao usuário”, comenta a dermatologista Flávia Addor, diretora técnica da Medcin Instituto da Pele.
Em síntese, os critérios que precisam ser observados na avaliaçãode segurança de produtos cosméticos são as condições de uso, a composição e o histórico a respeito do produto. No que se refere às condições de uso, são analisados aspectos como: a categoria do produto e a finalidade de uso, o modo de aplicação, a quantidade utilizada por aplicação, a frequência de uso, o tempo de contato, a área de aplicação (se o produto é destinado a áreas específicas da pele, a superfícies mais extensas ou à aplicação sobre mucosas, na área dos olhos e no cabelo) e o perfil do consumidor, bem como as restrições de uso.
No que diz respeito à composição do produto, é avaliada a existência de restrições ou regulamentações específicas a respeito dos ingredientes, assim como os dados toxicológicos e as possíveis interações entre eles. Informações disponíveis sobre o produto e artigos semelhantes, incluindo dados de cosmetovigilância, são analisados na avaliação do histórico do produto. Outros aspectos observados nesse quesito são as informações científicas, provenientes de revistas especializadas, entidades e órgãos regulatórios.
Carla explica que, de maneira geral, os principais testes in vivo realizados para atestar a segurança de ingredientes e de produtos acabados são as avaliações de irritabilidade e do potencial de sensibilização; a avaliação de comedogenicidade; e os testes de fotoirritação e fotossensibilização. “Os principais testes in vitro são: a avaliação de irritação ocular, do potencial fototóxico e do potencial de irritação cutânea”, aponta.
Ainda que existam algumas particularidades, as regulamentações para cosméticos nos maiores mercados do mundo apresentam pontos em comum. Alguns deles são:
• Compete ao fabricante a responsabilidade pela segurança do usuário ao utilizar os produtos;
• O modo de uso esperado não pode prejudicar a saúde do consumidor;
• Antes de sua comercialização, é necessário que o cosmético seja aprovado pelas respectivas autoridades locais;
• As informações sobre o produto cosmético apresentadas ao consumidor não podem ser enganosas;
• A descrição dos ingredientes na embalagem é feita por meio do sistema INCI (International Nomenclature of Cosmetic Ingredients).
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As informações a respeito das avaliações têm de ser transmitidas ao público-alvo da forma mais clara possível, para que este faça bom uso do produto. Expressões como “Produto para pele sensível” e “Não comedogênico”, por exemplo, indicam ao consumidor que o item a ser adquirido atende a determinados padrões de segurança.
Nos casos em que um produto é “Dermatologicamente testado” ou “Oftalmologicamente testado”, foram realizados ensaios de compatibilidade e/ou aceitabilidade cutânea. No primeiro exemplo, a expressão indica que foram feitos testes em pessoas para avaliar potenciais irritações cutâneas, sob a coordenação de um médico dermatologista. Já o produto “Oftalmologicamente testado” foi avaliado em seres humanos, em condições de uso, sob o controle de um médico oftalmologista, para verificar o potencial de reações oftálmicas.
Dependendo do tipo de produto a ser avaliado, os ensaios de aceitabilidade envolvem outros especialistas. Nos produtos para cuidados íntimos, por exemplo, os testes são comandados por um ginecologista.
Para que um produto seja considerado “Não comedogênico”, é feita a avaliação do potencial de formar comedões (cravos). A expressão “Não acnegênico” é atribuída aos produtos que passaram por testes de avaliação de seu potencial para formar ou piorar espinhas. Produtos para peles sensíveis são avaliados por meio de ensaios de compatibilidade cutânea e ensaios de uso, em pessoas com sintomas que caracterizam esse tipo de pele. Quando o produto é “Hipoarlegênico”, isso signifi ca que ele tem menor potencial para causar reações alérgicas.
Já o chamado “Produto infantil” é aquele apropriado para o uso na pele, nos cabelos e nas mucosas das crianças. Para essa categoria de produtos, são feitos ensaios de compatibilidade cutânea em adultos. Em determinados casos, depois de avaliados e aprovados em adultos, os produtos são submetidos a ensaios de aceitabilidade no público-alvo. Os produtos infantis têm de passar por testes de irritabilidade e sensibilização cutânea, além de toxicidade oral e fotossensibilização, como estabelece a RDC nº 15, de 24 de abril de 2015.
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A realização de testes de segurança abrange a participação de profissionais de diversas áreas, o que inclui médicos de várias especialidades, além de químicos, físicos, farmacêuticos, biólogos, engenheiros e bioquímicos. As avaliações contam com equipamentos diversifi cados e procedimentos específicos em relação aos voluntários que participam dos estudos.
Dentre os instrumentos utilizados para leituras científicas, estão aparelhos para: microscopia óptica, de varredura eletrônica, de tunelamento, de transmissão, espectroscopia de infravermelho, espectroscopia Raman (técnica que proporciona informação química e estrutural, em alta resolução, de compostos orgânicos ou inorgânicos) e reflexão difusa emissão/excitação. Outros exemplos são: calorímetros de escaneamento diferencial (DSC), difratômetros de raios-X, instrumentos de biometria, simulador solar, profilômetros, máquinas de ensaios mecânicos e colorímetros, entre outros.
A Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) – que atualizou a Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996 – estabelece as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Dentre as exigências da resolução – que incorpora referenciais da bioética –, está a obrigatoriedade de que os participantes (ou representantes deles) sejam esclarecidos sobre os procedimentos adotados durante toda a pesquisa e sobre os possíveis riscos e benefícios.
De acordo com a legislação brasileira sobre bioética, é preciso que os protocolos de estudos clínicos – de qualquer produto, equipamento ou procedimento (que esteja em desenvolvimento) aplicável em seres humanos – sejam aplicados de acordo com as Boas Práticas Clínicas (BPC). As BPC recomendam, por exemplo, a existência de dados pré-clínicos consistentes e que garantam a segurança nas avaliações clínicas, bem como a elaboração de relatórios sobre eventuais reações adversas.
Normalmente, os laboratórios de avaliação de segurança possuem bancos de informações clínicas com as características gerais dos voluntários, como dados morfológicos e fisiológicos sobre a estrutura dos cabelos e da pele. Os critérios de inclusão e exclusão de voluntários são determinados em função do estudo que será realizado. Dados sobre características fisiológicas e a respeito da saúde dos voluntários são registrados em uma ficha de anamnese.
Por razões relacionadas à metodologia científica e a critérios de confidencialidade, os voluntários selecionados têm acesso aos
dados sobre a constituição do produto, sua finalidade, o modo de aplicá-lo e as instruções em caso de eventuais reações adversas, mas não recebem informações a respeito da marca do produto. As exceções são os casos em que o fabricante abre mão do sigilo em razão de estudos mercadológicos.
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As reações adversas relacionadas aos cosméticos podem ir muito além dos problemas mais comuns, como as alergias. Saiba mais sobre essas alterações e o rigor científico que possibilita o desenvolvimento de produtos seguros
Quantos produtos cosméticos você já usou hoje? Todos os dias, eles entram em contato com a pele, o couro cabeludo, as mucosas, a área dos olhos e a cavidade oral das pessoas, em condições variadas. Com base no princípio de que a ausência de risco não existe, a indústria se vale de recursos técnicos e científicos para reduzir possíveis danos ao consumidor. Sabemos que a segurança dos produtos deve ser garantida a partir da seleção das matérias-primas. Atualmente, existem mais de 16 mil ingredientes usados em formulações cosméticas – com alto nível de segurança e na concentração adequada. A regulação de cada mercado estabelece a lista de ingredientes permitidos, bem como as concentrações máximas e as funções destes nos produtos cosméticos. Vale destacar que muitas das substâncias utilizadas em cosméticos foram inicialmente introduzidas para uso na indústria farmacêutica.
No entanto, ainda que o ingrediente seja reconhecido e considerado seguro para aplicação em uma determinada formulação, não há garantias de que essa matéria-prima apresentará o mesmo desempenho em uma nova composição. Por essa razão é fundamental analisar o seu efeito sinérgico em novas formulações.
O trabalho de pesquisa e desenvolvimento de novas matérias-primas inclui, portanto, um planejamento toxicológico, no qual é analisado o histórico dos ingredientes e a ação destes nos organismos vivos ao longo do tempo. Esse processo, somado aos dados sobre a segurança dos produtos acabados e à comunicação dessas informações de forma clara ao consumidor – evitando o uso inadequado – leva à introdução de cosméticos seguros no mercado.
“Embora idealmente não seja esperada nenhuma reação adversa ao uso de cosméticos, a história nos mostra que diferentes reações podem ocorrer, em função de condições da própria formulação, do uso fora das condições previsíveis - como estender o tempo de pausa de um epilatório químico além do recomendado, por exemplo -, da presença de algum ingrediente tóxico ou de contaminações microbianas”, ressalta a química Maria Inês Harris, docente do curso de especialização Lato Sensu em Cosmetologia das Faculdades Oswaldo Cruz e diretora do Instituto Harris. “As reações observadas podem ser irritações ou alergias. Em casos mais sérios, exposições crônicas podem levar à carcinogênese, às alterações metabólicas ou, ainda, causar efeitos sobre a reprodução, afetando o organismo da mãe ou da criança”, acrescenta.
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Os avanços da toxicologia têm estabelecido parâmetros de segurança para a evolução da indústria cosmética. Ciência multidisciplinar, ela estuda a interação entre o organismo e um agente químico capaz de produzir respostas nocivas, que podem
comprometer funções orgânicas ou mesmo levar à morte.
No Egito Antigo, por volta do ano 1500 a.C., o homem já tinha conhecimentos a respeito dos efeitos tóxicos de substâncias extraídas de plantas e de animais. Ao longo da trajetória humana, a toxicologia tem contribuído para o desenvolvimento de diversas atividades. Ela abrange conhecimentos, métodos e conceitos filosóficos de várias ciências, como química, bioquímica, patologia, fi- siologia, epidemiologia, imunologia, ecologia, biofísica e biologia molecular.
“Nas últimas duas décadas, a toxicologia vem desempenhando um importantíssimo papel na garantia de segurança de cosméticos, por meio do desenvolvimento de métodos alternativos aos ensaios em animais”, aponta Maria Inês. Nessa busca, os toxicologistas aliam diferentes campos do conhecimento para ajudar a desenvolver técnicas de ensaio mais precisas e novas formas para interpretar os resultados já disponíveis. “Um exemplo é a técnica Quantitative Risk Assessment, utilizada para a definição de níveis seguros de exposição a ingredientes alergênicos e que se baseia em dados históricos e na avaliação das condições de uso”, comenta.
O farmacêutico-bioquímico Daniel Dorta, presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia e professor de Toxicologia e Química Clínica no Departamento de Química da FFCLRP-USP (Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras de Ribeirão Preto), lembra a importância de incluir o processo produtivo na avaliação de potenciais riscos. “Fabricantes precisam considerar não apenas a possibilidade do produto representar um risco para os consumidores, mas também para os trabalhadores em suas fábricas – e os profissionais que podem estar expostos a um produto com mais frequência do que um consumidor típico, como os cabeleireiros. Também é preciso considerar se o produto pode prejudicar o meio ambiente depois de ter sido usado”, argumenta.
A toxicologia busca avaliar a que tipo de efeitos as pessoas estão sujeitas quando expostas aos ingredientes cosméticos. Por meio da avaliação de potenciais problemas, ela permite a gestão dos riscos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) define como risco cosmético a probabilidade de ocorrência de uma das seguintes reações:
Irritação - processo inflamatório que ocorre na área de contato com o produto e que pode acontecer após a primeira aplicação ou em decorrência da continuidade do uso. A irritação é determinada por um dano tecidual agudo ou crônico e de intensidade variada – a intensidade da irritação pode variar em função da concentração dos ingredientes no produto final, da formulação como um todo, da quantidade aplicada, da frequência e do modo de aplicação.
Sensibilização – é um processo inflamatório que pode acontecer dias ou mesmo anos após o primeiro contato, até que o organismo reconheça um ou mais ingredientes da formulação como alergênicos. Normalmente, ela é uma resposta imunológica que não ocorre nas primeiras aplicações, a não ser que a pessoa já tenha alergia a um dos ingredientes do produto. A sensibilização pode ser causada por ingredientes de forma isolada ou decorrer da interação entre eles.
Irritação e sensibilização são processos semelhantes e caracterizados pela ocorrência de sinais clínicos como eritema, edema, pápula e pústula. Um exemplo de sensibilização é a causada pela irradiação ultravioleta do sol, a reação fotoalérgica. São reações cutâneas ocasionadas por irradiação de determinado comprimento de onda e que se estendem por todo o corpo.
Sensações de desconforto - são reações que podem sinalizar uma irritação, como ardência, coceira, dor e pinicação, dentre outros incômodos.
Efeito sistêmico – resulta da passagem de quaisquer ingredientes do produto para a corrente circulatória, independentemente da via de aplicação.
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Garantindo a segurança dos produtos
“Hoje em dia, os testes para avaliação da segurança de cosméticos são realizados basicamente com métodos alternativos ao usode animais, por determinação dos órgãos reguladores”, aponta Dorta.
Maria Inês explica que, na avaliação toxicológica de produtos cosméticos, não há um “check list” de testes que precisam ser feitos. “A avaliação deve ser baseada inicialmente na análise cuidadosa das informações sobre os ingredientes, incluindo a avaliação dos possíveis contaminantes presentes e dos dados disponíveis de controle de qualidade e estabilidade”, salienta Maria Inês.
São estudadas as vias de exposição e as formas de uso, para avaliar os impactos dos ingredientes isoladamente, bem como a possibilidade de interação entre componentes da formulação e possíveis efeitos sinérgicos ou antagônicos entre eles. “Algumas vezes, perigos potenciais podem ser identificados, exigindo ensaios específicos. Isso ocorre, por exemplo, quando se identifica um potencial fototóxico por meio da análise das propriedades físico-químicas de algum componente. Nesse caso, sugere-se a realização do método OECD TG 432 - Teste de Fototoxicidade in vitro 3T3 NRU, que é recomendado pela OECD e reconhecido pela Anvisa”, diz.
De forma geral, para a avaliação de possíveis efeitos tóxicos de ingredientes, principalmente os decorrentes da exposição crônica, como alergênese, carcinogênese ou efeitos sobre a reprodução, pode-se utilizar combinações de avaliações in silico (uso de métodos preditivos computacionais) e in vitro, avaliando-se a possibilidade de ocorrência de algum efeito adverso.
“Embora muitos resultados falso-positivos sejam observados, poucos são os casos de falso-negativos, ou seja, há risco de se excluir o uso de algum ingrediente de uma formulação por um falso perigo, mas pouco risco de permitir algo que aparentemente é seguro, mas que na verdade não é. Muitas empresas comprometidas com o banimento dos ensaios em animais, mesmo estando em projetos avançados, quando encontram possíveis falso-positivos – e se não identificam tecnologias ou evidências que permitam sair da chamada zona cinza sem o uso de ensaios em animais –, congelam esses projetos”, afirma.
No que diz respeito à formulação cosmética final, Maria Inês explica que, em muitas situações, não são necessários novos ensaios – com exceção dos casos nos quais são identificados riscos em potencial que devem ser melhor investigados. “Assim, baseando-se na avaliação de segurança preliminar, pode-se conduzir estudos clínicos em humanos nos quais a compatibilidade entre o produto e a pele, a adequação das condições de uso e a aceitação do consumidor possam ser adequadamente avaliadas, sem que se coloque em risco o participante da pesquisa”, completa.
Em outros casos, embora testes de segurança não sejam considerados imprescindíveis – uma vez que tanto a avaliação de segurança como dados de mercado de produtos considerados similares indicam a segurança do produto – , testes clínicos tornam-se obrigatórios, devido a apelos comerciais contidos na otulagem. “Essa é uma demanda legal, posto que apelos comerciais como ‘dermatologicamente testado’ indicam claramente para o consumidor que o produto foi testado na pele de voluntários”, ressalta.
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Confira um panorama com as metodologias utilizadas nos testes, os ensaios recomendados para cada atributo de segurança e as questões que envolvem o avanço dos métodos alternativos no Brasil
Todo o trabalho de pesquisa que antecede o lançamento de um produto cosmético é realizado para comprovar que este é seguro para uso e que promove os benefícios que promete. No que diz respeito à segurança, ensaios pré-clínicos e clínicos são respaldados por metodologias reconhecidas internacionalmente.
Em consonância com o cenário científico mundial, cresce no país o esforço para o desenvolvimento de tecnologias que levem a novos métodos de investigação para atestar a segurança dos produtos. O momento é de debates e de reflexões em várias áreas da pesquisa científica, com foco na diminuição e eliminação dos testes realizados em animais.
Na área cosmética, o desenvolvimento de modelos experimentais alternativos ao uso de animais em laboratório ganhou impulso na década de 1980, graças à evolução técnico-científica do período. Metodologias começavam a ser desenvolvidas para atender, num primeiro momento, as necessidades de pesquisa em farmacologia. Tais métodos alternativos também passaram a ser utilizados para a avaliação de efeitos toxicológicos.
Alguns desses testes já vinham sendo usados há muito tempo, em particular na área da mutagenicidade. Eles também eram utilizados para a demonstração de mecanismos de ação específicos, no que se refere a sistemas biológicos simples, como nos estudos feitos em microrganismos, células, tecidos e/ou órgãos de animais ou humanos.
Ao longo das últimas décadas, vários esforços têm sido efetuados para a diminuição do uso e do sofrimento de animais, em sintonia com os crescentes debates sobre o tema e com as demandas da sociedade.
“Conceitualmente, qualquer animal pode servir à experimentação. No entanto, a prioridade é a utilização de um modelo que apresente melhor resposta a determinado estímulo, por sua maior sensibilidade, por sua facilidade de manejo e pela evidenciação do efeito ou por sua semelhança anatômica, fisiológica ou metabólica com o ser humano. Os animais de laboratório devem ser utilizados sempre que não existirem métodos alternativos validados que substituam esse método ou, em casos específicos, após triagens (screenings) com métodos in vitro ou insilico.
O que não é aceitável é, no caso de dúvida, utilizar um ser humano como cobaia para a realização de qualquer tipo de teste”, afimou Jadir Nunes, presidente da Sociedade Brasileirade Métodos Alternativos à Experimentação Animal (SBMAlt), em artigo publicado pela revista Cosmetics & Toiletries Brasil, em agosto de 2015.
Em 1984, o governo britânico concedeu fundos para o desenvolvimento de métodos alternativos ao Fund for Replacement of Animal Medical Experiments (FRAME). Dez anos depois, foi inaugurado o European Committee for Validation of Alternative Methods (ECVAM), instituição da Comissão Europeia encarregada de promover e validar técnicas e metodologias destinadas à substituição dos ensaios em animais. Entidades como a The Cosmetic Toiletry and Fragrance Association (CTFA), atualmente denominada Personal Care Products Council (PCPC), e o Interagency Regulatory Alternatives Group (IRAG) tornaram-se referências na padronização
e harmonização de metodologias.
A partir de 2009, a Europa iniciou o processo de substituição de testes em animais na área cosmética, concluído em 2013. Em 2011, o Brasil criava o Centro Brasileiro para Validação de Métodos Alternativos (BraCVAM).
O Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) publicou uma resolução normativa no Diário Oficial da União em setembro de 2014, reconhecendo métodos alternativos para reduzir, substituir ou refinar o uso de animais em atividades de pesquisa. Foram reconhecidos 17 métodos alternativos, validados para uso no Brasil.
Entre as metodologias reconhecidas pelo Concea estão as que são alternativas aos testes de permeabilidade e opacidade de córnea bovina e aos de olho isolado de galinha. Todos os métodos alternativos da resolução são formalmente validados por centros internacionais e possuem aceitação regulatória internacional. As aplicações específicas de cada um deles, assim como a determinação de se destinarem à substituição total, à substituição parcial ou à redução do uso de animais, estão descritas no próprio método.
Em julho deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou uma norma que deve reduzir a necessidade do uso de animais em testes para pedidos de registro de medicamentos, cosméticos, produtos para saúde e produtos de limpeza, entre outros.
Publicada no Diário Oficial em 10 de agosto de 2015, a Resolução RDC Nº 35/2015 dispõe sobre a aceitação pela agência dos métodos alternativos de experimentação animal reconhecidos pelo Concea. “Na prática, uma empresa que precisar realizar um teste de irritação ocular, por exemplo, adotará métodos alternativos, em vez de usar animais, já que, para o teste de irritação ocular, existem alternativas validadas no Brasil”, informou a Anvisa.
O prazo para que cada método seja obrigatório é de cinco anos a partir de sua homologação pelo Concea. Logo, as empresas terão até setembro de 2019 para abolir totalmente os testes em animais que já foram reconhecidos.
Os testes já validados pelo Concea estão divididos em sete grupos: para avaliação do potencial de irritação e corrosão da pele; do potencial de irritação e corrosão ocular; do potencial de fototoxicidade; para avaliação da absorção cutânea; do potencial de sensibilização cutânea; de toxicidade aguda; e de genotoxicidade.
Tais acontecimentos demonstram que mudanças pontuais estão em curso no país. Há, contudo, um longo caminho a ser percorrido. “Terão de ser implementados o reconhecimento de BPL [Boas Práticas de Laboratório] nos laboratórios que prestam esses serviços e o treinamento de recurso humano para realizar esses ensaios nos laboratórios. Também será preciso treinar pessoas para interpretarem os dossiês. As universidades em todo país não estão a par de todo esse movimento, e são poucos os pesquisadores que trabalham e entendem esses ensaios. Esta será a principal função da SBMAlt: a divulgação dos métodos alternativos por meio de workshops, seminários e cursos”, ressalta a química Simone Fanan, membro do conselho consultivo da entidade.
O artigo mencionado anteriormente lembra que, na Europa, para se chegar ao patamar de substituição total do uso de animais em testes para cosméticos, as empresas tiveram de investir muitos recursos. “Por exemplo, uma grande multinacional francesa declarou que investiu mais de US$ 800 milhões desde 1979 em métodos alternativos e que o motivo maior dessa atitude não foi a vontade de vender mais, mas seguir o princípio de que a beleza não pode vir do sofrimento animal. Segundo essa empresa, cinco eixos de testes, nos quais antes eram utilizados animais, foram desenvolvidos: irritação cutânea e irritação ocular, corrosão da pele, efeitos do sol e genotoxicidade”, apontou o autor.
Dentre as dificuldades relacionadas aos métodos alternativos está a avaliação da reatividade de sistemas mais complexos.Nesses casos, é necessário o acesso a uma bateria de testes que sejam complementares, de maneira que o conjunto destes possibilite um resultado com os mesmos níveis científicos e de informação dos obtidos, anteriormente, com os modelos em animais. Por outro lado, além de poupar os animais, testes in vitro oferecem, em determinados casos, maior rapidez na obtenção de resultados. Métodos alternativos também são menos variáveis do que os realizados em animais, favorecendo a maior reprodutibilidade dos resultados obtidos.
Com quatro anos pela frente até a implementação da RDC Nº 35, o panorama nacional pede avanços referentes à capacitação, atualização e ao trabalho conjunto de profissionais, empresas, centros de pesquisa e governo. “Em termos conceituais e com base nos avanços da ciência cosmética mundial no tema relacionado à pesquisa e ao desenvolvimento de métodos alternativos, sim, hoje podemos viver sem testes em animais para produzir cosméticos. Mas, olhando especificamente o Brasil, a realidade de sua infraestrutura, e mesmo de sua cultura relacionada ao tema, creio que precisamos de mais algum tempo para chegar ao mesmo nível da Europa e, de uma forma consistente, substituir 100% dos testes em animais para a produção de cosméticos”, concluiu Nunes, em seu artigo.
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“Hoje os principais testes de segurança para cosméticos são os ensaios realizados em voluntários humanos ou ensaios clínicos”, diz Simone. Ensaios clínicos em humanos são essenciais para que as empresas ofereçam aos consumidores o máximo de segurança com o menor risco, garantindo as melhores condições de uso do produto. As informações provenientes desses testes são importantes para a determinação do modo e local de uso, das advertências de rotulagem e das orientações para o serviço de atendimento ao consumidor.
Cosméticos podem causar reações adversas, como dermatite eczematosa de contato (o tipo de reação mais comum), erupções foliculares e acneiformes, miliária, alterações pigmentares e dermatite de contato. Em face dessas possibilidades, é necessária a realização de avaliações referentes aos potenciais alergênicos e de irritabilidade dos produtos.
“Após a aprovação do protocolo de pesquisa junto ao comitê de ética em pesquisa, temos a seleção de voluntários participantes
hígidos, não portadores de dermatite atópica, eczema alérgico ou história de intolerância a cosméticos”, explica o químico Adriano Pinheiro, diretor da Kosmoscience.
As avaliações são realizadas com voluntários de ambos os sexos, na faixa etária de 18 a 65 anos, com fototipos de I a IV, de acordo com a classificação de Fitzpatrick. Compreendidos os procedimentos e as exigências referentes ao estudo, as pessoas assinam um termo de consentimento para participar do teste.
Pinheiro menciona, a título de ilustração, o exemplo de uma avaliação feita para investigar a segurança clínica de um produto quanto ao potencial de irritação cutânea primária e acumulada e de sensibilização dérmica. Nesse caso, o atributo de rotulagem é “Dermatologicamente testado”.
Para a avaliação, é usado um equipamento padrão, o Finn Chamber – com dez câmaras côncavas de alumínio, de 8 mm de diâmetro. As dimensões de cada câmara garantem que a quantidade de substância adicionada nunca ultrapasse, em média, 26 mg, determinando a padronização da preparação em todos os testes – além de contato uniforme com a pele, sem perda ou dispersão do material.
A área experimental escolhida pode ser o dorso direito ou esquerdo. A técnica de aplicação consiste em amostras identificadas por números, solução salina para controle e amostras testadas diluídas a 5% em água destilada (produtos enxaguáveis, rinse off) ou sem diluição (todos os outros, leave on).
O estudo é realizado em um período de quatro a seis semanas. Nos ensaios de irritabilidade cutânea primária é feita a leitura dos locais de aplicação em 48 e 96 horas após a remoção do teste do dorso esquerdo.
Para investigar a irritabilidade cutânea acumulada, são realizadas aplicações do produto três vezes por semana, por três semanas consecutivas, em dias alternados padronizados, para um total de nove aplicações. As leituras dos locais de aplicação são feitas a cada 48 horas e a reaplicação do teste de contato é feita sempre nos mesmos locais do início do teste, no dorso esquerdo.
Já o teste de sensibilização dérmica é realizado em três etapas: indução, repouso e desafio. Na indução, as aplicações são feitas três vezes por semana, por três semanas consecutivas, em dias alternados padronizados – totalizando nove aplicações. As leituras dos sítios de aplicação também são feitas a cada 48 horas.
O repouso é feito logo após a indução, por um período de dez dias. Nenhum teste de contato pode ser aplicado nesse período. No desafio, é feita a aplicação do teste de contato em área virgem – no dorso direito – e a leitura dos locais de aplicação acontece em 48 e 72 horas após a remoção do teste.
Em avaliações como essa, o produto considerado seguro é liberado para comercialização quando o teste de compatibilidade cutânea apresenta resultado negativo em pelo menos 95% dos voluntários testados – desde que as reações adversas encontradas sejam leves.
A compatibilidade cutânea pode ser avaliada como:
Muito boa – ausência de quaisquer reações cutâneas em 100% dos voluntários
Boa – presença de reações cutâneas leves e não significativas em uma parcela de 1% a 3% dos voluntários, o que permite que o produto seja liberado para comercialização
Moderada - presença de reações cutâneas leves em 3% a 5% dos voluntários, o que ainda não impede a liberação do produto para comercialização
Ruim – presença de reações cutâneas significativas, de qualquer intensidade, em algum voluntário, ou presença de reações cutâneas leves em mais de 5% dos voluntários. Tais resultados levam à reprovação do produto no ensaio de compatibilidade cutânea e ao impedimento de sua liberação para comercialização.
Embora as avaliações devam ser conduzidas caso a caso, a Anvisa estabelece uma relação entre os atributos de segurança dos produtos e as respectivas recomendações de ensaios. Veja a seguir:
Dermatologicamente testado - são recomendados ensaios de compatibilidade cutânea (dependendo da categoria do produto) e ensaios de aceitabilidade cutânea em condições normais de uso Oftalmologicamente testado - ensaio de aceitabilidade com análise de parâmetros oftalmológicos.
Clinicamente testado - ensaio de aceitabilidade, analisando particularidades do sítio de uso – como as mucosas oral e genital.
Não comedogênico - ensaios oclusivos de contato repetido em pessoas negras, por quatro semanas Não acnegênico - ensaio em uso feito por três a quatro semanasem indivíduos com predisposição à acne e/ou pele oleosa.
Produto para pele sensível - ensaios de compatibilidade e ensaios de uso em indivíduos de pele sensível Hipoalergênico - ensaios de compatibilidade cutânea, fototoxicidade e fotossensibilização, sem ocorrência de reações.
Produto infantil - ensaio de compatibilidade cutânea em adultos e, em casos específicos, na sequência, ensaios de aceitabilidade cutânea no público-alvo.
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